Depois de quase duas semanas
fora da sala de aula porque não tinha camiseta do uniforme escolar, um
adolescente de 13 anos, aluno do 8º ano – de acordo com a sua mãe – retornou às
aulas nesta segunda-feira (3), na Escola Municipal José Alves de Sousa, em Vila
São José, um bucólico lugarejo do município de Itanhém, localizado na estrada
que dá acesso a Cruzeiro do Sul, distrito de Vereda.
Segundo a mãe do menor,
Mirian Lobo, que é pedagoga e há 16 anos leciona nesta mesma unidade de ensino,
a decisão de não aceitar o estudante sem o uniforme foi do diretor Marcos
Correia Amorim, que há cerca de cinco anos está à frente da direção.
Amorim não apenas ocupa a
função de diretor. Mesmo não dominando o idioma mais importante no mundo, ele é
o professor de inglês da escola, é também quem presta serviços à secretaria da
Educação do município, com o transporte escolar naquela região e, pasmem, é o
motorista da Kombi, que ele comprou do prestador de serviço anterior, que havia
desistido de transportar alunos por vários atrasos no pagamento. E, não custa
nada lembrar que a esposa do diretor é professora e coordenadora na escola.
Com receio de ser perseguida
e de prejudicar psicologicamente ainda mais o seu filho na escola, procurada
pelo Água Preta News, a pedagoga explicou apenas que não comprou a camiseta do
uniforme para o filho porque estava sem dinheiro.
“Em momento algum recusei
comprar a blusa, eu só não poderia [comprar] naquele momento”, disse. “Estou
sem chão com a situação. Li alguns artigos na internet que diziam que a escola
não pode impedir o aluno de assistir aulas por este motivo”, enfatizou.
A mãe do adolescente procurou
o Conselho Tutelar, na cidade de Itanhém, que teria oficializado a lamentável
atitude do diretor à secretaria da Educação do município. A secretaria, por sua
vez, de acordo com a mãe, determinou que o aluno fosse recebido na escola sem o
uniforme, até que uma camiseta fosse providenciada.
“Quando saí da secretaria me
disseram que o menino poderia ir pra escola, mas o diretor não deixou ele
entrar”, explicou a mãe, fazendo questão de informar que o secretário da
Educação, Álvaro Pinheiro e sua auxiliar, Maria Batista, se colocaram à
disposição para resolver a situação e que o problema foi apenas no âmbito
escolar.
Na verdade, mesmo que o uso
do uniforme esteja presente no regimento escolar, desde que esteja vestido de
forma apropriada para frequentar a escola, impedir o aluno de assistir aula por
falta dele é ilegal, afinal, a Constituição Federal está acima de leis
estaduais, municipais e também de normas internas. Ao que parece, somente o
diretor e professor de inglês da escola de Vila São José não sabe disso ou
finge não saber para fazer impor seu método arrogante e antipedagógico.
Claro que nos parece sensato
gestores escolares exigir a utilização do uniforme porque a falta de
identificação operacional dos alunos, principalmente em unidades de ensino
localizadas em áreas de risco, como em favelas, nas grandes metrópoles, por
exemplo, facilita a identificação de estranhos e até mesmo de traficantes nas
dependências escolar. Mas, esta situação está muito distante da escola em
questão, que tem um número muito pequeno de alunos – algo em torno de 120 – e
está localizada em uma das vilas mais tranquilas do município, até mesmo por se
tratar de uma região rural.
Para Juca Gil, professor de
Políticas Educacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
embora esta seja uma situação controversa, é possível que a escola, por
deliberação do conselho escolar, inclua em seu regimento interno a exigência do
uniforme e, se o poder público fornecer as peças gratuitamente a todos os
estudantes, há a possibilidade de defender o uso obrigatório da vestimenta, o
que não é o caso da Escola Municipal José Alves de Sousa.
“Mas o direito de acesso à
educação e a obrigatoriedade escolar, previsto na Constituição Federal, nos
artigos 20 e 208, são considerados mais importantes do que qualquer deliberação
da escola ou lei estadual ou municipal. Logo, nenhum argumento pode sobrepor o
direito ao ensino”, pontuou.
Para Guilherme Perez Cabral,
advogado e professor, doutor em filosofia e Teoria Geral do Direito, a ‘farda’
não o agrada por dois motivos.
“Primeiro, porque a escola,
como ambiente de preparação para o espaço público plural, deve reconhecer as
diferenças, valorizar o contato com o que não é igual, logo, o espaço escolar
não combina com fardamento. Segundo, porque uniformizar é excluir, do âmbito do
processo de ensino-aprendizagem, as lições que se podem tirar do debate sobre o
que vestir”, disse.
Parece, entretanto, perca de
tempo falar de questões pedagógicas com um educador que, em pleno século XXI
proíbe o filho de uma professora de ter acesso à educação pelo simples fato de
não estar uniformizado.
O artigo 208 da Constituição
do Brasil efetiva o total acesso à educação e prevê a igualdade de condições
para o acesso e permanência na escola. O Estatuto da Criança e do Adolescente,
de igual forma, proíbe impedir que uma criança deixe de assistir às aulas.
A mãe do adolescente, quando
questionada, explicou que todas as aulas perdidas serão repostas. Não há
informação, entretanto, de como será o cronograma especial para atender esse
aluno e nem como os professores serão remunerados por essas aulas extras, se é
que elas, de fato, serão aplicadas. Mas, se quiserem é possível. Impossível
mesmo é voltar atrás ao impacto psicológico que a atitude do diretor da Escola
Municipal José Alves de Sousa, Marcos Correia Amorim, causou ao adolescente e à
família dele./aguapretanews
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