Cinco municípios do baixo
extremo sul da Bahia ingressaram, nesta sexta-feira (27/06), com uma ACP – Ação
Civil Pública contra as mineradoras Vale, BHP Brasil e Samarco, requerendo o
pagamento de R$ 780 milhões em indenizações. A ação foi ajuizada na Vara Cível
da comarca de Nova Viçosa e tem como fundamento os impactos ainda sentidos na
região após o rompimento da Barragem de Fundão, ocorrido em novembro de 2015,
em Mariana (MG) — o maior desastre socioambiental da história do Brasil.
As Prefeituras de Alcobaça,
Caravelas, Mucuri, Nova Viçosa e Prado contestam formalmente a exclusão dos
municípios baianos no recente acordo de repactuação firmado entre as
mineradoras, os governos federal e estaduais e órgãos do Judiciário. O novo
pacto, anunciado em outubro do ano passado, foi negociado em sigilo, sem a
presença dos representantes municipais ou das populações afetadas da região da
Costa das Baleias.
Segundo o texto da ação, o
acordo omitiu qualquer previsão de reparação para o litoral do extremo sul da
Bahia, embora estudos e relatórios oficiais apontem a extensão dos danos
ambientais até essa região. Um dos trechos mais contundentes da petição afirma
que “como aos municípios autores não foi facultada a adesão ao acordo de
repactuação, nem sequer foi prevista qualquer medida reparatória em seus
territórios, permanece intocado seu direito de serem indenizados pelos danos
que inequivocamente sofreram”.
Banco dos Abrolhos
Estudos realizados pelo
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) confirmam que
a pluma de rejeitos com metais pesados – como ferro, cádmio e chumbo – alcançou
o 75% da extensão do Banco dos Abrolhos, compreendendo as áreas do Parque
Nacional Marinho dos Abrolhos, da Reserva Extrativista de Cassurubá e outras
unidades de conservação localizadas no extremo sul da Bahia. Um relatório de
2016 apontou níveis tóxicos acima do permitido por lei, e em 2022 o ICMBio
aplicou uma multa de R$ 50 milhões à Samarco, especificamente pelo impacto
ambiental nessa região.
O rompimento da Barragem de
Fundão liberou cerca de 45 milhões de metros cúbicos de rejeitos no leito do
Rio Doce, que percorreu mais de 600 Km até desaguar no Oceano Atlântico, por
meio da foz do Rio Doce, no balneário de Regência, litoral do município de
Linhares. Na época a corrente marítima estava tocando para o Norte e, portanto,
a lama se espalhou mais em direção aos municípios da região Norte da foz do rio
Doce, no sentido ao Banco dos Abrolhos.
A extensão do Banco dos
Abrolhos compreende da foz do Rio Doce em Linhares até a foz do Rio
Jequitinhonha, em Belmonte, habitat visitado de junho a dezembro pelas Baleias
Jubartes e considerado o mais rico banco da diversidade marinha do hemisfério
sul, com extrema importância ecológica, abrigando o maior conjunto de recifes
de coral do Atlântico Sul e o maior banco de rodolitos do mundo.
Na época os municípios
litorâneos mais afetados foram Linhares, São Mateus, Conceição da Barra (ES),
Mucuri, Nova Viçosa, Caravelas, Alcobaça e Prado (BA) – isto é, da área do
Banco dos Abrolhos ficaram de fora do tingimento da lama apenas os territórios
de Porto Seguro, Santa Cruz Cabrália e Belmonte. Ou seja, estes municípios
citados do lado Norte, foram mais afetados por gravidade, em razão do ‘vento
sobre a corrente marítima’, que naquela estação do ano, soprava do Sul para o
Norte.
A Devastação
A tragédia ambiental também
atingiu o litoral do município capixaba de Aracruz, ao sul e vizinho da foz do
Rio Doce. A devastação na ocasião causou 19 mortes, destruiu comunidades
inteiras e provocou danos ambientais que, quase uma década depois, ainda estão
longe de serem reparados. Com essa ação, de acordo com o chefe da Procuradoria
Geral do Município de Mucuri (PGM), o procurador geral Jhanshy Amarante, os
municípios do extremo sul da Bahia se colocam como atores legítimos na luta por
justiça ambiental e reconhecimento das perdas sofridas. “Mesmo diante do
exposto, do que foi vivido por estas populações do lado baiano, pela vasta
prova material, ainda assim, os municípios baianos foram ignorados na
repactuação. As Prefeituras tentaram reiteradamente dialogar com representantes
da Fundação Renova – responsável pela execução das medidas de reparação – e com
os órgãos envolvidos no Comitê Interfederativo, mas foram sistematicamente
excluídas”, lembra o procurador geral de Mucuri, Jhanshy Amarante.
O procurador Dartaian Chaves
Menezes, da PGM – Procuradoria Geral do Município de Mucuri, destaca que a Ação
Civil Pública também é resultado de uma audiência pública realizada em 18 de
fevereiro de 2025, pela Prefeitura de Nova Viçosa, onde moradores, ribeirinhos,
pescadores e empresários dos municípios de Mucuri, Nova Viçosa e Caravelas,
relataram contaminação da água, perda da biodiversidade marinha, queda na
produtividade da pesca e retração do turismo. Entre os relatos, destacam-se
perdas de renda, prejuízos à saúde e o colapso de atividades econômicas
tradicionais. O procurador Dartaian Menezes informa que o ajuizamento da ação
foi uma das principais deliberações do encontro, que também buscou o
reconhecimento oficial da região como atingida pela tragédia e a garantia de
compensações efetivas.
Evidências científicas e
exclusão institucional
Em Mucuri, o primeiro
território da linha geográfica atingido pela lama de Mariana em 2015 e
consequentemente o mais afetado dentre os municípios baianos, o prefeito
Roberto Carlos Figueiredo Costa, o “Robertinho” (UB), reagiu após o protocolo
da nova ação, desta vez, uma Ação Civil Pública na Vara Cível: “Não podemos aceitar
que nossa região seja prejudicada pelo maior desastre ambiental do país sem uma
compensação adequada e sem ações efetivas para recuperar nossos meios de
subsistência e nosso meio ambiente. Essa Ação Civil Pública busca nada menos
que o justo para a população dos nossos municípios”, reforçou o prefeito
Robertinho.
A prefeita de Nova Viçosa,
Luciana Sousa Machado Rodrigues (UB), também reagiu após o protocolo da nova
Ação. “Nestes próximos passos, exigimos reparações justas pelos nossos
prejuízos. A lama e os metais pesados, atualmente podem não ser visíveis a olho
nu em nossa região, mas diversos estudos já demonstraram que eles estão
presentes até hoje, tanto que os danos socioambientais e econômicos
permanecem”, afirmou a prefeita Luciana Machado.
Nova Ação
Mucuri foi o primeiro
município baiano a se tornar impetrante da ação do Tribunal de Amsterdã por
tragédia de Mariana, quando subsidiárias da Vale teve ações penhoradas na
Holanda. Na época, sete municípios de MG, ES e BA, moveram ação judicial no
Tribunal holandês contra a Vale SA e subsidiária holandesa da Samarco,
objetivando a reparação no valor de R$ 18 bilhões de reais por danos ambientais
provocados pela tragédia de Mariana em 5 de novembro de 2015 e, Mucuri foi o
único baiano impetrante daquela ação.
Com o protocolo da nova ação,
caberá agora ao juiz responsável da comarca de Nova Viçosa determinar a citação
das mineradoras para que apresentem suas defesas. O processo seguirá com
produção de provas, perícias técnicas e manifestação do Ministério Público. A
ACP, contudo, não interfere em outras ações judiciais movidas por indivíduos ou
coletivos contra as mineradoras, tampouco nos processos que tramitam nos
tribunais da Inglaterra e da Holanda. A indenização de R$ 780 milhões
reivindicada visa cobrir os danos materiais, morais e coletivos causados pelo
desastre – e, sobretudo, representar um passo concreto na reparação histórica
de uma região que também foi vítima do colapso de Mariana, mas que até agora
permaneceu invisibilizada./TN