SSP apresenta arma que teria sido usada por Lindomar em confronto com PMs em Anagé (Divulgação/SSP-BA)
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Lindomar da Silva Matos se tornou na sexta-feira (30) o oitavo irmão de uma família de ciganos morto pela Polícia Militar, no mais recente capítulo da epopeia de sangue que começou no último dia 13, quando o tenente Luciano Libarino Neves e o soldado Robson Brito foram assassinados em Vitória da Conquista. Desde então, a PM iniciou a caçada contra os suspeitos de envolvimento no duplo homicídio, cujo resultado, a cada etapa, deixou um rastro de corpos no Sudoeste baiano.
A nova morte, ocorrida em Anagé, cidade próxima a Conquista, tem narrativa semelhante às anteriores, sempre apresentada na voz da PM. Segundo a versão da Secretaria de Segurança Pública (SSP), Lindomar tentava invadir residências na localidade conhecida como Lagoa Grande e foi denunciado à polícia por moradores. A SSP informou ainda que o cigano portava revólver calibre 38, munições e uma faca.
Na ocasião, de acordo com a polícia, ele e outros três homens foram cercados por equipes da Cipe Central, tropa especializada com sede em Jequié, e da 79ª Companhia Independente da PM, sediada em Poções, quando houve uma troca de tiros. Durante o confronto, Lindomar foi baleado e não resistiu aos ferimentos. A polícia afirmou também que, na ação, recuperou a pistola do soldado Robson Brito, que teria sido roubada após ele ser assassinado.
Família dizimada
Antes de Lindomar, sete dos seus nove outros irmãos tiveram destino idêntico em um prazo de aproximadamente duas semanas. Parentes temem que a família seja completamente dizimada pela ofensiva da PM. Na quinta-feira, véspera da oitava morte, uma familiar dos ciganos desabafou sobre os efeitos da caçada empreendida pela PM.
“O pai (Rodrigo da Silva Matos, atualmente preso) está inconsolável. A mãe, a mesma coisa. Perderam sete filhos e três estão sendo caçados iguais a bicho. Eles (os policiais) estão aterrorizando, invadindo casas de pessoas inocentes. Os que estavam envolvidos nas mortes dos policiais já foram mortos no início. Agora, querem matar todos os irmãos, que são dez”, declarou ela, que por medo de represália abandonou a casa que morava em Vitória da Conquista.
O primeiro dos irmãos a ser
morto foi Ramon da Silva Matos, baleado no mesmo dia da execução dos PMs em
Vitória da Conquista. A versão da polícia é a de que ele teria reagido a tiros.
No dia seguinte, mais três corpos. Morais da Silva Matos, de apenas 13 anos,
foi alvejado dentro de uma farmácia da cidade. Embora as circunstâncias não
tenham sido esclarecidas, a família acusa a polícia pelo crime.
Em Itiruçu, também no Sudoeste do estado, Arlan e Dalvan da Silva Matos estavam em um CrossFox preto e teriam reagido a tiros ao avistarem uma barreira da PM. Na sequência, outros três integrantes da família entraram na lista. Sólon, Diogo e Bruno da Silva Matos morreram em confronto com a polícia no município de Anagé. Segundo a PM, o trio estava às margens do Rio Gavião e teria resistido à abordagem com disparos de armas de fogo.
Por causa das ações policiais, uma família de ciganos de Conquista é acompanhada pela Defensoria Pública do Estado, após a instituição receber denúncias de perseguição de policias militares. Cinco mulheres e sete crianças se mudaram para um município vizinho, e a Defensoria quer inseri-las no programa de proteção a testemunhas. “A mãe, as mulheres e os filhos dos que foram mortos correm risco, assim como todos nós. Toda a comunidade cigana está apavorada”, contou uma integrante da família que foi embora da região de Conquista.
Reportagem do CORREIO expôs drama dos ciganos
Reportagem de autoria da jornalista Thais Borges, publicada na última edição do fim de semana do CORREIO, retrata a tensão vivida há cerca de 15 dias por ciganos que habitam o interior baiano. Nos depoimentos colhidos pela repórter, os relatos são de medo, perseguição e abusos atribuídos aos policiais militares desde que dois deles foram assassinados em Conquista.
Um cigano da etnia Calon que mora em Itambé, também no Sudoeste do estado, contou ter sido vítima do excesso da polícia no último dia 19, quando PMs invadiram casas e, segundo ele, abordaram moradores da comunidade de forma agressiva. Após a ação, o temor o levou a deixar a comunidade e se abrigar em lares provisórios junto com o resto da sua família.
Em nota, a SSP informou que “pauta suas ações dentro da legalidade”. Afirmou ainda que não compactua “com excessos e que está à disposição para recepcionar qualquer tipo de denúncia sobre má conduta policial, por meio das Corregedorias, Ouvidorias e também do Disque Denúncia da SSP, através do número 181”.
Etapas de uma Epopeia feita a sangue
13 de julho - O tenente Luciano Libarino Neves e o soldado Robson Brito Matos são mortos no distrito de Josué Gonçalves, em Vitória da Conquista. No mesmo dia, Ramon da Silva Matos foi morto pela polícia na cidade
14 de julho - O cigano Rodrigo da Silva Matos é preso por suspeita de envolvimento na morte dos policiais. Ele é pai de Ramon e dos outros sete ciganos que seriam assassinados nos dias seguintes
18 de julho - O empresário Diego Santos Souza foi encontrado em um carro carbonizado. Testemunhas afirmam que o jovem foi confundido com um cigano, mas a polícia investiga a hipóteses de homicídio
28 de julho - Sólon, Diogo e Bruno da Silva Matos são mortos pela polícia em Anagé. Segundo a PM, eles estavam às margens do Rio Gavião e revidaram. Dois dias depois, Lindomar viraria o oitavo morto./bahiaextremosul
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