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domingo, 30 de outubro de 2022

Lula é eleito presidente pela 3ª vez

 




O pernambucano, ex-sindicalista e fundador do Partido dos Trabalhadores Luiz Inácio Lula da Silva, 77 anos, foi eleito neste domingo (30.out.2022) o 39º presidente da República Federativa do Brasil. Ele é o 1º na história a ser escolhido para o cargo 3 vezes pelo voto direto. O petista já havia sido eleito presidente duas vezes, em 2002 e 2006, sempre no 2º turno.

 

Às 19h55, o sistema do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) apontava o petista com 50,82% (59.533.747 votos). Os votos das urnas ainda não computadas não são suficientes para mudar o resultado. Por isso, a vitória de Lula está confirmada. O principal adversário do petista, o presidente Jair Bolsonaro (PL), 67 anos, tinha 49,18% (57.605.947 votos).

 

A vitória de Lula acabou sendo mais apertada do que os petistas esperavam no início da campanha. Ele havia terminado o 1º turno com 6.187.159 votos de vantagem sobre Bolsonaro. Foram 57.259.504 votos válidos (48,43%) contra 51.072.345 (43,2%) em 2 de outubro.

A eleição mais apertada até então havia sido a de 2014, quando Dilma Rousseff (PT) derrotou Aécio Neves (PSDB), no 2º turno, com 3.459.963 votos a mais.

 

O atual presidente, capitão reformado do Exército, é o 1º que fracassa ao tentar ser reeleito. Fernando Henrique Cardoso (1998), Lula (2006) e Dilma Rousseff (2014) foram às urnas e conseguiram um 2º mandato.

 

 

Mesmo derrotado, Bolsonaro teve uma votação relevante. Ele amalgamou os eleitores simpatizantes da direita e de pautas conservadoras. No Congresso, os eleitos para a Câmara e os que renovaram 27 cadeiras no Senado são em grande parte pró-Bolsonaro e anti-Lula. A polarização política no país deve prosseguir nos próximos anos.

 

Com o petista foi eleito como vice-presidente o médico anestesista, ex-tucano e ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB), 69 anos, um antigo adversário. A aliança, construída desde 2021, foi parte de um movimento para mostrar que um novo governo Lula não se restringiria ao PT e a partidos de esquerda.

 

 

Houve também a intenção de amenizar a resistência de setores mais conservadores, como o agronegócio e o mercado financeiro, e atrair eleitores que, tradicionalmente, não votariam no PT.

Lula fez uma campanha fiando-se no legado de seus 2 primeiros mandatos. Fez poucas promessas e não detalhou quase nenhuma. Disse que vai governar com responsabilidade fiscal, ainda que defenda acabar com a regra do teto de gastos. Deve manter a independência do Banco Central, mas deseja introduzir metas de crescimento econômico e emprego na atuação da autarquia.

 

Defendeu o reajuste do salário mínimo acima da inflação e equivalente ao crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). Prometeu regulamentar a equiparação de salários entre homens e mulheres que exercem a mesma função. Também disse que vai renegociar as dívidas de famílias com renda até 3 salários mínimos com bancos e com o poder público.

O petista já falou em criar mais 13 ministérios. Descontados os desmembramentos, o número de pastas deve subir dos atuais 23 para ao menos 34 a partir de 2023. Lula defende que a medida não implica em aumento de gastos e que ajudará na governança.

 

A nova gestão deve mudar o nome do Auxílio Brasil e ressuscitar a antiga designação do programa, Bolsa Família. O valor de R$ 600 deve ser mantido, mas não está claro como Lula vai obter recursos para bancar esse benefício. O petista quer pagar ainda R$ 150 a mais para cada filho de até 6 anos.

No caso de Bolsonaro, a promessa era vender empresas estatais para conseguir receitas extraordinárias em 2023. A ideia é rechaçada pelo petista.

Lula também prometeu retomar grandes obras de infraestrutura como forma de induzir o aumento da oferta de empregos no país. Afirmou que reunirá os 27 governadores para discutir as prioridades de cada Estado no início de sua gestão.

O agora presidente eleito proibiu aliados de discutir espaços no novo governo durante a campanha. As conversas objetivas devem começar a partir de 2ª feira (3.out.2022). O entorno do petista acredita que ele se cercará de ex-governadores aliados. Leia a seguir nomes cotados para postos importantes no governo Lula:

 

 

RECORDE DEMOCRÁTICO

 

A posse de Lula em 2023 marcará um recorde democrático histórico no Brasil. O petista assumirá o comando do país depois da 9ª eleição direta consecutiva para presidente. O país nunca teve 9 eleições seguidas com a posse do eleito na data marcada.

 

A fase anterior de maior estabilidade política foi na República Velha (1889-1930). Em 1918, depois de 7 eleições presidenciais diretas consecutivas (embora com acesso muito mais restrito dos eleitores ao voto), Rodrigues Alves tomaria posse, mas contraiu gripe espanhola e morreu antes de assumir.

Lula é a 1ª pessoa na história do Brasil eleita presidente 3 vezes pelo voto direto. Ninguém concorreu a mais eleições presidenciais que ele desde o fim da República Velha.

Contando 2018 –quando estava preso e foi inscrito como candidato, mas barrado pelo TSE– Lula esteve em 7 disputas pelo Palácio do Planalto. Também se candidatou em 1989, 1994 e 1998 (quando ficou sempre em 2º lugar) e 2002 e 2006 (anos em que venceu no 2º turno).

 

SAÚDE DO PETISTA

 

Nascido em Caetés (à época distrito de Garanhuns, em Pernambuco) em 27 de outubro de 1945, Lula será o mais velho a assumir o governo federal na história do Brasil. Terá 77 anos. Sua saúde é estável e ele sempre publica fotos e vídeos fazendo exercícios.

Durante a campanha, reforçou o acompanhamento com fonoaudiólogos por causa da rouquidão, prejudicada pela intensificação dos atos eleitorais.

POSSE EM 1º DE JANEIRO

 

A posse será em 1º de janeiro de 2023, a última a ser realizada nessa data. Lula foi eleito para ficar excepcionalmente no cargo por 4 anos e 5 dias. É que o próximo presidente, que será eleito em 2026, assumirá o mandato só em 5 de janeiro de 2027.

A mudança foi aprovada pelo Congresso Nacional em 2021, na emenda constitucional 111. Sempre houve muita reclamação sobre a posse ser num feriado internacional, pois poucas autoridades estrangeiras aceitavam vir à cerimônia.

A possibilidade de reeleição no Brasil foi aprovada em 1997 de maneira controversa. A partir de 1998 passou a ser possível uma reeleição consecutiva. Fernando Henrique Cardoso (1998), o próprio Lula (2006) e Dilma Rousseff (2014) foram reconduzidos ao cargo.

 

CAMPANHA ACIRRADA

 

A campanha começou oficialmente em 16 de agosto, mas Lula já discursava e conquistava aliados havia meses. Desde o início do ano estava claro que, salvo um fato novo e forte, a disputa ficaria entre o petista e Bolsonaro.

Antes do período eleitoral começar de fato, havia ainda alguma expectativa de que um candidato da 3ª via pudesse crescer e furar a polarização, algo que rapidamente se mostrou improvável.

A intenção do agora presidente eleito e de seus aliados foi concentrar a campanha em temas econômicos e sociais. Havia a intenção de forçar uma eleição “plebiscitária”, como se diz no jargão político. Ou seja, condicionar os eleitores a votar pensando se aprovavam ou não o atual governo.

A leitura do entorno de Lula era que a pauta de costumes, por exemplo, favoreceria Bolsonaro, seu principal adversário. Um dos maiores desgastes do petista, ainda durante a pré-campanha, foi uma declaração sobre aborto. O tema voltou com força no 2º turno e obrigou Lula a se posicionar claramente contra o procedimento.

 

A preocupação com segurança também foi constante. Os eventos de campanha, especialmente no 1º turno, tiveram forte esquema para proteger o petista.

No 2º turno, porém, mudou-se o modelo dos atos públicos. Na 1ª fase da campanha, Lula priorizou comícios em capitais e grandes cidades do interior.

Depois, fez caminhadas em que percorria os trechos na caçamba de caminhonetes e finalizava com discursos feitos de cima de trios elétricos. A estrutura simplificada dos atos permitiu a Lula interagir mais com o público. Passou a cumprimentar diretamente eleitores com apertos de mão e abraços.

 

A bagunça de aliados e apoiadores em seu entorno é uma marca da forma como Lula faz política. No 1º turno, ele reclamou em diversos momentos por se sentir longe dos eleitores.

Em 2002, por exemplo, ele chegou a dar carona para um empresário que nem conhecia num dos jatinhos da campanha, como mostra o documentário “Entreatos”.

Algumas demonstrações de tensão política aumentaram a preocupação dos petistas. Em junho, um drone de pulverização agrícola despejou um líquido fétido em apoiadores de Lula que esperavam para ver o ex-presidente em um comício.

 

No mês seguinte, o bolsonarista Jorge José da Rocha Guaranho invadiu a festa de aniversário do petista Marcelo Aloizio de Arruda e o matou a tiros. O caso foi em Foz do Iguaçu (PR).

 

No início de setembro, uma discussão política no norte do Mato Grosso evoluiu para briga. O bolsonarista Rafael Silva de Oliveira matou o lulista Benedito Cardoso dos Santos. Outras brigas por causa das eleições foram registradas ao longo do período eleitoral.

 

VOTO ÚTIL

 

A campanha de Lula recorreu ao discurso do chamado “voto útil” contra Bolsonaro nas últimas semanas antes do 1º turno, em 2 de outubro. O objetivo era tomar parte do eleitorado de Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) para liquidar a eleição naquele momento.

O movimento incluiu diversos artistas. O músico Caetano Veloso mencionou Ciro nominalmente. Também participou o ex-jogador de futebol Walter Casagrande Jr. Enquanto essa mobilização se desenrolava, FHC pediu “voto pró-democracia” e listou pautas de Lula em uma carta. O texto do tucano foi divulgado em 22 de setembro.

Lula, no entanto, obteve 48,43% dos votos totais. Faltou apenas 1,57% para ter sido eleito no 1º turno. Bolsonaro passou para a 2ª fase da eleição com 43,20% dos votos. Tebet ficou em 3º lugar com 4,16% dos votos e Ciro ficou em 4º, com 3,04%.

 

Observou-se, porém, que a estratégia do chamado “voto útil” pode ter sido um tiro no pé. Parte dos votos de Ciro migrou para Bolsonaro e não para Lula, como os petistas imaginavam.

 

Na semana seguinte ao 1º turno, Ciro seguiu a indicação do seu partido e apoiou Lula, embora não tenha citado o nome do petista ao declarar sua posição. O PT esperava ter o pedetista no palanque, mas Ciro submergiu e se isolou em outubro. No último fim de semana da campanha, Lula disse que não iria “coagi-lo”.

 

Tebet, por sua vez, aliou-se a Lula logo nos primeiros dias do 2º turno. A emedebista declarou “total apoio” à campanha e ao novo governo petista.

Apesar da aliança, a senadora relutou no início a participar ativamente da campanha. Após pressão pública de Lula, porém, Tebet participou de atos de rua e do giro que o agora presidente eleito fez por Minas Gerais. Em discursos, engrossou o tom contra Bolsonaro.

“Eu reconheço somente um candidato à Presidência neste 2º turno, porque não posso admitir e reconhecer um candidato que seja autocrata, que flerta com o autoritarismo, que militariza e politiza as Forças Armadas, que questiona o resultado das urnas, possa ser de alguma forma considerado candidato em uma democracia como a do Brasil”, disse em discurso na campanha.

Na reta final, promoveu encontros com empresários e participou de atos eleitorais sem a presença de Lula. “Se é para pedir voto, estou pronta”, repetiu por diversas vezes. O engajamento da senadora pode ter sido um dos fatores que levou Lula à vitória.

 

O apoio de Tebet foi o ato político mais importante para o petista no 2º turno. A senadora é cotada para assumir um ministério na nova gestão de Lula, possivelmente o da Educação ou o da Agricultura. Ela teve influência no fim da campanha. Conseguiu, por exemplo, deixar os atos menos vermelhos e aumentar o uso da cor branca.

CAMPANHA NO 2º TURNO

 

Nas últimas semanas antes do 2º turno, Lula intensificou o chamado às urnas. Passou a pedir em todos os seus discursos que seus apoiadores conversassem com quem se absteve ou votou nulo na etapa anterior.

“É tentar convencer as pessoas de que, se elas votarem, estarão contribuindo para que amanhã possam falar mal de quem eles elegeram, fazer discurso e cobrar. Se não forem votar, perderão condições de cobrar do governo eleito as coisas que elas sonham que sejam feitas”, disse em discurso.

 

O final da campanha petista foi com uma nova gravação do já icônico jingle “Sem medo de ser feliz”, de 1989, que se notabilizou pelo refrão “Lula lá”. Participaram dessa gravação em 19 de outubro de 2022, no Teatro Casa Grande, no Rio, entre outros, Camila Pitanga, Gregório Duvivier, Chico Buarque, Marieta Severo, Osmar Prado, Conceição Evaristo, Tia Surica e Teresa Cristina.

 

O petista também obteve vitórias importantes na Justiça Eleitoral na última semana do pleito. No sábado (22.out.2022), o TSE deu a Lula o direito de responder a um comercial de Bolsonaro no qual estava dito que o petista foi campeão de votos nos presídios brasileiros.

 

O petista também conseguiu, na reta final, apoio de pessoas em geral críticas a seu partido. Foi o caso de economistas como Armínio Fraga e André Lara do Resende.

 

MUNDO DIGITAL E JANONES

 

A campanha de Lula teve um novo personagem de destaque para atuar no mundo digital. Foi o deputado André Janones (Avante-MG), 38 anos.

Ele era pré-candidato à Presidência da República, mas em 4 de agosto desistiu da disputa e declarou apoio a Lula. O movimento foi importante naquele momento porque a redução de candidaturas favorecia à polarização entre Lula e Bolsonaro.

 

Janones disputou a reeleição para a Câmara dos Deputados e foi eleito pelos mineiros com 238.967 votos.

 

Ele assumiu o papel de guru digital das redes sociais de Lula. Passou a atuar como proxy do petista em seus perfis pessoais. Trabalhou para dar ao PT uma forma mais contemporânea na atuação na internet.

Mas o tom agressivo, de embate ostensivo com opositores, acabou dando a Janones o apelido de “Carluxo do Lula”. A referência é ao filho de Jair Bolsonaro, o vereador Carlos Bolsonaro, responsável pela atuação às vezes controversa do pai nas redes sociais.

 

Inicialmente, petistas reclamaram da proeminência de Janones. Os resultados positivos vieram e as críticas se transformaram em elogios. Na metade do 2º turno, a campanha avaliou ter negligenciado as redes sociais e diagnosticou que era preciso correr atrás. Foi um momento de muitos podcasts e lives.

Em encontro com evangélicos, o agora presidente eleito chegou a admitir que “não imaginava que as mentiras pelo celular tinham tanta força pela internet”.

 

LULA AMPLIOU APOIOS

 

O presidente eleito passou os meses anteriores ao início oficial da campanha, em 16 de agosto, costurando seus apoios e promovendo atos políticos em diversos locais do Brasil.

Ele atraiu para sua aliança, oficialmente, PT, PSB, Solidariedade, Psol, PC do B, PV, Rede, Pros, Avante e Agir. Também teve aliados locais em outras siglas, como MDB e PSD. Fora os apoios que vieram no 2º turno.

As legendas com Lula representam, em número de partidos, a maior aliança que já se aglutinou em torno do petista em suas campanhas presidenciais.

Ele teve, em 1994, PT, PSB, PC do B, PPS (atualmente Cidadania), PSTU e PV em torno de si. É difícil, porém, comparar esses números ao longo dos anos porque a pulverização do sistema partidário brasileiro aumentou quase ininterruptamente do fim da ditadura militar até 2018.

 

Ao longo da campanha, Lula costumava dizer que não queria ser candidato só do PT, mas de um movimento democrático para derrotar Bolsonaro. Na última semana antes do 2º turno, voltou a repetir a frase.

O gesto mais emblemático nesse sentido foi a escolha de Alckmin como vice.

 

 

Geraldo Alckmin governou São Paulo de 2001, quando Mário Covas (PSDB) morreu, até 2006 e depois de 2011 a 2018. É quem ficou mais tempo à frente do Palácio dos Bandeirantes desde a redemocratização.

 

O ex-governador tem histórico conservador e antipetista. Foi um dos principais nomes do PSDB no auge da polarização entre o partido e o PT na política brasileira.

Em 2006, Alckmin disputou a eleição presidencial e perdeu para Lula. Houve diversos atritos com o petista naquele ano.

 

O antigo adversário deixou o PSDB em dezembro de 2021, depois de 33 anos no partido, que havia ajudado a fundar. Filiou-se ao PSB em março de 2022 para ser o vice na chapa de Lula.

 

A aliança foi costurada por meses. Envolveu o ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro Fernando Haddad (PT) e o ex-governador Márcio França (PSB), de quem Alckmin é próximo, além de Gabriel Chalita.

 

O PSB formalizou a indicação do ex-governador de São Paulo como vice na chapa em 8 de abril. Na prática, tomou corpo naquele dia a maior guinada à direita da história do PT.

 

A chapa foi lançada em 7 de maio. Na ocasião, o ex-governador fez juras de lealdade ao ex-presidente. Também disse que chuchu com lula se tornaria um “hit da nossa culinária”. No início da campanha, o marketing lulista até lançou um vídeo com um prato sendo montado com os ingredientes.

 

A menção ao legume não é à toa: quando governava São Paulo, Alckmin era chamado por adversários de “picolé de chuchu”. O apelido exprimia a ideia de que ele era um político sem graça.

 

Quando comenta sua aliança com Alckmin, Lula costuma dizer que é preciso “juntar os divergentes para vencer os antagônicos”. Ou seja: que a oposição de ambos a Jair Bolsonaro supera as diferenças políticas históricas.

 

Durante a campanha, porém, Alckmin surpreendeu. Foi bem acolhido pela militância petista e endossou pautas da esquerda. Também foi fundamental para diminuir as resistências a Lula, especialmente no interior de São Paulo.

PAUTA RELIGIOSA

 

Embora fosse pessoalmente contra usar temas religiosos na campanha eleitoral, Lula acabou convencido por aliados a divulgar a “Carta Compromisso com Evangélicos” em 19 de outubro.

No documento, o petista prometeu manter a liberdade de culto e de pregação, o livre funcionamento de templos e disse querer estimular a parceria com igrejas no cuidado com a vida da população.

Também criticou o “uso político da fé para dividir os brasileiros”, especialmente em relação à versão disseminada por bolsonaristas de que Lula determinaria o fechamento de templos no país.

No texto, o petista reforçou sua postura contrária ao aborto e disse que seu novo governo terá “compromisso com a vida plena em todas as suas fases”.

O documento foi o aceno mais forte de Lula ao público evangélico, em geral mais identificado com Bolsonaro. A campanha lulista tentava reverter parte da vantagem eleitoral do chefe do Executivo junto a esta parcela da população, especialmente os mais pobres.

ATRÁS DE GETÚLIO

 

Quem ficou mais tempo na Presidência da República até hoje foi o gaúcho (1882-1954), que comandou o Brasil por 18 anos. O petista não o passará nem ao fim de seu novo mandato.

Getúlio, porém, venceu só uma eleição direta. Ele perdeu em 1930 para o paulista Júlio Prestes, (1882-1946), que era filiado ao PRP e nunca assumiu o cargo.

O gaúcho tomou posse por meio de um movimento golpista armado que ficou conhecido como Revolução de 1930, o sepultamento da República Velha.

Ao assumir a Presidência da República, Getúlio instaurou um governo provisório que durou até 1934. Naquele ano, o presidente foi eleito, mas não pelo conjunto dos eleitores. Foi um pleito indireto, realizado pelo Congresso.

Havia eleições diretas marcadas para 1938. Mas o presidente deu um golpe em 1937. O que veio depois foi a ditadura do Estado Novo. Só em 1945 Getúlio deixou o poder.

 

A única vitória do gaúcho em uma eleição direta para presidente da República veio depois, em 1950. Impulsionado por sua popularidade junto aos trabalhadores e filiado ao PTB, bateu Eduardo Gomes (1896-1981), da UDN, e Cristiano Machado (1893-1953), do antigo PSD, extinto em 1965.

 

O governo eleito de Getúlio começou em 1951 e terminou em 24 de agosto de 1954, quando o presidente se matou com um tiro no peito, pressionado por uma crise política e militar. “Saio da vida para entrar na História”, escreveu em uma carta-testamento.

 

Com a candidatura deste ano, Lula se mantém como quem mais disputou o poder desde 1945. José Maria Eymael (DC) vem na cola do petista: concorreu ao Palácio do Planalto 6 vezes, inclusive nestas eleições. Acabou em último lugar, tendo obtido apenas 16.604 votos (0,01%).

 

Até 1930, quando houve a última eleição direta para presidente da República antes do Estado Novo, os pleitos funcionavam de forma diferente.

Em 1894, na 1ª eleição direta para presidente (ainda que com eleitorado restrito), não era necessário filiar-se a partido nem oficializar candidatura. O eleitor escrevia o nome que quisesse na cédula.

Segundo o Senado, 205 pessoas receberam votos naquele ano, sendo que 116 tiveram um único voto. O vencedor foi Prudente de Morais.

O Poder360 tabulou dados do livro “O voto no Brasil: da colônia à 6ª República”, de Walter Costa Porto, e identificou o político e advogado baiano Ruy Barbosa (1849-1923) com votos em 9 eleições (1894, 1898, 1902, 1906, 1910, 1914, 1918, 1919 e 1922).

 

DA PRISÃO PARA O PALANQUE

 

A nova vitória de Lula marca uma reviravolta em uma carreira política que parecia acabada em 2018.

Em 7 de abril daquele ano, o petista deixou a sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo (SP), onde ganhou projeção nacional liderando greves no fim da década de 1970, rumo à sede da Polícia Federal em Curitiba (PR).

 

 

O petista ficou preso por 580 dias. Saiu da cadeia em 8 de novembro de 2019. O início do processo de reabilitação da imagem de Lula foi a decisão do Supremo Tribunal Federal no dia anterior, que proibiu o início do cumprimento de pena antes do exame de todos os recursos pela Justiça.

 

Uma vigília de lulistas organizada pelo PT ficou acampada nos arredores de onde Lula estava preso durante os 580 dias. A socióloga Rosângela da Silva, conhecida como Janja, participou. Mais tarde, em maio de 2022, ela se casaria com o ex-presidente. Ao ser libertado, o petista foi até o grupo e discursou.

 

 

O ex-presidente havia sido condenado em 1ª e 2ª Instâncias no caso do tríplex do Guarujá. O TSE impediu o petista de ser candidato em 2018 com base na Lei da Ficha Limpa.

 

O processo do tríplex era parte da operação Lava Jato, que também tinha outras acusações contra o petista. O juiz responsável pelo caso na 1ª Instância era Sergio Moro.

 

Moro era acusado por parte dos políticos de perseguir figuras públicas, mais notadamente Lula. O juiz sempre negou que tivesse essa conduta.

Ele passou a ser mais criticado depois de aceitar o convite de Bolsonaro, eleito presidente no pleito do qual Lula foi barrado, para ser ministro da Justiça. O ex-juiz ficou na pasta de janeiro de 2019 a abril de 2020.

 

Agora em 2022, foi eleito senador pelo União Brasil do Paraná com 33,5% dos votos. No 2º turno, reatou com Bolsonaro e chegou a participar de propagandas do atual presidente, em que retomou o discurso anticorrupção.

Em março de 2021, quando Lula já estava solto, o ministro do STF Edson Fachin anulou as condenações contra o ex-presidente. No mês seguinte, o plenário do Supremo tomou decisão semelhante. Lula ficou elegível novamente.

Em junho, ainda em 2021, o plenário do Supremo declarou Moro parcial nos julgamentos. Lula obteve uma série de vitórias na Justiça sem necessariamente ter sido absolvido. Questões técnicas processuais foram comuns nas decisões.

Um dos episódios marcantes das eleições se deu quando o apresentador do Jornal Nacional, William Bonner, disse a Lula que ele não devia “nada à Justiça”. O programa da Rede Globo é o telejornal com maior audiência do país.

“O Supremo Tribunal Federal deu razão, considerou o então juiz Sérgio Moro parcial, anulou a condenação do caso do tríplex e anulou também outras ações por ter considerado a vara de Curitiba, incompetente. Portanto, o senhor não deve nada à Justiça”, disse Bonner durante sabatina.

 

Um dos principais motivos para o enfraquecimento de Moro foi a série de reportagens “Vaza Jato”, capitaneada pelo site The Intercept Brasil.

O material, que começou a ser publicado em junho de 2019, mostrou colaboração entre o então juiz e os procuradores que faziam as acusações do caso.

Recuperados os direitos políticos, Lula passou a ser considerado um candidato natural na eleição presidencial de 2022. Ele aparecia como líder na maioria das pesquisas de intenção de voto para o 1º turno desde 2021.

 

O petista começou ainda naquele ano a costurar seus apoios nacionais e locais. Fez diversas viagens (leia o itinerário neste link) pelo país para ter contato com líderes políticos, empresários e com o eleitorado.

 

Também começou a dar uma série de entrevistas à imprensa internacional e a rádios locais, entre outras empresas de mídia. Na reta final da campanha, participou também de podcasts, como o Flow, um dos mais populares do país. A exibição ao vivo do programa teve mais de 1 milhão de webespectadores simultâneos.

 

LULA & JANJA

 

O namoro de Lula com a socióloga Rosângela da Silva, 56 anos, ficou conhecido pelo público quando o petista ainda estava preso. Chamada de Janja, ela se casou com o agora presidente eleito em 18 de maio deste ano.

 

 

 

A cerimônia, realizada em São Paulo, foi fechada à imprensa. Mesmo assim, foi além da vida pessoal do casal e teve significado político.

O sacerdote do ritual religioso foi um velho conhecido de Lula: o bispo emérito de Blumenau (SC) Dom Angélico Sândalo Bernardino.

A relação dos 2 remonta ao movimento sindical dos anos 1970. Fichado pela ditadura militar, Sândalo era um dos integrantes da Igreja Católica que defendia sindicalistas do regime repressivo na região metropolitana de São Paulo.

O casamento, o 3º do petista, também rendeu a Lula exposição positiva nas redes sociais e em veículos de mídia.

Ele se casou pela 1ª vez em 1969, com Maria de Lourdes da Silva. Ela morreu em 1971 quando estava grávida de um menino, que também morreu.

Depois, Lula se relacionou com a auxiliar de enfermagem Miriam Cordeiro. O casal teve uma filha, Lurian Cordeiro Lula da Silva.

Em 1989, Mirian disse na televisão que Lula havia oferecido a ela dinheiro para abortar a gravidez: “Eu peguei a Lurian, entreguei no colo dele e falei: ‘Agora você mata’. Porque quando ela estava na minha barriga eu não permiti”.

A fala foi levada ao ar pela campanha de Fernando Collor, adversário do petista no 2º turno da eleição presidencial de 1989. Collor venceu a disputa.

Lula obteve direito de resposta. “São mentirosas, falsas e injuriosas as coisas levantadas contra Lula no programa do meu adversário”, disse ele à época.

“O que me deixa quase que abatido é saber que uma mãe, por míseros cruzados, por 200 ou 260 mil cruzados, resolve dizer inverdades e mais inverdades num canal de televisão”, declarou o então candidato.

O petista conheceu Marisa Letícia, com quem teria seu 2º casamento, em 1974. Ela viria a ser primeira-dama de 2003 a 2010. Marisa morreu por causa de um AVC em 2017.

O casal teve 3 filhos (Fábio Luís, Sandro Luís e Luís Cláudio). Marisa já tinha um filho de um relacionamento anterior, Marcos Cláudio.

Janja teve protagonismo na campanha eleitoral. Ela participou intensamente da construção da candidatura do marido.

Ajudou a definir cores do material de campanha, decidiu o que seria servido de comida em reuniões e eventos, reclamou com agentes da segurança do petista ainda na pré-campanha, dentre outras ações, vistas por aliados do marido como uma interferência excessiva.

Janja também discursou em atos públicos e, constantemente, foi a responsável por animar a plateia, inclusive cantando os jingles eleitorais. Ela sempre carregava garrafas de água para socorrer Lula quando sua voz falhava.

Sua presença constante em reuniões políticas incomodou aliados do petista. Lula, no entanto, sempre defendeu a permanência de sua mulher. Mesmo os críticos admitem que ela revigora o agora presidente eleito.

NASCIMENTO E MIGRAÇÃO

Caçula e com 7 irmãos mais velhos, Luiz Inácio da Silva –“Lula” só seria incorporado ao nome em 1982– nasceu em 27 de outubro de 1945 em Caetés (PE). Hoje o lugar é um município, mas à época era um distrito de Garanhuns (PE).

É filho de Eurídice Ferreira de Melo, conhecida como dona Lindu, a quem se refere com frequência em discursos. Diz ter aprendido sobre respeito, solidariedade, amor e verdade com ela./RADAR360

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