Uma autuação por desacato contra policiais militares de Joinville, que ocorreu na última quarta-feira e ganhou divulgação nesta quinta-feira na página do Facebook do 8º Batalhão da Polícia Militar (PM), repercutiu nas redes sociais e dividiu opiniões. Isto porque o desacato, na avaliação da PM, ficou caracterizado por uma publicação no Facebook.
Um jovem, de 23 anos, que trabalha em uma revenda de veículos de Joinville, escreveu mensagens com xingamentos contra a corporação em seu perfil pessoal após ter sido autuado por dirigir um carro rebaixado. Conforme a PM, ele também participava de um racha – tradicionais corridas clandestinas de automóveis.
A matéria publicada sobre o caso por "AN" já teve mais de cem compartilhamentos na rede social. Alguns internautas apoiaram a atitude da polícia, mas boa parte considerou exagerada a reação.
—Era só o que faltava. Cadê os nossos direitos de expressão. O Brasil está cada vez pior. Se fosse alguém lá do Senado, iam fingir que não viram. Começo a ter vergonha de ser brasileiro—, escreveu um leitor.
—Uma coisa é ter livre arbítrio, outra é achar que pode xingar os outros e passar em branco—, opinou outro usuário.
Mensagens deletadas
O subcomandante do 8o Batalhão da Polícia Militar, Jofrey Santos da Silva, defendeu a ação dos policiais e disse que o "desacato ficou comprovado".
—O crime ocorre da mesma forma que se tivesse acontecido presencialmente. Foi assinado um termo circunstanciado e o cidadão será intimado pela Justiça para dar satisfações—, explicou.
Após a autuação, o jovem apagou as mensagens escritas, provavelmente para evitar algum tipo de represália. "AN" teve acesso às publicações e comprovou o uso de palavras agressivas contra a PM.
A reportagem fez contato telefônico com a família do rapaz pelo menos quatro vezes nesta quinta-feira, na tentativa de ouvir a versão dele. Em duas delas, uma mulher atendeu e disse que ele não estava em casa. Mais tarde, o telefone apenas tocou e a ligação foi perdida.
Para defensora pública, não é crime
A reportagem procurou a defensora pública estadual Ana Carolina Dihl Cavalin, que atua em Joinville, e pediu a avaliação dela sobre o crime de desacato. Segundo a defensora, o texto legal exige que a conduta seja direcionada a funcionário público determinado.
Ou seja, não configura desacato a ofensa a uma instituição pública de forma genérica. "AN" enviou à defensora o trecho da mensagem publicada nas redes sociais pelo acusado.
—No caso concreto, pelo trecho que li, apesar de haver expressões grosseiras com palavras injuriosas, em nenhum momento houve o direcionamento da ofensa para um policial determinado, assim, no meu entendimento, não estaria configurado o crime neste requisito—, aponta.
Ainda conforme a defensora pública, apesar de o Código Penal prever o crime de desacato, o entendimento dela é de que a sua aplicação viola a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, "tratado internacional que o Brasil assinou e incorporou com força de lei".
—Entendo que aquele que abusar da liberdade de expressão até pode responder por injúria, se partir para a ofensa pessoal, mas jamais por desacato à "autoridade", crime que deveria ser expressamente extirpado da legislação penal e de todas as placas que são afixadas em repartições públicas—, argumenta.
Policial se sentiu ofendido
Ao saber da publicação no Facebook, o sargento da PM de Joinville, Ivonei Polsin, se deslocou até a casa do jovem, na manhã desta quinta-feira, e o pediu para assinar um Termo Circunstanciado – crime de menor relevância – por desacato a funcionário público.
Polsin estava trabalhando com outros dois policiais quando abordou o vendedor na quarta-feira, no bairro Bom Retiro, em Joinville.
Segundo ele, o veículo de propriedade do acusado participava de um racha e o motorista, no caso o jovem, estava com a carteira de habilitação vencida. Ao chegar na casa do acusado, o discurso mudou e o jovem disse ao policial que não queria ofender ninguém.
—Ele afirmou que não queria ter feito aquilo, que estava arrependido, mas fez. Me senti ofendido, até porque foram citados familiares. Alguns policiais também ficaram chateados e vão processá-lo e pedir reparação por dano moral—, declarou.
Polsin reiterou que tentou resolveu a situação de maneira cordial, orientando o jovem a não agir dessa forma, pois a repercussão poderia ser ainda maior. Ele lembrou que o acusado tem todo o direito de se defender na justiça e que caso se sinta prejudicado pelo modo como foi abordado pela PM, pode registrar um Boletim de Ocorrência e solicitar processo de investigação na Corregedoria da PM de Joinville.
—O que ele fez foi errado e eu achei que deveria tomar uma atitude—, disse Polsin. De acordo com o sargento da PM de Joinville, pelo menos outros dois casos, de igual teor e agressão pela web, aconteceram na última semana em Santa Catarina: um deles foi identificado em Piçarras e outro em Biguaçu.
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