Em entrevista exclusiva a
ÉPOCA, o empresário diz que o presidente não tinha “cerimônia” para pedir
dinheiro e que Eduardo Cunha cobrava propina em nome de Temer.
Na manhã da quinta-feira
(15), o empresário Joesley Batista, um dos donos
do grupo J&F, recebeu ÉPOCA para conceder sua primeira entrevista exclusiva
desde que fechou a mais pesada delação dos três anos de Lava Jato. Em mais de
quatro horas de conversa, precedidas de semanas de intensa negociação, Joesley
explicou minuciosamente, sempre fazendo referência aos documentos entregues à
Procuradoria-Geral da República, como se tornou o maior comprador de políticos
do Brasil.
Discorreu sobre os motivos
que o levaram a gravar o presidente Michel Temer
e a se oferecer à PGR para flagrar crimes em andamento contra a Lava Jato.
Atacou o presidente, a quem acusa, com casos e detalhes inéditos, de liderar “a
maior e mais perigosa organização criminosa do Brasil” – e de usar a máquina do
governo para retaliá-lo.
Contou como o PT de Lula “institucionalizou” a corrupção no Brasil e de
que modo o PSDB de Aécio Neves entrou em leilões
para comprar partidos nas eleições de 2014. O empresário garante estar
arrependido dos crimes que cometeu e se defendeu das acusações de que lucrou
com a própria delação.
A seguir, os principais
trechos da entrevista publicada na edição de ÉPOCA desta semana. Leia as 12
páginas da conversa com Joesley na edição que chega às bancas neste sábado (17)
ou disponível agora nos aplicativos ÉPOCA e Globo+:
ÉPOCA – Quando o senhor
conheceu Temer?
Joesley Batista – Conheci
Temer através do ministro Wagner Rossi, em 2009, 2010. Logo no segundo encontro
ele já me deu o celular dele. Daí em diante passamos a falar. Eu mandava
mensagem para ele, ele mandava para mim. De 2010 em diante. Sempre tive relação
direta. Fui várias vezes ao escritório da Praça Pan-Americana, fui várias vezes
ao escritório no Itaim, fui várias vezes à casa dele em São Paulo, fui alguma
vezes ao Jaburu, ele já esteve aqui em casa, ele foi ao meu casamento. Foi
inaugurar a fábrica da Eldorado.
>> Joesley Batista está
no Brasil e prestou novo depoimento no acordo de delação premiada
ÉPOCA – Qual, afinal, a
natureza da relação do senhor com o presidente Temer?
Joesley – Nunca foi uma
relação de amizade. Sempre foi uma relação institucional, de um empresário que
precisava resolver problemas e via nele a condição de resolver problemas. Acho
que ele me via como um empresário que poderia financiar as campanhas dele – e
fazer esquemas que renderiam propina. Toda a vida tive total acesso a ele. Ele
por vezes me ligava para conversar, me chamava, e eu ia lá.
ÉPOCA – Conversar sobre
política?
Joesley – Ele sempre tinha um
assunto específico. Nunca me chamou lá para bater papo. Sempre que me chamava,
eu sabia que ele ia me pedir alguma coisa ou ele queria alguma informação.
>> Joesley Batista: O
mais perigoso delator
ÉPOCA – Segundo a
colaboração, Temer pediu dinheiro ao senhor já em 2010. É isso?
Joesley – Isso. Logo no
início. Conheci Temer, e esse negócio de dinheiro para campanha aconteceu logo
no iniciozinho. O Temer não tem muita cerimônia para tratar desse assunto. Não
é um cara cerimonioso com dinheiro.
ÉPOCA – Ele sempre pediu sem
algo em troca?
Joesley – Sempre estava
ligado a alguma coisa ou a algum favor. Raras vezes não. Uma delas foi quando
ele pediu os R$ 300 mil para fazer campanha na internet antes do impeachment,
preocupado com a imagem dele. Fazia pequenos pedidos. Quando o Wagner saiu,
Temer pediu um dinheiro para ele se manter. Também pediu para um tal de Milton
Ortolon, que está lá na nossa colaboração. Um sujeito que é ligado a ele. Pediu
para fazermos um mensalinho. Fizemos. Volta e meia fazia pedidos assim. Uma vez
ele me chamou para apresentar o Yunes. Disse que o Yunes era amigo dele e para
ver se dava para ajudar o Yunes.
>> Joesley Batista está
irritado com acusações de Temer
ÉPOCA – E ajudou?
Joesley – Não chegamos a
contratar. Teve uma vez também que ele me pediu para ver se eu pagava o aluguel
do escritório dele na praça [Pan-Americana, em São Paulo]. Eu desconversei, fiz
de conta que não entendi, não ouvi. Ele nunca mais me cobrou.
ÉPOCA – Ele explicava a razão
desses pedidos? Por que o senhor deveria pagar?
Joesley – O Temer tem esse
jeito calmo, esse jeito dócil de tratar e coisa. Não falava.
ÉPOCA – Ele não deu nenhuma
razão?
Joesley – Não, não ele. Há
políticos que acreditam que pelo simples fato do cargo que ele está ocupando já
o habilita a você ficar devendo favores a ele. Já o habilita a pedir algo a
você de maneira que seja quase uma obrigação você fazer. Temer é assim.
ÉPOCA – O empréstimo do
jatinho da JBS ao presidente também ocorreu dessa maneira?
Joesley – Não lembro direito.
Mas é dentro desse contexto: “Eu preciso viajar, você tem um avião, me empresta
aí”. Acha que o cargo já o habilita. Sempre pedindo dinheiro. Pediu para o
Chalita em 2012, pediu para o grupo dele em 2014.
ÉPOCA – Houve uma briga por
dinheiro dentro do PMDB na campanha de 2014, segundo o lobista Ricardo Saud,
que está na colaboração da JBS. Joesley – Ricardinho falava direto com Temer,
além de mim. O PT mandou dar um dinheiro para os senadores do PMDB. Acho que R$
35 milhões. O Temer e o Eduardo descobriram e deu uma briga danada. Pediram R$
15 milhões, o Temer reclamou conosco. Demos o dinheiro. Foi aí que Temer voltou
à Presidência do PMDB, da qual ele havia se ausentado. O Eduardo também participou
ativamente disso.
ÉPOCA – Como era a relação
entre Temer e Eduardo Cunha?
Joesley – A pessoa a qual o
Eduardo se referia como seu superior hierárquico sempre foi o Temer. Sempre
falando em nome do Temer. Tudo que o Eduardo conseguia resolver sozinho, ele
resolvia. Quando ficava difícil, levava para o Temer. Essa era a hierarquia.
Funcionava assim: primeiro vinha o Lúcio [o operador Lúcio Funaro]. O que ele
não conseguia resolver pedia para o Eduardo. Se o Eduardo não conseguia
resolver, envolvia o Michel.
ÉPOCA – Segundo as provas da
delação da JBS e de outras investigações, o senhor pagava constantemente tanto
para Eduardo Cunha quanto para Lúcio Funaro, seja por acertos na Câmara, seja
por acertos na Caixa, entre outros. Quem ficava com o dinheiro?
Joesley – Em grande parte do
período que convivemos, meu acerto era direto com o Lúcio. Eu não sei como era
o acerto do Lúcio do Eduardo, tampouco do Eduardo com o Michel. Eu não sei como
era a distribuição entre eles. Eu evitava falar de dinheiro de um com o outro.
Não sabia como era o acerto entre eles. Depois, comecei a tratar uns negócios
direto com o Eduardo. Em 2015, quando ele assumiu a presidência da Câmara. Não
sei também quanto desses acertos iam para o Michel. E com o Michel mesmo eu
também tratei várias doações. Quando eu ia falar de esquema mais estrutural com
Michel, ele sempre pedia para falar com o Eduardo. “Presidente, o negócio do
Ministério da Agricultura, o negócio dos acertos…” Ele dizia: “Joesley, essa
parte financeira toca com o Eduardo e se acerta com o Eduardo”. Ele se envolvia
somente nos pequenos favores pessoais ou em disputas internas, como a de 2014.
ÉPOCA – O senhor realmente
precisava tanto assim desse grupo de Eduardo Cunha, Lúcio Funaro e Temer?
Joesley – Eles foram
crescendo no FI-FGTS, na Caixa, na Agricultura – todos órgãos onde tínhamos
interesses. Eu morria de medo de eles encamparem o Ministério da Agricultura.
Eu sabia que o achaque ia ser grande. Eles tentaram. Graças a Deus, mudou o
governo e eles saíram. O mais relevante foi quando Eduardo tomou a Câmara. Aí
virou CPI para cá, achaque para lá. Tinha de tudo. Eduardo sempre deixava claro
que o fortalecimento dele era o fortalecimento do grupo da Câmara e do próprio
Michel. Aquele grupo tem o estilo de entrar na sua vida sem ser convidado.
ÉPOCA – Pode dar um exemplo?
Joesley – O Eduardo, quando
já era presidente da Câmara, um dia me disse assim: “Joesley, tão querendo
abrir uma CPI contra a JBS para investigar o BNDES. É o seguinte: você me dá R$
5 milhões que eu acabo com a CPI”. Falei: “Eduardo, pode abrir, não tem
problema”. “Como não tem problema? Investigar o BNDES, vocês.” Falei: “Não, não
tem problema”. “Você tá louco?” Depois de tanto insistir, ele virou bem sério:
“É sério que não tem problema?”. Eu: “É sério”. Ele: “Não vai te prejudicar em
nada?”. “Não, Eduardo.” Ele imediatamente falou assim: “Seu concorrente me paga
R$ 5 milhões para abrir essa CPI. Se não vai te prejudicar, se não tem
problema… Eu acho que eles me dão os R$ 5 milhões”. “Uai, Eduardo, vai sua
consciência. Faz o que você achar melhor.” Esse é o Eduardo. Não paguei e não
abriu. Não sei se ele foi atrás. Esse é o exemplo mais bem-acabado da lógica
dessa Orcrim.
ÉPOCA – Algum outro?
Joesley – Lúcio fazia a mesma
coisa. Virava para mim e dizia: “Tem um requerimento numa CPI para te convocar.
Me dá R$ 1 milhão que eu barro”. Mas a gente ia ver e descobria que era algum
deputado a mando dele que estava fazendo. É uma coisa de louco.
ÉPOCA – O senhor não pagou?
Joesley – Nesse tipo de
coisa, não. Tinha alguns limites. Tinha que tomar cuidado. Essa é a maior e
mais perigosa organização criminosa deste país. Liderada pelo presidente.
ÉPOCA – O chefe é o
presidente Temer?
Joesley – O Temer é o chefe
da Orcrim da Câmara. Temer, Eduardo, Geddel, Henrique, Padilha e Moreira. É o
grupo deles. Quem não está preso está hoje no Planalto. Essa turma é muita
perigosa. Não pode brigar com eles. Nunca tive coragem de brigar com eles. Por
outro lado, se você baixar a guarda, eles não têm limites. Então meu convívio
com eles foi sempre mantendo à meia distância: nem deixando eles aproximarem
demais nem deixando eles longe demais. Para não armar alguma coisa contra mim.
A realidade é que esse grupo é o de mais difícil convívio que já tive na minha
vida. Daquele sujeito que nunca tive coragem de romper, mas também morria de
medo de me abraçar com ele.
ÉPOCA – No decorrer de 2016,
o senhor, segundo admite e as provas corroboram, estava pagando pelo silêncio
de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro, ambos já presos na Lava Jato, com quem o
senhor tivera acertos na Caixa e na Câmara. O custo de manter esse silêncio
ficou alto demais? Muito arriscado?
Joesley – Virei refém de dois
presidiários. Combinei quando já estava claro que eles seriam presos, no ano
passado. O Eduardo me pediu R$ 5 milhões. Disse que eu devia a ele. Não devia,
mas como ia brigar com ele? Dez dias depois ele foi preso. Eu tinha perguntado
para ele: “Se você for preso, quem é a pessoa que posso considerar seu
mensageiro?”. Ele disse: “O Altair procura vocês.
Qualquer outra pessoa não
atenda”. Passou um mês, veio o Altair.
Meu Deus, como vou dar esse dinheiro para o cara que está preso? Aí o Altair
disse que a família do Eduardo precisava e que ele estaria solto logo, logo. E
que o dinheiro duraria até março deste ano. Fui pagando, em dinheiro vivo, ao
longo de 2016. E eu sabia que, quando ele não saísse da cadeia, ia mandar
recados.
ÉPOCA – E o Lúcio Funaro?
Joesley – Foi parecido.
Perguntei para ele quem seria o mensageiro se ele fosse preso. Ele disse que
seria um irmão dele, o Dante. Depois virou a irmã. Fomos pagando mesada. O
Eduardo sempre dizia: “Joesley, estamos juntos, estamos juntos. Não te delato
nunca. Eu confio em você. Sei que nunca vai me deixar na mão, vai cuidar da
minha família”. Lúcio era a mesma coisa: “Confio em você, eu posso ir preso
porque eu sei que você não vai deixar minha família mal. Não te delato”.
ÉPOCA – E eles cumpriram o
acerto, não?
Joesley – Sim. Sempre me
mandando recados: “Você está cumprindo tudo direitinho. Não vão te delatar.
Podem delatar todo mundo menos você”. Mas não era sustentável. Não tinha fim. E
toda hora o mensageiro do presidente me procurando para garantir que eu estava
mantendo esse sistema.
ÉPOCA – Quem era o
mensageiro?
Joesley – Geddel. De 15 em 15
dias era uma agonia terrível. Sempre querendo saber se estava tudo certo, se ia
ter delação, se eu estava cuidando dos dois. O presidente estava preocupado.
Quem estava incumbido de manter Eduardo e Lúcio calmos era eu.
ÉPOCA – O ministro Geddel
falava em nome do presidente Temer?
Joesley – Sem dúvida. Depois
que o Eduardo foi preso, mantive a interlocução desses assuntos via Geddel. O
presidente sabia de tudo. Eu informava o presidente por meio do Geddel. E ele
sabia que eu estava pagando o Lúcio e o Eduardo. Quando o Geddel caiu, deixei
de ter interlocução com o Planalto por um tempo. Até por precaução./ ÉPOCA
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