"Será que não se importavam (a Samarco) com quem morava rio abaixo, já que eram da classe trabalhadora?"
Ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva visita nos próximos quatro dias as regiões de Minas Gerais que
inspiraram os programas sociais de seus governos. A caravana chega nesta
quarta-feira (25) no Vale do Jequitinhonha e Norte de Minas, onde fica até
sábado (28). Terá encontros com movimentos sociais e lideranças em Itaobim,
Itinga, Araçuaí, Salinas, Montes Claros, Bocaíuva e Diamantina.
O projeto Lula pelo Brasil,
organizado pelo PT e pela Fundação Perseu Abramo, prevê percurso de 1.500
quilômetros de ônibus. No final de agosto, foi ao Nordeste. Nos dois primeiros
dias, visitou Ipatinga, no Vale do Aço, acampamento do MST em Periquito e
Governador Valadares em Teófilo Otoni, região do Vale do Rio Doce.
Ontem (24), Lula visitou
áreas do Rio Doce, região afetada pelo rompimento de duas barragens da Samarco,
controlada pela Vale, que resultaram na maior tragédia ambiental da história do
Brasil. O mar de lama que deixou 20 mortos na região, além de um rastro de lama
destrutiva, é alvo de um projeto de reconstrução da região, coordenado pelo
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
"Tenho consciência de
que a gente só pode fazer esse rio voltar a ter vida útil, na plenitude, se
houver, da parte do poder público, a consciência de que é preciso investir
dinheiro para a recuperação", disse o ex-presidente. Na região, o MST
possui quatro viveiros, em parceria com o governo de Minas Gerais, sob comando
de Fernando Pimentel (PT), que abrigam mais de 150 mil mudas de plantas nativas
da região.
A importância das políticas
públicas voltadas para a recuperação do ambiente degradado também possui um
aspecto econômico e social. "A chuva, Deus vai se encarregar de trazer, as
nascentes vão se recuperar. Mas é preciso saber que tinha muita gente que vivia
profissionalmente por conta deste rio", disse Lula sobre populações ribeirinhas
e povos indígenas da região que dependiam de atividades como a pesca para
sobreviver.
Lula destacou a questão da
responsabilidade da Samarco e de sua controladora Vale no desastre. "Até
agora a empresa não deu explicações convincentes sobre o que aconteceu. Será
que não faziam a verificação, inspeção e investigação? Será que não se importavam
com quem morava rio abaixo, já que eram membros da classe trabalhadora? (...)
Essas pessoas tiveram prejuízos, e o Estado precisa garantir a sobrevivência
delas", disse.
Educação
Já em Teófilo Otoni, o
destino final de Lula neste segundo dia de caravana, o ex-presidente visitou a
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri, um dos 16 campi
construídos em Minas Gerais durante os governos petistas. "No dia 8 de
setembro de 2005 publicamos a lei que transformou as Faculdades Integradas de Diamantina
em Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha", disse.
Lula criticou fortemente a
Emenda Constitucional 95, de autoria do governo de Michel Temer (PMDB), que
congelou os investimentos em áreas estratégicas, como Educação, por 20 anos.
"Nenhum governo, em nenhum lugar do mundo, que coloca a educação como
gastos fará investimentos. Você pode evitar gastar dinheiro em televisão, em
ponte, mas se você evita investir na Educação, o preço para o país e o preço
que você vai pagar diante da história é algo de uma grandeza
extraordinária", disse.
Lula esteve ao lado do
prefeito da cidade, Daniel Sucupira (PT), do reitor Gilciano Saraiva Nogueira,
além de pessoas que ajudaram na construção da universidade e de estudantes, lá
formados, que deixaram palavras de gratidão ao ex-presidente. "Essa é uma
oportunidade para dizermos, olhando nos seus olhos, muito obrigado por tudo que
você fez pela Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha", disse o
reitor.
"Faço matemática aqui,
estou no quarto período. Essa faculdade é uma oportunidade de ter conhecimento.
Para mim essa universidade é oportunidade, uma porta aberta", disse a
estudante Thais dos Santos Ribeiro.
Para Lula, "a educação
deve ser o maior empenho de um governo com seu povo, é o maior bem que uma mãe
ou um pai querem que seus filhos tenham acesso". O ex-presidente lamentou
que a área nunca foi prioridade no país. "Lamentavelmente nunca pensaram
na educação para as pessoas mais humildes, ela sempre foi tratada como artigo
de luxo. De um lado, tínhamos as universidades públicas aonde as pessoas mais
pobres não conseguiam disputar uma vaga com filhos dos mais ricos que estudavam
nas escolas mais caras do país. Do outro, as particulares impediam pelos preços
das mensalidades", disse.
"Sou do tempo em que
pais batiam nas filhas para não irem para a escola para não aprenderem a
escrever e não mandar cartas para seus namorados. Não falo do século 18, sim da
década de 1960 no século 20. Essa é a mentalidade (...) Fico com bronca quando
fico sabendo que a USP foi criada pela elite paulista para impedir que o
governo do Getúlio pudesse fazer universidades em São Paulo. É o pensamento
esquizofrênico de uma elite que não queria que o país se metesse no estado
deles. E a elite dizia que não queria que pobre estudasse. Não tem sentido, uma
pátria não fica grande assim", completou.
Crítica direta
Além de criticar a Emenda 95,
Lula atacou diretamente Temer. "Veja que absurdo: a transposição do São
Francisco, para atender 12 milhões de pessoas vai custar R$ 9 bilhões. O Temer,
para evitar a cassação dele na Câmara gastou R$ 14 bilhões e agora está
gastando mais R$ 12 bilhões. São R$ 26 bilhões para manter no governo uma
pessoa que não foi eleita, que deu um golpe e é a figura mais rejeitada da
história desse país."
"Será que as pessoas
acham que a manutenção do Temer é investimento? Alguns setores do mercado sim.
Ele está entregando a Petrobras, o BNDES, Banco do Brasil, Caixa. Quer vender a
Amazônia. Ou seja, é a entrega total. Nosso golpista está entregando o Brasil
quase de graça", completou.
Perseguição
Durante ato político, Lula
lembrou que foi atacado, com pedras jogadas de um viaduto contra o seu carro,
por pessoas a mando de um deputado de extrema-direita, em 1989. “Aquilo marcou
muito a minha vida. No mesmo ano, fui visitar o túmulo de Padre Cícero, em
Juazeiro. Lá encontrei umas senhoras vestidas de negro me chamando de
comunista. Fiquei ligando uma coisa e outra e me perguntando porque, às vezes,
as pessoas mais humildes demoram a entender as coisas que você pretende fazer”,
relatou.
“A minha surpresa foi que,
depois de ser apedrejado na saída do aeroporto, fizemos um comício que tinha
uma multidão de gente. Uma demonstração de que eram uma minoria estimulada por
um adversário", completou.
O ex-presidente observou que
ao chegar em Minas Gerais, pequenos grupos de opositores tentavam se
manifestar. “Agora mesmo, quando cheguei aqui, tinha um pessoal com bandeira
amarela. Certamente são pessoas que estão preocupadas, porque os tucanos
tomaram um tiro de garrucha e caíram todos eles”, ironizou, comparando com o
“bombardeio” que sofre da imprensa desde 2005, e sobretudo nos últimos dois
anos.
“Tenho mais de 65 capas de
revista contra mim. Tenho mais de 25 horas de Jornal Nacioal, fora os outros,
mais a Folha, o Estadão e o Globo escrevendo contra mim todo dia. Eles já
futucaram a minha vida, invadiram a minha casa, levantaram o colchão da minha
cama, já invadiram a casa dos meus filhos, e até agora nada”, disse. “Veja que
coisa: eles já encontraram dinheiro na casa de todo mundo, e já foram na minha
casa. Porque eles não vão à TV pedir desculpas ao povo brasileiro por ter
mentido ao meu respeito?”
Lula voltou a mencionar
depoimento dado ao juiz Sergio Moro, em que afirma que a força tarefa da Lava
Jato está em dificuldades. “Eu já provei a minha inocência, e vocês não vão ter
coragem de dizer que sou inocente”, lembrou. “Não quero morrer e não vou me
contentar enquanto essa gente não pedir desculpas para mim. A gente não é
melhor do que ninguém, e não quer deixar de ser investigado. Mas a gente quer
ser tratada com respeito.”
Colaboraram Cláudia Motta, em
Minas Gerais, Gabriel Valery e Tiago Pereira (da Redação)
Lula no norte de Minas:
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