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sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

A música brasileira de luto: Elza Soares morre aos 91 anos


Elza Soares morreu aos 91 anos nesta quinta-feira (20), no Rio de Janeiro. "É com muita tristeza e pesar que informamos o falecimento da cantora e compositora Elza Soares, aos 91 anos, às 15 horas e 45 minutos em sua casa, no Rio de Janeiro, por causas naturais", diz o comunicado enviado pela assessoria da cantora. 

"Ícone da música brasileira, considerada uma das maiores artistas do mundo, a cantora eleita como a Voz do Milênio teve uma vida apoteótica, intensa, que emocionou o mundo com sua voz, sua força e sua determinação." 

"A amada e eterna Elza descansou, mas estará para sempre na história da música e em nossos corações e dos milhares fãs por todo mundo. Feita a vontade de Elza Soares, ela cantou até o fim." 

O corpo da cantora será sepultado no Jardim da Saudade Sulacap, na tarde de sexta-feira (21), depois do velório no Theatro Municipal do Rio. 

Pedro Loureiro, empresário de Elza, disse ao g1 que a cantora estava bem e tinha gravado um DVD dois dias antes. Ela acordou e fez fisioterapia. Estava com a respiração ofegante, mas garantiu a todos que estava bem. Mas foi ficando mais ofegante e disse aos familiares: "Eu acho que eu vou morrer". 

A declaração acendeu o alerta: os familiares foram checar sua pressão e oxigenação, e notaram uma pequena alteração. Pedro e os familiares chamaram o médico de Elza, que enviou uma ambulância para o local por precaução, mas 40 minutos depois, Elza foi mudando o semblante, até que apagou. 

"Foi uma morte tranquila, sem traumas, sem motivo. Morreu de causas naturais. Esse, aliás, era um grande medo dela: ter uma morte sofrida, por doença. Hoje, ela simplesmente desligou", conta Pedro. 

Do sambalanço à eletrônica

Elza Gomes da Conceição é considerada uma das maiores cantoras da música brasileira. Filha de uma lavadeira e de um operário, ela foi criada na favela de Água Santa, subúrbio de Engenho de Dentro. Elza cantava, desde criança, com a voz rouca e o ritmo sincopado dos sambistas de morro. 

Casou-se obrigada aos 12 anos, virou mãe aos 13 e viúva aos 21. Foi lavadeira e operária numa fábrica de sabão. Por volta dos 20 anos fez seu primeiro teste como cantora, na academia do professor Joaquim Negli. Foi contratada para a Orquestra de Bailes Garan e seguiu no Teatro João Caetano. 

Ela começou a se destacar na música como parte da cena do sambalanço com "Se Acaso Você Chegasse", em 1959. 

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Nos 34 discos lançados, ela se aproximou do samba, do jazz, da música eletrônica, do hip hop, do funk e dizia que a mistura era proposital. O último disco lançado foi "Planeta Fome", em 2019. 

A expressão era uma alusão ao episódio em que foi constrangida por Ary Barroso no programa de calouros que participou nos anos 50. "De que planeta você vem, menina?", ele disse. E ela respondeu: "Do mesmo planeta que você, seu Ary. Eu venho do Planeta Fome." 

Retrato de Elza Soares durante entrevista na capital paulista em março de 1986 — Foto: Nem de Tal/Estadão Conteúdo/Arquivo

"Eu sempre quis fazer coisa diferente, não suporto rótulo, não sou refrigerante", comparava Elza. "Eu acompanho o tempo, eu não estou quadrada, não tem essa de ficar paradinha aqui não. O negócio é caminhar. Eu caminho sempre junto com o tempo." 

Desde que lançou o álbum "A mulher do fim do mundo", em 2015, a cantora viveu mais uma fase de renascimento artístico. “Me deixem cantar até o fim”, pediu Elza em verso da música que batiza o álbum. 

Começo no samba 

Mais voltada para o samba, a primeira fase da cantora tem discos gravados nos anos 60 com o cantor Miltinho (1928–2014) e o baterista Wilson das Neves (1936–2017). 

Fazem parte desta era lançamentos como "O samba é Elza Soares" (1961), "Sambossa" (1963), "Na roda do samba" (1964) e "Um show de Elza" (1965). 

Mané Garrincha e Elza Soares no aeroporto do Aeroporto do Galeão — Foto: ARQUIVO/ESTADÃO CONTEÚDO

Outras fases vieram. Nos anos 70, escolheu cantar o samba de ritmo mais tradicional. A fase rendeu sucessos como "Salve a Mocidade" (Luiz Reis, 1974), "Bom dia, Portela" (David Correa e Bebeto Di São João, 1974), "Pranto livre" (Dida e Everaldo da Viola, 1974) e "Malandro" (Jorge Aragão e Jotabê, 1976). 

A cantora amargou período de ostracismo na década de 1980. Em 1983, sofreu com a morte do jogador Garrincha, com quem teve um relacionamento por 17 anos. 

Eles começaram a se relacionar enquanto Garrincha era casado, o que rendeu uma forte crítica pela sociedade e pela imprensa da época. Anos depois, os dois se casaram e a relação foi conturbada, marcada por episódios de violência doméstica. 

Empoderada, Elza se tornou uma das maiores referências no combate à violência contra mulher ao cantar "Maria da Vila Matilde", no álbum "Mulher do Fim do Ano", de 2015. 

A vida não foi fácil com a cantora que carregava lata d'água na cabeça desde a infância. Ela perdeu quatro filhos: dois foram os primeiros filhos de Elza em gestações que aconteceram quando ainda era criança. Eles morreram recém-nascidos. 

Garrinchinha, único filho que a cantora teve com o jogador, morreu aos 9 anos em um acidente de carro em 1986, e Gilson faleceu aos 59 anos, em 2015, por complicações de uma infecção urinária. 

Devido a fase de menos sucesso nos anos 80, ela pensou até em desistir da carreira, mas resolveu procurar Caetano Veloso, em hotel de São Paulo, para pedir ajuda. 

O auxílio veio na forma de convite para participar da gravação do samba-rap "Língua", faixa do álbum do cantor, "Velô" (1984). 

Essa participação mostrou a bossa negra de Elza Soares a uma nova geração e abriu caminho para que a cantora lançasse, em 1985, um álbum menos voltado para o samba. "Somos todos iguais" tinha música de Cazuza (1958–1990). 

Em 2002, com direção artística de José Miguel Wisnik, fez um dos álbuns mais modernos da discografia, "Do cóccix até o pescoço". No ano seguinte, foi a vez de "Vivo feliz", mais voltado para a eletrônica. 

Elza seguia fazendo shows até antes da pandemia da Covid-19 e cantou em lives. Ela estava produzindo um novo álbum de estúdio que pode ter lançamento póstumo.

VÍDEOS: ELZA SOARES

 

Nesta semana, ela também se apresentou em shows no Theatro Municipal de São Paulo que foram gravados para o lançamento de um DVD./G1

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