Ninguém viveu minha vida, ninguém chorou minhas lágrimas. Então não me julgue: Dra. Rejjane Lacerda deixa seus trabalhos como Médica do Hospital Dr. Paulo Souto de Jucuruçu

"Carta aos meus irmãos de Jucuruçu" 

Recebi em meu consultório, das mãos do novo Secretário, o documento de rescisão de meu contrato alegando que ele agora - sobre a permissão da gestão - estava autorizado a fazer as novas mudanças. Minha retirada fazia parte delas. 

Eu gostaria de compartilhar com vocês um pouco de minha história construída nesse lugar a partir do dia em que entrei aqui como profissional médica do hospital. 

Sofri muitos ataques covardes, mentirosos, odiosos e injustos. Pois, nada tinha eu feito para receber, mas se tratava de um contexto político. 

Fui vítima e isso quase me enlouqueceu naquele momento, porém, Deus (por muitas formas) me ajudou e me guardou. Sobrevivi. Tive a oportunidade de viver momentos memoráveis no hospital. 

Foram pacientes que se tornaram amigos. Foram milagres concedidos. Chorei… sorrir… desesperei… sofri e vivi junto todas as histórias com meus pacientes. 

Foi muito enriquecedor para minha vida pessoal, espiritual e profissional. Passei a amar verdadeiramente o povo desse lugar. 

Me sinto parte de cada família. Amo muito e sei que também fui amada! Acontece que a 1 ano atrás sofremos uma terrível tragédia com a enchente. 

E me perguntei a Deus porque permitiu que isso também tivesse acontecido comigo. Percebi que eu também precisava entender que as dores desse povo passaram a ser as minhas também. E não tinha bem material maior para eu lamentar do que a vida daqueles que estavam precisando naquele momento. 

E escrevendo agora para vocês me vem à cena de quando a água começou a subir eu, junto das minhas filhas, no carro com água já quase cobrindo os pneus, meu esposo tentando tirar qualquer coisa na casa, um grupo veio me pedindo socorro porque tinha alguém passando mal. 

E eu ali deixo minhas filhas para trás, sem avisar meu esposo, e saio para fazer aquilo que se tornou ainda mais vital em minha vida: socorrer aos que precisam! 

Assim vivemos juntos toda essa tragédia. Não vivi a minha, mas vivi a de cada um de vocês que precisou de mim. 

Deus me presenteou com essa profissão. Hoje encerramos esse ciclo muito lindo, sincero, e especial entre uma médica apaixonada por sua arte e um povo acolhedor, amoroso e especial para mim e para minha família! 

Obrigada meu povo de Jucuruçu. Nunca fui tão feliz com minha profissão como fui aqui! Contem sempre comigo. Estarei apenas à distância de uma ligação. 

Ass.: Dra. Rejjane Lacerda

12/12/2022.