Em seu discurso de vitória, na noite deste domingo, a presidente reeleita Dilma Rousseff defendeu a reforma política, o "rigor" contra a corrupção e fez um chamamento ao diálogo "com todos os setores" - ao mesmo tempo em que pediu "união" e refutou o argumento de que a eleição dividiu o país.
"Não acredito sinceramente que essas eleições tenham dividido o país ao meio. Entendo que elas mobilizaram ideias e emoções às vezes contraditórias, mas movidas por um sentimento comum: a busca por um futuro melhor", afirmou a presidente. "Em lugar de ampliar divergências e criar um fosso, tenho forte esperança de que essa energia mobilizadora tenha preparado terreno para a construção de pontes."
Aplaudida por correligionários em Brasília, Dilma começou seu discurso agradecendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ("militante número um das causas do povo"), seu vice, Michel Temer, e cada um dos líderes dos partidos de sua base aliada, nominalmente. Depois, agradeceu "cada um e cada uma dessa militância combativa, que foi a alma dessa vitória".
Só então Dilma conclamou "sem exceção a todas as brasileiras e brasileiros a nos unirmos em favor da nossa pátria".
"O calor da disputa deve agora ser transformado em energia construtiva de um novo momento no Brasil. (...) Algumas vezes na história, resultados apertados produziram resultados mais rápidos do que vitórias amplas. Essa é minha esperança, ou melhor, minha certeza de que o choque de debates pode produzir espaços de consenso. Minhas primeiras palavras são de chamamento à paz e à união."
Pouco antes, seu adversário Aécio Neves (PSDB) fez um discurso rápido em Belo Horizonte, reconhecendo a derrota, agradecendo "todos os brasileiros" e destacando "os mais de 50 milhões (de eleitores) que apontaram o caminho da mudança".
Ele disse que telefonou para Dilma para cumprimentá-la e para dizer que "a maior das prioridades deve ser unir o Brasil em torno de um projeto honrado".
Polarização
Ante o caráter disputado da eleição, vencida por 51,64% de votos para Dilma e 48,36% para Aécio, a presidente reeleita disse que seu "primeiro compromisso é o diálogo" e que ouviu o chamado das urnas por mudança.
"(Na campanha) a palavra mais repetida foi mudança e o termo mais invocado foi reforma. Sei que estou sendo reconduzida para fazer as grandes mudanças que a sociedade brasileira precisa."
Ela prometeu levar adiante um plebiscito para uma consulta popular pela reforma política - um dos principais clamores dos protestos populares do ano passado -, destacando que o tema vai requerer tramitação no Congresso, o qual terá um caráter extremamente fragmentado na nova legislatura.
Apesar disso, Dilma disse ter "convicção de que haverá interesse de todas as forças ativas na sociedade para abrir a discussão" sobre o tema.
Analistas consultados pela BBC Brasil apontam a polarização popular (inclusive entre os que apoiaram a presidente) e a divisão do Congresso como alguns dos principais desafios para o novo governo.
"Temos uma classe C completamente dividida entre as novas demandas que não viram atendidas (pelo governo atual) e o medo de perder o que foi conquistado", avalia à BBC Brasil Renato Meirelles, presidente do instituto de pesquisas Data Popular. "E essa classe quer um país mais unido, por cansaço de uma troca de acusações que não melhora sua vida nem debate os problemas de seu cotidiano."
Maria Teresa Kerbauy, professora do Departamento de Ciência Política da Unesp, opina que Dilma não tinha alternativa senão conclamar a união, mas enfrentará duros obstáculos na tentativa de levar adiante a reforma política (que fracassou no ano passado, mesmo em meio ao calor dos protestos).
"A reforma é algo sobre que sempre se fala, mas nunca há consenso, em especial em um Congresso de composição fragmentada", avalia. "Mas a presidente pode ter um papel importante em buscar algum consenso."
Além disso, ela pode sair enfraquecida diante de parcela de seu partido por ter ganho a eleição com percentual menor do que em 2010.
Para Fábio Wanderley Reis, cientista político da UFMG, o lado positivo da polarização é que ela pode reavivar a discussão sobre uma simplificação do sistema partidário brasileiro.
"Há uma tensão (popular) no ar maior que outras circunstâncias, envolve até manifestações violentas, talvez. Mas isso pode (produzir), em vez da (atual) dispersão de partidos nanicos, a possibilidade de criar-se um eixo partidário mais forte do que a inconveniência dessa fragmentação partidária."
Corrupção
Em seu discurso, Dilma citou também "a importância das demais reformas, que temos também a obrigação de promover, e um compromisso rigoroso com o combate a corrupção, fortalecendo as instituições de controle e propondo mudanças na legislação atual para acabar com a impunidade".
A presidente prometeu "com urgência" realizar "ações localizadas" na economia, "para retomarmos ritmo de crescimento, continuarmos com níveis altos de emprego e assegurando valorização dos salários, e darmos mais impulso à atividade econômica". Ela destacou o setor industrial, que vive momento de desaceleração.
"Seguirei combatendo com rigor a inflação e avançando no terreno da responsabilidade fiscal. Vou estimular o mais rápido possível o diálogo e a parceria com todas as forças produtivas antes mesmo do início do meu próximo governo."
A fala é um aceno ao empresariado, que criticou a falta de interlocução com o governo no primeiro mandato e as manobras fiscais feitas pelo governo para fechar suas contas. A inflação também é um calcanhar de Aquiles da presidente, por estar no teto da meta.
Dilma finalizou o discurso dizendo que se sente "muito mais forte, mais serena e madura para a tarefa que vocês me delegaram".
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