Crítico do modelo de gestão pública no Brasil, especialmente na Bahia, Erivaldo Oliveira é o entrevistado da semana no Bahia Notícias. Oliveira é formado em Administração e Economia e leciona em algumas faculdades na capital baiana. Especialista em políticas públicas e gestão governamental, criou a consultoria Gestão Modelo para também capacitar o quadro de funcionários do serviço público.
Entre os desafios do trabalho está a mentalidade de políticos em priorizar empatia ao invés da capacidade técnica de quem é escolhido para ocupar cargos de gestão. E quando se trata de capacitar a equipe montada, Oliveira diz que “esse é o grande entrave que tem hoje na Bahia, porque os prefeitos se preocupam menos com capacitação, quando deveria ser a causa número um”.
Segundo o consultor, partidos e militantes resistem em fazer cursos. “Eles querem entender de política, querem entender de negociação, de quanto cada partido recebe de fundo partidário, mas não querem entender de gerir”, analisou. Na tentativa de modificar essa realidade, a Gestão Modelo realizará em março o Seminário de Desenvolvimento Municipal, com apoio da União dos Municípios da Bahia (UPB), da Escola do Legislativo e da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia (Alba).
O senhor disse que é formado em Administração e Economia. A Bahia tem mais de 400 municípios com características diferentes, inclusive, na gestão política. Que análise o senhor faz dos gestores desses municípios?
Costumo dizer que o grande problema do Brasil não é a falta de recursos, é falta de gestão. Nós não temos ainda grandes gestores preparados para assumir grandes cargos públicos. Então, a gente precisa cada vez mais capacitar. A gente pegar o escopo dos gestores públicos no Brasil, eles não têm, às vezes, o devido preparo para estar ocupando determinadas posições. Nós precisamos capacitar cada vez mais. Por isso que eu acredito muito na consultoria, pra trazer dinheiro, levar projetos, e na consultoria também pra capacitar, porque nós precisamos qualificar a mão de obra. A mão de obra na gestão pública está muito desqualificada. Fica ao sabor da indicação de partidos políticos e às vezes o partido político indica e manda aquele que militou mais, mas não tem o devido preparo para assumir as posições.
Enquanto consultor, como o senhor lida com os interesses políticos na hora de falar ‘Não é assim que se gere uma máquina pública’?
É muito problemático. Eu costumo brincar que o político se acha muito parecido com Deus, ele pensa que sabe de tudo. E a gente precisa dizer “Prefeito, não é assim”, “Secretário, não é desta forma”. A gente tem que saber colocar para eles, falar para capacitar a equipe, porque às vezes a gente faz um curso para o secretário e para os funcionários e só vão os funcionários. O secretário acha que não precisa ir, quando ele mais precisa. Na administração tem uma coisa que é crucial: você não pode estar na mão do seu funcionário. Você tem que saber gerir o trabalho.
O nome Gestão Modelo vem daí, porque a gente quer uma gestão modelo pra educação, uma gestão modelo pra saúde, uma gestão modelo pra mobilidade, pro embelezamento das cidades – as nossas cidades da Bahia realmente são muito feias. Você vai às cidades do Sul do país, as cidades são lindas e maravilhosas.
Você vai às cidades do Nordeste, os prefeitos não se preocupam em fazer um embelezamento da cidade. Eu não faço cidade para o turista ver. Eu faço cidade para o munícipe. Quem desfruta primeiro da cidade é o munícipe. A gente precisa levar essa nova mentalidade, que o grande problema do Brasil hoje é gestão. Os partidos políticos no Brasil trabalham muito com a política, mas esqueceram de fazer gestores. Eu não tenho nos partidos políticos hoje grandes gestores. Ou eu busco da iniciativa privada ou eu fico à mercê de um político que eu indico e não entende da máquina.
O senhor fala que um dos grandes problemas é a gestão e que melhorando a gestão há melhor utilização dos recursos públicos de uma maneira geral. Isso também evita desperdício de recursos públicos, que hoje é uma das críticas mais graves que a população faz aos gestores?
Esse é o grande problema, o desperdício. Quando você adota o orçamento, cada gasto público tem que ter um programa – como o Bolsa Família, Educar para Vencer, Viver Melhor, Minha Casa Minha Vida. E quando você tem um bom gestor nesse programa, ele vai otimizar os recursos. Se eu boto as pessoas despreparadas e essas pessoas não gerem corretamente os recursos, o desperdício é grande. O programa só pode dar continuidade se ele estiver atendendo às demandas da sociedade. Quando não tem gestor competente, você cai no desperdício de recursos públicos. E muitas vezes ele não sabe nem onde buscar os recursos: onde tem? Em qual ministério eu posso buscar? E isso é uma cadeia grande…
Conhecer o caminho das pedras facilita?
E muito. Facilita bastante, por isso nós estamos fazendo esse seminário [de Desenvolvimento Municipal], para mostrar aos prefeitos. A gente não quer que o prefeito fique na mão da consultoria, tanto que um dos nossos grandes focos é a capacitação. A gente quer que o prefeito caminhe com pernas próprias. A gente só quer mostrar a eles onde está o dinheiro e capacitá-los para eles irem buscar. Esse é o grande entrave que tem hoje na Bahia, porque os prefeitos se preocupam menos com capacitação, quando deveria ser a causa número um. Dilma lançou agora o lema ‘Brasil, Pátria Educadora’, mas eu não tenho capacitação de professores. Os professores não são capacitados, os professores não têm cursos rotineiramente. Como é que eu vou cobrar melhoria do IDEB, se eu não capacitei o professor? Não é só remuneração, mas é capacitação. Até pra ele estar preparado para ensinar também na iniciativa privada.
Uma reclamação bem recorrente dos prefeitos, principalmente, é a dificuldade em elaborar projetos. A partir dos projetos se consegue a execução fiscal. E os gestores dos grandes municípios acabam investindo um pouco mais na elaboração de projetos porque têm mais recursos. O senhor também atua nessa área de consultoria para elaboração de projetos?
Nós elaboramos projetos. Agora, como nós elaboramos: primeiro, eu dou um curso de formação aos funcionários, porque eu não posso elaborar um projeto 100% distante do sertão. É ele que está vivendo a realidade. Então eu ensino como faz o diagnóstico, como busca a demanda efetiva. Não posso fazer um projeto pra atender só mil famílias, duas mil pessoas. Eu tenho que fazer um projeto grandioso, para atender uma grande demanda.
É interessante fazer projetos, é. Mas às vezes se paga uma fortuna pra elaboração de projetos e não tem a capacitação. Quando se precisa de outro projeto, tem que contratar consultoria de novo. Então é melhor capacitar a equipe. E sempre ensinando, porque essa é a vocação da Gestão Modelo:
ensinar a fazer, o caminho das pedras. É dizer “Faça dessa forma, que você vai buscar”. E para isso a gente só faz as correções. Eu não quero cobrar R$ 1 milhão, R$ 800 mil ou R$ 500 mil de prefeitura. A gente quer apenas que eles busquem o recurso e que a gente faça captação, que eles só precisem da consultoria para atender coisas pontuais.
O senhor falou que no Sul as cidades são mais bonitas, os gestores se preocupam mais. Qual a diferença de mentalidade na hora de gerir o município no Nordeste e no Sul?
É muito diferente. Por exemplo, no Rio Grande do Sul, eu atuei muito tempo na Fundação Ulisses Guimarães, que é do PMDB, e nós dávamos curso de capacitação no Brasil inteiro. No Rio Grande do Sul, o prefeito só podia se candidatar pelo partido, na época, se ele tivesse pelo menos três cursos da fundação: Gestão Pública, especialista em Políticas Públicas e Ciência Política. Aqui no Nordeste, nós tentamos fazer isso com a Fundação Ulisses Guimarães. A adesão dos políticos foi pequena. Político não gosta de sentar na sala de aula, não gosta de estudar.
A gente teve dificuldades no Nordeste, a gente tem dificuldades com os partidos. Todo partido tem uma fundação por trás dele, é obrigado, e essa fundação é para fazer essa capacitação dos militantes. O PT fez isso muito bem, mas o PT fez apenas na questão política. Esqueceu da gestão. Não vai nenhuma crítica à gestão do PT, mas os grandes gestores que estão nos ministérios, que estão no governo do estado, não são do partido. Eles são de outros partidos ou da iniciativa privada, porque os militantes sabem fazer política e esqueceram da gestão.
Eu digo que o PT às vezes entra em crise existencial, porque não sabe se quer gerir o capital ou se quer fazer só política. A gente tem que saber gerir o capital, porque a gente vive no capitalismo. A não ser que seu projeto seja uma revolução, aí é outra história. Mas se o projeto é gerir o capital, eu tenho que fazer bons gestores. E o Sul se preocupa com isso. Lá em São Paulo você tem a Escola de Governo, que é dirigida por um dos maiores homens que entendem de administração pública no país, que é Fábio Conder Comparato. Em Minas Gerais tem a Fundação Dom Cabral. E a Bahia?
E o que pode ser feito para essa cultura começar a se fortalecer aqui?
Eu louvo o nosso amigo Ricardo Luzbel, que teve a grande iniciativa de fazer o Bahia Notícias Municípios. Foi aí que eu vi e chamei ele para essa parceria, pra gente começar a levar para os prefeitos. Que a UPB não seja um campo de batalha apenas para eleição, que a UPB funcione como uma agência de desenvolvimento, levando para os municípios capacitação, projetos. Dizendo assim: “Olha, prefeito, nós agora temos aqui uma estrutura técnica por trás, porque nós temos um corpo multidisciplinar de professores que podem dar orientação sobre urbanismo,
pessoas de grande gabarito”. A Assembleia comprou também o projeto, porque é projeto é para trazer os prefeitos também para dentro da assembleia. Às vezes o prefeito chega procura o deputado e ele também não sabe onde é que tem o dinheiro, porque não leu. Se elegeu, mas não tem a capacidade técnica de dizer “Tem dinheiro ali, ali e ali”. Eu trabalhei na AL-BA durante oito anos e eu ficava como louco, porque todo deputado dizia “Chama Erivaldo”, porque eu mostrava a eles, dizia “Olha,
deputado, tem dinheiro aqui. Manda o prefeito lá para o Ministério das Cidades, porque aqui não tem dinheiro para aterro sanitário”. Por exemplo, o orçamento do estado da Bahia não tem um real pra aterro sanitário. E se fala tanto em ecologia, preservação e desenvolvimento sustentável. Só tem em Brasília, no Ministério das Cidades. Então, a gente precisa saber disso, é preciso o gestor saber disso. A gente precisa formar mão de obra para gestão pública.
O Brasil tem uma quantidade de gestores públicos imensa. Por exemplo, se pega os Estados Unidos da América, Obama tem cinco mil cargos de confiança. Só a Bahia tem 11 mil. Rui Costa agora vai cortar 2,8 mil. Mesmo assim ainda é mais do que o maior país do mundo, que tem menos cargo de confiança do que um estado da nossa federação.
O que é fundamental para gerir uma máquina pública?
Eu brinco que os homens públicos bons saíram da política. As pessoas que entendem, que são realmente gestores, estão saindo da política. Sempre cito isso. Houve um político na Bahia que formou uma turma de pós-graduação de gestão pública aqui em Salvador. Ele capacitou a equipe, só trabalhava com técnico. O político era ele.
A gente precisa sensibilizar o prefeito, o governador, que você saber demais não vai tomar o lugar dele, porque nada substitui o carisma. Eu posso ser um excelente técnico, mas um péssimo político. A gente precisa de técnicos e o governo tem que garimpar esses técnicos. Partido político, sim, mas os partidos políticos não querem formar. Busca na iniciativa privada. Onde Rui Costa foi buscar
o secretário de Saúde? Onde foi buscar o secretário da Indústria e Comércio? Na iniciativa privada, porque os partidos não têm o quadro formado. Precisamos formar quadros para realmente atuar na área pública. Essa é a grande dificuldade, a resistência – tanto do partido quanto dos próprios militantes em fazer cursos. Eles querem entender de política, querem entender da negociação, de quanto cada partido recebe de fundo partidário, mas não querem entender de gerir.
E como modifica essa mentalidade?
Simples: não votei nele, nunca votei em ACM Neto. Mas observe uma coisa. Com exceção de José Carlos Aleluia e Paulo Souto agora, me cite um político na gestão de ACM Neto. Não tem. Só tem técnico. Pessoas até desconhecidas. E eu soube por amigos que ele proíbe até de atender político, porque o político quer dar e o técnico tem que racionalizar o recurso. Não casa. O político quer dar pra receber grandes vitórias. A gente viu isso em gestões passadas. Há partidos que cresceram em cima da máquina, enquanto a pasta não saiu do lugar.
por Fernando Duarte / Estela Marques | Fotos: Luana Ribeiro
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