A conclusão do Inquérito dos
Portos, entregue na terça-feira (16) ao Supremo Tribunal Federal (STF), traz
detalhes de um esquema de corrupção liderado, segundo a PF, pelo presidente
Michel Temer (MDB) há mais de 20 anos, desde a época em que era deputado federal
por São Paulo.
A PF indiciou o presidente e
outras dez pessoas, entre as quais a filha dele, Maristela Temer, e o coronel
João Baptista Lima Filho, amigo do presidente. A Polícia Federal pediu o
bloqueio de bens de todos os suspeitos e a prisão de quatro deles. (Veja lista
de nomes ao final da reportagem)
Relatório de 800 páginas
reúne depoimentos de 50 testemunhas e investigações das operações Patmos
(deflagrada em maio de 2017 para coletar indícios de supostos repasses ilegais
da J&F) e Skala (que prendeu amigos do presidente).
Documento aponta que Temer
criou 2 dias após assumir a Presidência, em 2016, um grupo de trabalho para
tratar das demandas do setor portuário.
Há indícios de que Temer
participe do grupo criminoso desde sua criação, na década de 90, quando houve
os primeiros pagamentos de propinas. Elas seguiram até 2014. Principais valores
com indícios de irregularidades foram recebidos pelo coronel Lima, amigo de
Temer, e suas empresas.
Foram identificados repasses
de R$ 5,9 milhões para Temer entre 2000 e 2014 e outros R$ 17 milhões em
propina para o MDB Temer e o ex-assessor Rocha Loures, que está preso, são
apontados como núcleo político e administrativo da organização. Ambos foram
indiciados por organização criminosa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Outras 9 pessoas também foram indiciadas.
Temer não se pronunciou até o
meio-dia desta quarta (17). Na terça, sua defesa disse que não teve acesso ao
relatório. Ele sempre negou. STF enviou documento para a Procuradoria Geral da
República (PGR), que decide se denuncia Temer. Caso haja a denúncia, a Câmara
dos Deputados terá de autorizar o prosseguimento do processo.
A defesa de Temer informou
que o presidente 'não praticou qualquer dos delitos que lhe foram atribuídos'.
(Veja mais ao final da reportagem)
Relatório
No relatório final, que tem
mais de 800 páginas, o delegado Cleyber Malta Lopes afirma que "é possível
concluir que há elementos concretos e relevantes no sentido de que a edição do
decreto buscou atender interesses de empresas portuárias ligadas aos agentes
políticos Michel Temer e Rodrigo Rocha Loures". E ainda que "o
Decreto questionado poderia permitir um novo período de influência no setor
portuário pelo investigado Michel Temer e seus aliados políticos".
O G1 procurou a assessoria de
imprensa da Presidência da República, que disse que não comenta. O Palácio do
Planalto acrescentou que a defesa do presidente é quem responde pelo assunto.
Na terça, a defesa de Temer informou que não teve acesso ao relatório da
Polícia Federal. Veja o que afirmaram os demais indiciados ao final desta
reportagem.
A PF também concluiu que há
"robustez de elementos" para confirmar que o coronel João Baptista
Lima Filho faz parte de uma "estrutura de captação de recursos financeiros
ligada ao senhor MICHEL TEMER".
O caso foi encaminhado pelo
ministro do Supremo Luís Roberto Barroso para a Procuradoria Geral da República
(PGR), que tem até 15 dias para se pronunciar por meio de parecer e decidir se
apresenta ou não denúncia à Justiça. Se a PGR denunciar Temer ao STF, a Câmara
dos Deputados terá de autorizar o prosseguimento do processo.
Investigação
A investigação foi aberta no
ano passado a pedido do ex-procurador da República Rodrigo Janot depois de
denúncias feitas por executivos do grupo J&F, donos da empresa Eldorado
Celulose, que tem negócios no setor portuário.
Na época, eles delataram
repasses de dinheiro e negociações com agentes políticos, entre eles Rodrigo
Rocha Loures, homem de confiança de Temer.
Segundo a conclusão da PF,
Loures articulou com empresas do setor portuário a edição do decreto 9048/2017,
com autorização e conhecimento do presidente Michel Temer, em troca de propina
e influência política.
Em maio de 2017, Temer
ampliou os contratos de concessões de empresas portuárias de 25 para 35 anos,
podendo ser prorrogados sucessivamente, até 70 anos.
O relatório apontou que
empresários do setor portuário procuraram Temer, quando ele ainda era
vice-presidente, em 2013. Naquela época, a então presidente Dilma Rousseff (PT)
aprovou uma mudança na lei do Portos, de 1993. No entanto, Dilma vetou 13 itens
da medida provisória proposta pela Câmara e Senado, na chamada MP dos Portos.
Segundo a investigação
concluiu, já naquela época Temer foi procurado por empresários que atuam
principalmente no Porto de Santos, porque, segundo a PF, “Temer possui
influência há mais de 20 anos nesta área”, desde quando era deputado federal
por São Paulo, no fim da década de 1980.
O relatório concluiu também
que “há indícios que o Presidente participe deste grupo criminoso, desde a sua
criação quando indicou na década de noventa, Marcelo Azeredo para presidente da
Codesp”, que administra o Porto de Santos. A PF diz que foi nesta época em que
surgiram os “primeiros pagamentos de propinas”.
A PF identificou conversas
entre executivos da empresa Rodrimar e Rocha Loures, desde 2013 até 2017,
quando o decreto foi editado. Segundo a investigação todas as conversas tiveram
“anuência de Michel Temer”.
A PF indiciou o sócio da Rodrimar,
Antonio Celso Grecco pelos crimes de organização criminosa, corrupção ativa e
lavagem de dinheiro. O diretor do grupo, Ricardo Mesquita, foi indiciado por
corrupção ativa.
O sócio do Grupo Libra, outra
empresa que também atua no Porto de Santos, Gonçalo Borges Torrealba, foi
indiciado por organização criminosa, corrupção ativa e lavagem de dinheiro. Os
três foram apontados no relatório como parte do núcleo empresarial do grupo
criminoso.
Segundo a investigação
concluiu, mais de 100 empresas portuárias se beneficiaram com a edição do
decreto.
O relatório aponta ainda que
o Decreto dos Portos foi questionado pelo Tribunal de Contas da União (TCU),
que em junho desse ano limitou a prorrogação dos contratos de terminais
portuários entre 1993 e 2017, por considerar que a o prazo de até 70 anos abria
brecha para empresas burlarem licitações.
Argeplan
A PF também descobriu o
caminho do dinheiro do grupo. Para que Temer recebesse propina de empresários,
ele usou a empresa de arquitetura Argeplan, que fica na zona Oeste de São
Paulo, e tem como sócio o Coronel João Baptista Lima Filho, amigo do Presidente
há mais de 30 anos.
A PF destaca que a
aproximação entre Lima E Temer se seu entre 1982 e 1984, quando Temer assumiu a
Secretaria de Segurança Pública De São Paulo, tendo como assessor Militar, o
Coronel Lima.
E que a partir de 1983, “o
número de contratos da Argeplan com A Polícia Militar cresceu mais de 100%”.
O relatório também destacou a
atuação direta de Lima como coordenador de campanhas eleitorais de Michel Temer
ao longo dos anos e que Lima exercia múltiplas jornadas de trabalho, na Polícia
Militar, na Argeplan de forma oculta e nas atividades partidárias de Temer.
Lima e o sócio na Argeplan,
Carlos Alberto Costa, foram apontados pela PF como parte do núcleo financeiro
do esquema.
Os dois foram indiciados por
organização criminosa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A PF também
pediu a prisão preventiva deles.
O diretor da Argeplan, Carlos
Alberto Costa Filho, também faz parte deste núcleo e foi indiciado por lavagem
de dinheiro. Almir Ferreira Martins, contador da Argeplan, foi indiciado por
lavagem de dinheiro.
Além da empresa Argeplan, a
investigação descobriu que o grupo financeiro usava inúmeras empresas “de
fachada” para receber propina ao longo dos anos e simulava prestações de
serviços apenas para receber dinheiro ilícito, sem nenhuma prestação real de
contratos.
O relatório diz que “LIMA e
COSTA agem em conjunto, encarregados de buscar soluções para dar aparência de
regularidade em tais transações, como a simulação de prestações de serviços em
contratos, confecção de recibos com falsidade ideológica, entre outros atos.
Havendo robustez de elementos que permitem afirmar que, JOÃO BAPTISTA LIMA
FILHO, sua empresa ARGEPLAN, suas outras empresas e seus sócios compõem
importante estrutura de capitação de recursos financeiros ligada ao senhor
MICHEL TEMER”.
Oficialmente o Coronel Lima
entrou na empresa de arquitetura em 2011, mas a PF aponta que ele atuava na
Argeplan muito antes disso: “Já em relação ao CORONEL LIMA, há farta
documentação juntada nos autos que indicam sua gestão na ARGEPLAN muito antes
do ingresso oficial, inclusive contrato de gaveta sobre compra de contas da
empresa datado de 1995”.
O delegado destaca também “a
falta de pudor em tratar de assuntos ilícitos”, e cita como exemplo uma reunião
de 1998, quando foi criada, pelo grupo financeiro, a empresa Eliland do Brasil
- usada como fachada da Argeplan para arrecadar propina do Porto de Santos.
Numa ata de reunião,
apreendida pela PF, há a seguinte anotação: “ O grupo só não poderá ir para a
cadeia no lugar do preposto, mas paga o advogado”. O preposto foi identificado
pela PF como o contador Almir Ferreira Martins.
Propina do Setor Portuário
O relatório também
identificou os valores de propina repassados a Temer ao longo dos anos. Entre
2000 e 2014 o delegado diz que “Há indícios robustos de que o Presidente MICHEL
TEMER tenha recebido diretamente os seguintes valores, relacionados ao setor
portuário, em cerca de R$ 5,9 milhões".
“E também, outros valores que
beneficiaram diretamente agentes políticos do MDB, em acertos diretos ou com
anuência do PRESIDENTE MICHEL TEMER, como líder político de seu partido,
originados do setor portuário ou de empresa com interesses defendidos no setor,
em totais aproximados de R$ 17 milhões, pagos via doação oficial ou 'caixa 2',
aponta o relatório final".
O relatório concluiu que,
entre 2006 e 2016, o setor portuário doou R$ 115 milhões para o MDB, partido de
Temer.
Reforma na casa de Maristela
Temer
O delegado Cleyber Malta
Lopes, também indiciou Maristela Temer, filha do Presidente Michel Temer, por
lavagem de dinheiro.
A investigação concluiu que a
reforma da casa dela, que ocorreu entre 2013 e 2015, em São Paulo, foi paga com
dinheiro de propina. A conclusão é que a obra tenha custado entre R$ 1,5 milhão
e R$ 2 milhões.
A arquiteta responsável pela
obra, mulher do Coronel Lima, Maria Rita Frate
i, também foi indiciada por
lavagem de dinheiro.
A PF diz que a quantia de R$
1 milhão veio de um pagamento de propina do grupo J&F, a pedido do
Presidente Michel Temer e que o dinheiro foi entregue por dois funcionários do
grupo, diretamente ao Coronel Lima, na sede da Argeplan, em setembro de 2014.
Segundo a investigação concluiu, o pagamento de propina foi feito no mesmo
período da reforma da filha do Presidente.
No relatório há detalhes
sobre essa entrega e também mostra que o presidente Michel Temer “acompanhou
todos os passos da obra”.
Lista de indiciados:
Michel Miguel Elias Temer
Lulia
Rodrigo Santos da Rocha
Loures
Antônio Celso Grecco
Ricardo Conrado Mesquita
Gonçalo Borges Torrealba
João Baptista Lima Filho
Maria Rita Fratezi
Carlos Alberto Costa
Carlos Alberto Costa Filho
Almir Martins Ferreira
Maristela de Toledo Temer
Lulia
Indiciados alvos de pedido de
prisão preventiva
João Baptista Lima Filho
Carlos Alberto Costa
Maria Rita Fratezi
Almir Martins Ferreira
Veja o que disseram os
indiciados:
Segundo os advogados do
presidente Michel Temer, o relatório da PF tem mais de 800 páginas e, por isso,
a defesa "ainda não teve tempo de analisar o seu inteiro teor". No
entanto, a defesa destaca que "o senhor presidente da República não
praticou qualquer dos delitos que lhe foram atribuídos e que, seguramente, não
há elementos suficientes para justificar a conclusão lá exposta".
Por meio de nota, o Grupo
Libra informou que "não teve acesso ao conteúdo do relatório da Polícia
Federal e, portanto, não vai se manifestar." A defesa do Coronel Lima
informou que "recebeu com perplexidade a notícia do pedido de prisão
formulado em seu desfavor". "O Sr. Lima há um ano e meio encontra-se
permanentemente em sua residência, afastado de suas atividades profissionais,
dedicando-se exclusivamente aos cuidados de sua saúde.
Seus advogados vêm mantendo
contato frequente com as autoridades policiais e judiciárias envolvidas,
prestando todas as informações que lhes foram solicitadas.[...] Não se
verifica, portanto, qualquer razão a justificar o pedido de prisão preventiva
apresentado nesta data pela Polícia Federal." Os advogados disseram ainda
que o pedido de prisão é "desnecessário e desprovido de fundamento
legal".
O advogado de Rocha Loures,
Cezar Bittencourt, informou que ainda não teve acesso ao relatório policial e,
portanto, "não há como se manifestar globalmente". "Nesse
inquérito, Rocha Loures não estava sendo investigado pelos crimes organizado e
lavagem de dinheiro! Mas, certamente, não há elementos para a PGR oferecer
denúncia contra Rocha Loures!"
A defesa de Carlos Alberto
Costa e Maria Rita Fratezi afirmaram que "seus clientes nunca deram causa
a qualquer pedido de prisão, sempre se colocando à disposição das
autoridades". "Esperam serenidade tanto da PGR quanto do STF na
apreciação de medida tão grave e desproporcional, aguardando que eventual
exercício de suas garantias fundamentais não sejam considerados em seu
desfavor."
Rodrimar afirmou que não foi
indiciada e nem citada, e por isso não vai se manifestar, mas declarou que os
dois ex-executivos citados deixaram a empresa no início do ano.
A defesa de Carlos Alberto
Costa e de Maria Rita Fratezi afirmou que os clientes nunca deram causa a
qualquer pedido de prisão, estando sempre à disposição das autoridades. A
defesa disse, ainda, que espera serenidade da PGR e do STF na apreciação de
medida, que considera grave e desproporcional.
O advogado de Maristela Temer
informou que só vai se manifestar depois de ter ciência do relatório da Polícia
Federal. A reportagem não havia conseguido contato com as defesas de Almir
Martins Ferreira, Antonio Celso Grecco, Gonçalo Torrealba e Ricardo
Mesquita./G1
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