A imagem de uma mulher com um
desenho riscado em sua pele foi compartilhada à exaustão em grupos de WhatsApp,
no Facebook e no Twitter nesta quarta-feira. Trata-se de uma moradora de Porto
Alegre que disse ter sido abordada e agredida por três homens por causa de uma
camiseta com a frase "Ele não" que ela usava – a referência é ao
movimento de mulheres contra o candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSL).
De acordo com a jovem, que
não teve seu nome revelado por questões de segurança, o grupo a atingiu com
socos e usou um canivete para desenhar uma suástica em sua barriga.
Porém, segundo sua advogada,
a jovem "optou por não representar criminalmente. Ou seja, ela não vai dar
prosseguimento ao caso em virtude do abalo emocional dela".
O delegado titular da 1ª
Delegacia de Porto Alegre, Paulo Jardim, diz que os suspeitos de cometer
agressão ainda não foram identificados e o desenho não é um símbolo extremista.
"Eu fui olhar o desenho
que fizeram na barriga dela. É um símbolo budista, de harmonia, de amor, de paz
e de fraternidade. Se tu fores pesquisar no Google, tu vai ver que existe um
símbolo budista ali. Essa é a informação", afirmou em entrevista à BBC News
Brasil.
Responsável pelas
investigações do caso, Jardim afirmou que a jovem relatou ter sido agredida no
início da noite de segunda-feira por três rapazes após descer de um ônibus.
"O termo que ela usou foi que riscaram a barriga dela com um canivete e
agrediram ela com socos. Ela estava usando uma camisa do 'Ele não'",
resumiu o delegado.
Ele criticou a cobertura da
imprensa sobre o caso e disse que veículos de comunicação estão "forçando
uma barra, insinuando mil e uma situações que não é nada que tem nos
autos".
Zalmir Chwartzman, presidente
da Federação Israelita do Rio Grande do Sul, não quis comentar as declarações
do delegado. "Temos que ter prudência e aguardar as investigações. A
insanidade que tomou conta do país é assustadora. Cabe neste momento uma
manifestação dos dois candidatos pedindo paz no Brasil. Há gente que faz
loucura em nome de Deus, Alá, Moisés, Lula, Bolsonaro, mas o Brasil é maior que
as pessoas e os partidos."
Investigação em andamento
O delegado afirmou que a
vítima só registrou um boletim de ocorrência cerca de 24 horas após a agressão.
"Tomamos conhecimento há mais ou menos uma hora porque ela não registrou
na minha delegacia, que é o local do fato. Ela não registrou na área
judiciária, que é o centro de tudo. Nem na Polícia Militar foi registrado. Ela
registrou na segunda delegacia de polícia ontem de noite. Eu fiquei sabendo do
fato porque a mídia começou a me ligar e eu fui correndo atrás", afirmou.
"O que eu tenho é isso.
Uma moça agredida que foi riscada na barriga e, pelo desenho que ela expôs na
internet, é um símbolo budista, de amor e fraternidade."
Ao ser questionado sobre a
motivação de alguém cortar a pele de outra pessoa com um canivete para desenhar
um símbolo de amor, o delegado ironizou. "Aí, eu teria de perguntar para
esse alguém. Eu seria adivinho e eu não sei adivinhar."
O que diz a defesa da mulher
Gabriela Souza, advogada da
garota, afirmou que sua cliente foi atacada gratuitamente por estar com um
adesivo com os dizeres "#EleNão" e um arco-íris, um símbolo LGBT. Não
houve, segundo relato dela à polícia, citações diretas dos acusados à disputa
eleitoral.
"Esse ato homofóbico foi
feito com o objetivo de intimidá-la. Ela foi atingida física e emocionalmente.
Existe aí um óbvio contexto político subentendido", diz a advogada.
Para Souza, a declaração do
delegado sobre a suástica foi precipitada.
"Ele fez uma declaração
completamente equivocada num primeiro momento, até porque, entre outras coisas,
o comportamento dos agressores é incompatível com o budismo. Mas ao longo do
depoimento prestado à tarde ele entendeu a gravidade e a proporção do caso e
então passou a dar a atenção correta. O Estado precisa estar preparado. Não
pode confundir suástica, símbolo do nazismo, com símbolo de amor, da paz
budista, porque é justamente isso que está acontecendo na política atual."
Questionada sobre o trio de suspeitos
e o estado de saúde da jovem, a advogada não quis dar mais informações a fim de
preservar sua cliente, que não quis conceder entrevista.
Ocorrência 'inédita'
Ainda segundo delegado, é a
primeira vez que ele atende a uma ocorrência com essas características.
"Eu não tenho notícia de fato semelhante. É inédito", diz.
Jardim contou que a jovem foi
encaminhada ao Instituto Médico Legal (IML) para fazer exame de lesão corporal.
O laudo deve ficar pronto nos próximos dias.
"Foi um delito de
pequeno poder ofensivo, uma lesão leve, e nós vamos fazer um termo
circunstanciado", afirmou o delegado responsável pelo caso.
Ele diz que a polícia está
"procurando imagens, testemunhas, e estamos batendo nas casas para ver se
alguém testemunhou alguma coisa". O delegado disse ainda que vai ouvir a
jovem, o que ainda não havia ocorrido.
Segundo a assessoria de
imprensa do Ministério Público estadual gaúcho, não foi registrado nenhum caso
recente relacionado a atos neonazistas no Estado.
O MP-RS destaca, ao mesmo tempo,
que, em setembro, foram condenados em Porto Alegre três homens por tentativa de
homicídio triplamente qualificado, após terem agredido a facadas, socos e
pontapés, em 2005, três jovens que usavam um quipá (símbolo judaico). Os
condenados faziam parte do grupo skinhead Carecas do Brasil, segundo a
Promotoria.
Como a suástica foi adotada
pelo nazismo?
A suástica tem origens
complexas e, antes dos nazistas, foi usada por diferentes religiões e culturas,
diz a antropóloga Adriana Dias, cuja tese de doutorado explorou o movimento
neonazista. Segundo ela, gregos, hindus, celtas e até os nativos americanos
utilizaram o símbolo com diferentes fins.
O historiador e jornalista
Marcos Guterman, autor do livro Nazistas entre Nós, explica que os primeiros
traços do símbolo surgiram nas culturas orientais. No contexto do sânscrito,
ele significa boa fortuna ou boa sorte e pode ser encontrado em diversas
religiões asiáticas, inclusive o budismo. Por isso é fácil ver representações
como essas em templos.
No entanto, apesar de
reconhecerem que a suástica tem outras aplicações, ambos descartam que o
desenho na foto da jovem de Porto Alegre signifique algo como "paz e
amor".
"Existe essa relação
religiosa, mas neste caso claramente não se trata disso. A agressão é diretamente
relacionada com o nazismo. Não precisa ser policial para saber", diz
Guterman.
Ele diz que a suástica se
fortaleceu na Alemanha no começo do século 20, quando foi adotada por
movimentos ultranacionalistas. A partir daí, os nazistas conheceram o símbolo e
o divulgaram como uma de suas marcas.
"A Alemanha tinha sido
unificada há pouco tempo e era uma afirmação nacional, uma representação
idealizada do passado."
Sobre o argumento de que o
desenho está ao contrário e por isso não seria o símbolo nazista, Dias diz que
os membros do partido usavam suásticas em diferentes inclinações e tamanhos, e
que ela era apenas um entre mais de 500 elementos da simbologia adotada por
eles.
"(Um dos principais líderes do partido nazista) Heinrich Himmler, que teve a ideia do roubo das grandes obras de arte nos países ocupados, tinha em seu castelo no Nordeste da Alemanha uma suástica com a mesma rotação que a desenhada na menina."/portuguese
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