Com a edição da nova Lei de
Abuso de Autoridade, passou-se a dizer que a Polícia estaria impedida de
divulgar imagens e nomes de presos, gerando-se, com isso, inúmeras polêmicas
nos meios de imprensa.
Cada um parece dizer uma
coisa, e o discurso, longe de ser uno, acaba diversificado e perdido. Mas
afinal, pode ou não exibir foto de preso ou detento após a nova Lei de Abuso de
Autoridade? Bem, vamos tentar responder de maneira clara, direta e didática.
A lei diz ser crime
constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução
de sua capacidade de resistência, a exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele
exibido à curiosidade pública (art. 13, I).
Violência ou grave ameaça,
policial algum em sã consciência vai exercer, entretanto, por estar privado da
liberdade, é certo que o preso ou o detido estará, em regra, com a capacidade
de resistência reduzida.
Os tipos penais da nova Lei
de Abuso exigem dolo específico, ou seja, o agente deve praticar a ação com a
finalidade de prejudicar outrem (o detido/preso), beneficiar a si mesmo ou a
terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal (vaidade). Sem
isso, não há crime, sequer em tese.
Quando a lei fala em
“curiosidade pública”, ela faz alusão a exibição desprovida de finalidade
específica ou interesse público, onde se visa, tão somente, entregar o sujeito
a sanha popular de saber quem ele é e o que fez. Esse é o ponto crucial.
Enfim, vejamos alguns
exemplos práticos, para entendermos, definitivamente, o que pode ou não pode ser
feito a partir de agora:
1) Durante o transporte do
detento/preso da viatura para a Delegacia de Polícia, a imprensa fotografa e
filma o conduzido e divulga sua imagem na televisão ou jornal. Há crime?
NÃO. Se a interpelação da
mídia se dá em trânsito ou em dependência de acesso não controlado (via
pública), os policiais não tem como obstar o trabalho da imprensa, a qual,
neste país, é livre. Diante disso, lhes falta dolo. E se este não existe, não
há que se falar em crime.
2) Durante o transporte do
detento/preso em área de circulação livre da Delegacia para o gabinete da
autoridade policial ou sala (cartório, investigação etc), a imprensa fotografa
e filma o conduzido e divulga sua imagem na televisão ou jornal. Há crime?
NÃO. Se a interpelação da
mídia se dá em área não restrita e de livre acesso ao público (átrio,
corredores, recepção etc), os policiais não podem obstar a presença dos
profissionais de imprensa, salvo nas hipóteses excepcionais em que a área está
interditada ou expressamente controlada. Sem isso, não há crime.
3) Durante o transporte do
detento/preso em área de circulação livre para a Delegacia e ou gabinete
específico, um policial, percebendo a presença da imprensa, interrompe o transporte
e, forçosamente, ergue a cabeça do conduzido e a exibe a imprensa, para que
esta o fotografe ou filme. Há crime?
SIM. Nesse caso o policial
agiu intencionalmente, pois preferiu exibir o preso a continuar sua marcha a
fim de encaminha-lo ao lugar de direito. Ele estava com a capacidade de
resistência diminuída e foi forçado a exibir-se.
4) No interior do seu
gabinete de trabalho, isto é, num ambiente de acesso controlado, um Delegado de
Polícia convoca a imprensa para exibir, como “troféu”, um detento/preso que foi
capturado, exibição esta desprovida de interesse público, afinal não existe a
comprovada necessidade de reconhecimento pessoal do mesmo por outros delitos.
Haverá crime com a divulgação das imagens à curiosidade pública?
SIM. O detento/preso está com
a capacidade de resistência reduzida e sob a custódia do Estado (ambiente
controlado). A exposição, em si, visa apenas a satisfação da curiosidade
pública e, quanto muito, a vaidade do agente público. Nesse caso, o delito, em
tese, subsiste.
5) Policiais de determinada
equipe, após uma prisão, tiram fotos com os detidos/presos e as postam em redes
sociais, comemorando a ação. Há crime?
SIM. Os detentos/presos estão
tecnicamente com a capacidade de resistência diminuída e tem o corpo ou parte dele
expostos a curiosidade pública, a qual, nesse caso, é indeterminada. Ainda que
os rostos sejam borrados, o crime em tese persiste, pois a lei fala em “parte
do corpo”.
6) Visando elucidar uma série
de delitos perpetrados na sua circunscrição, um Delegado de Polícia,
objetivando que novas vítimas procurem a Delegacia, divulga para a imprensa a
imagem de uma pessoa já anteriormente reconhecida (é ela) por crimes similares.
Há crime?
NÃO. Se o interesse for
público, motivado pela necessidade de esclarecer crimes e movimentar a máquina
persecutória do Estado, não há que se falar em dolo específico ou exposição
concisa a “curiosidade pública”, mas sim, em ato decorrente do poder de polícia
da administração, necessário para a elucidação de delitos e a responsabilização
do seu efetivo autor.
7) Visando formalizar a
captura de um foragido sob o qual recai ordem de prisão, o Delegado de Polícia
de determinada circunscrição divulga a imprensa a imagem do procurado,
objetivando o seu encarceramento e consequente encaminhamento a cautela da
Justiça. Há crime?
NÃO. O interesse nesse caso é
publico, afastando-se o dolo exigido pelo tipo penal. O ato decorre da
obrigação estatal de emprestar marcha a persecução criminal, a qual não se
confunde com a mera exposição a curiosidade pública, elementar do tipo.
8) Convicta em razão dos
meios de prova admitidos em Direito de que determinado indivíduo praticou
crimes de natureza sexual contra uma menor, uma Delegada de Polícia de Defesa
da Mulher representa pela prisão cautelar do mesmo (que é judicialmente
concedida) e, ato seguinte, exibe a imprensa uma imagem do procurado, que foi
apontado como o autor das graves sevícias e se encontra foragido. Há crime?
NÃO. Como visto, trata-se de
interesse público, e não mera exposição gratuita a curiosidade alheia, isso sim
vedado pela lei.
9) Após efetuar a prisão de
uma quadrilha e esclarecer um grande roubo, a Polícia convoca uma coletiva de
imprensa para dar detalhes da ação e, na oportunidade, apresenta, perfilados e
com as cabeças baixas, os oito autores do delito, que permanecem em pé,
filmados ao vivo e fotografados, enquanto a entrevista transcorre. Há crime?
SIM. Pelo que vimos, resta
claro que a exibição a curiosidade pública só é permitida quando eivada de
interesse público, ou seja, se existe a necessidade de que a exposição seja
imprescindível para o esclarecimento do delito investigado (pessoa procurada, foragida
etc). Nesse caso, a situação é inversa, trata-se de infração pretérita e já
esclarecida. Assim, o delito, em tese, se caracteriza.
10) Visando divulgar a imagem
de um perigoso roubador que foi capturado, a imprensa solicita a foto do mesmo
à Polícia, a qual, acessando uma imagem já anteriormente captada para fins de
triagem/controle, se limita a fornecê-la. Há crime com a divulgação?
NÃO. Nesse caso o
detido/preso não foi vítima de violência, grave ameaça ou redução de capacidade
de resistência para exibir-se a curiosidade pública, já que a imagem, como
visto, é pretérita. Nesse caso, salvo restrição administrativa existente (e que
pode, em tese, gerar responsabilização civil, ou, quanto muito, funcional), não
há crime de abuso de autoridade, por ausência de tipicidade.
Enfim, é isso.
O tipo penal é claro. O
policial brasileiro, assim, não pode se intimidar e, se agir imbuído no
interesse público, não poderá ser responsabilizado, pois a própria Lei de Abuso
de Autoridade exige dolo específico demonstrado, sob pena de crime algum
existir.
Cautela e bom senso.
Observados ambos, continua a Polícia firme e rigorosa na árdua missão de
aplicar a lei e encarcerar, sem paixões, aqueles que a burlarem.
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