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quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Comentários à carta de Dilma ao Senado e ao povo brasileiro



A Presidente Dilma Rousseff falou com o Senado e com a população brasileira através de uma carta. Eu esperava mais do documento.

Dilma reafirmou seu compromisso com a democracia e com a superação do que ela chamou de impasse político.

Ela crê que seu retorno à presidência significará a afirmação do Estado Democrático de Direito, com o que concordo; afirma também, sem fundamentar ou explicar, que é capaz de contribuir para o surgimento de uma nova e promissora realidade política.

Faz uma humilde autocritica ao afirmar que o período de afastamento a aproximou da população e afirmou acolher as críticas que ouviu ao seu governo, a erros que foram cometidos e a medidas e políticas que não foram adotadas.

Fato é que, independentemente de Dilma Rousseff , o PT hegemonizou um processo novo na política brasileira, efetivou políticas sociais de reconhecido sucesso, investiu, multiplicou o PIB, gerou milhões de empregos, retirou duas dezenas de brasileiros da miséria, ou seja, fez o que se espera de um governo socialdemocrata inserido num mundo liberal; os governos Lula e Dilma têm legados inegáveis; Dilma fez até autocrítica pública e humilde dos erros cometidos.

Merece registro que alguns quadros do PT não souberam usar do poder concedido pelo povo, poder legitimo e necessário instrumento de mudança e tornaram-se desprezíveis representantes de interesses e vantagens corporativas e, o que é pior, perderam a conexão orgânica com a população, com os movimentos sociais legítimos e com os setores produtivos éticos.

Na autocritica faltou dizer que Lula e Dilma poderiam ter realizado reformas.

Faltou dizer que a opção de valer-se do "boom" das commodities e usar parte dos ganhos para alguma redistribuição de riquezas foi política pública correta, muito relevante, inédita, mas insuficiente, pois veio desacompanhada de formação política necessária e das reformas.

Faltou dizer que não há justificativa não terem realizado a reforma financeira, a reforma política, reforma do judiciário, reforma tributária, reforma urbana, reforma da previdência, reforma da lei da mídia, para citar apenas algumas das reformas necessárias.

As reformas eram e são importantes porque elas garantem o inicio de mudança real do poder nas instituições e estruturas, hoje integralmente apropriadas pela aristocracia urbana e pela plutocracia.

Sem tais reformas a conciliação e o consenso alcançados de forma magistral por Lula mostraram-se insuficiente quando a crise econômica internacional chegou ao país; os interesses da aristocracia urbana e da plutocracia inicialmente na voz e Aécio Neves mergulharam o país numa espiral de desconstrução da democracia.

Mas voltemos ao Golpe de Estado, batizado de impeachment pelos malfeitores.

De fato não houve crime de responsabilidade, isso está claro.

E mais, no presidencialismo constitucional não basta desconfiança política para afastar um presidente, é fundamental a configuração do crime de responsabilidade, por isso em ocorrendo o afastamento definitivo de Dilma o Golpe de Estado estará consumado e seus autores e aqueles que apoiaram esse crime serão julgados pela História.

Merece registro que Dilma Rousseff e alguns diletos conselheiros como Mercadante, do alto de seus egos e de suas certezas, cuidaram de dinamitar as pontes e os consensos construídos pelos democratas nos últimos trinta anos, por isso devem desculpas ao povo brasileiro.

Dilma Rousseff, em quem votei nos dois turnos de 2010 e de 2014, propõe o que ela chama de um "Pacto pela Unidade Nacional" para o desenvolvimento e para a Justiça Social e propõe um "Plebiscito" e a retomada do debate sobre uma "Reforma Política".

Não há como discordar disso, mas o pacto sem sendo buscado através da Frente Brasil Popular.

Acredito que as delações alcançadas pelos aristocratas da república de Curitiba (apesar de censuráveis na forma em que são obtidas, pois ignoram direitos fundamentais) são, na mesma proporção, devastadoras e pedagógicas.

Apresentam-se como devastadoras porque revelou-se a hipocrisia sob a qual se funda as relações públicas e privadas, o financiamento de partidos e campanhas eleitorais, sua natureza de indignidade, a estruturação do Caixa 2; os presumíveis sobre preços impostos aos custos das obras e serviços públicos são a forma de formação da riqueza privada a partir da apropriação ilegal e imoral de recursos públicos.

São também pedagógicas na medida em que revela o quanto o sistema de financiamento empresarial de campanha transformou agentes públicos e privados em esquizofrênicos sociais e banalizou o mal.

A doação empresarial e o patrimonialismo estão na raiz da corrupção, estão na gênese da desumanização, do caos, nas atitudes maléficas. Era disso que Dilma tinha que ter denunciado na sua carta.

Mas a ideia de que estamos num momento de destruição das estruturas e instituições é equivocada; penso que tudo que ocorre, mesmo que seja por razões e na extensão que ainda não compreendemos, tem valor e sua dialética haverá de lançar a nação a um estado melhor, pois as coisas não podem ser como pensou Maniqueu, filósofo cristão do século III, que dividia o mundo simplesmente entre Bom e Mau.

Se a presidência da república está sob suspeição, o congresso e o STF também estão e nesse quadrante Dilma está certa: cabe ao povo brasileiro a decisão sobre o futuro do Brasil e não àqueles que estão gravemente investigados e delatados.

Contudo, a tese válida em minha opinião seria aquela que debatesse eleições gerais; eleições para a presidência e para renovação do congresso nacional; essa pode ser a única saída legitima e válida para superar a crise institucional e preservação da democracia, sem isso a saída é ilegítima.

A convocação citada é atribuição do Congresso Nacional, congresso que está majoritariamente lambuzado até o ultimo fio de cabelo pelas investigações e delações; que fase, diria o jornalista Milton Leite.

O caminho válido nos obriga a resgatar a soberania do voto; é necessário consultar o povo brasileiro de maneira formal, o eleitor deve opinar acerca da pertinência de serem convocadas eleições diretas ou não para a Presidência da República e para o congresso nacional, um congresso presidido por réus em processos que apuram corrupção, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, dentre outros crimes.

O vice-presidente Temer não tem legitimidade, não tem voto popular e é induvidoso o uso inadequado do impeachment nesse caso, pois não há crime de responsabilidade e ele está sendo usado como um instrumento de verdadeira eleição indireta; Temer e sua horda são coautores desse assalto às instituições democráticas, por isso o correto seria Dilma reassumir o mandato que o povo lhe concedeu, consultar a população e, se essa for a orientação popular, conduzir eleições gerais contra a banalização do mal e em defesa da democracia.

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