A atriz Tônia Carrero morreu
aos 95 anos no final da noite deste sábado, 3, na clínica São Vicente, na
Gávea, no Rio de Janeiro. Ela havia sido internada para se submeter a uma
cirurgia simples, mas houve complicações e a atriz sofreu uma parada cardíaca.
A pedido da família, a
clínica não divulgou mais informações. Luísa Thiré, neta da atriz, em
entrevista à GloboNews, disse que o desejo da avó era de ser cremada. A
cerimônia deve ser realizada na segunda-feira, 5, aguardando a chegada de
familiares que vivem no exterior. Tônia já estava com a saúde debilitada,
sofria de hiodrocefalia oculta, o que a fez viver reclusa desde 2013.
Maria Antonieta, Mariinha,
Tônia Carrero
Tônia nasceu dia 23 de agosto
de 1922 no Rio de Janeiro, foi batizada Maria Antonieta Portocarrero Thedim e
logo apelidada de Mariinha por seus pais, irmãos e amigos. Lutou para tornar-se
Tônia Carrero. "Até bem pouco tempo era feio ser atriz. Era pobre, triste
ter na família uma mulher se exibindo no palco, na tela de cinema ou de
TV", contou em seu livro de memória O Monstro dos Olhos Azuis (LPM). Seu
pai era militar e alcançou a patente de general. Seus irmãos seguiram a mesma
carreira. Só ela, contrariando toda a família, inclusive a mãe, optou pela
arte.
Ainda bem jovem, aos 14 anos,
conheceu o artista plástico Carlos Arthur Thiré com quem se casaria três anos
depois e teria seu único filho, o ator Cecil Thiré. Ao completar 80 anos Tônia
contou parte de sua vida no palco, no solo Amigas para Sempre, dirigido pelo
gaúcho Luiz Arthur Nunes, autor do roteiro criado a partir de entrevistas .
No palco, revelou então nunca
ter abandonado a 'persona' Mariinha - como continuou sendo chamada pelos
íntimos - e relembrou com leveza e bom humor a festa que se tornara sua vida já
casada, na Ipanema da década de 40. Nessa época passou a conviver com
intelectuais e artistas sobretudo na casa do escritor Aníbal Machado, pai da
autora de Pluft, o Fantasminha, Maria Clara Machado. "Hoje não existe mais
uma casa assim, ponto de encontro até para estrangeiros de passagem pelo
Brasil", relembrava em cena. Ali conhecera os poetas Carlos Drummond de
Andrade e Vinícius de Moraes, o maestro Tom Jobim, o músico Ronaldo Bôscoli e o
cronista Rubem Braga. Muitos caíram de amores por aquela mulher de rara beleza,
bronzeada pelo frescobol na praia.
No mesmo solo narrou, para
delícia do público, a paixão do escritor de Rubem Braga por ela, 'resolvida'
num namoro meteórico. E contou ainda que mesmo Drummond, o mineiro
reservadíssimo, não resistiu ao galanteio ao conhecê-la na 'casa do Aníbal'.
Mas nem tudo era festa. Tônia tinha ambições. Formada em Educação Física,
queria ser atriz, mas ninguém levava tal projeto a sério. Em uma época de raras
escolas de teatro, deixou o filho pequeno com a babá e partiu para a França,
onde fez um curso livre de iniciação teatral com Jean Louis Barrault.
De volta ao Brasil, fez
testes, tentou atuar, mas ninguém lhe deu um papel. Só no cinema conseguiu
atuar, no filme Querida Suzana, com direção de Alberto Pieralisi. Em 1949 volta
a filmar sob direção de Fernando de Barros, em Caminhos do Sul. Com ele, funda
sua própria companhia teatral em 1949 e tenta convencer o ator amador e
advogado Paulo Autran a entrar para o grupo. Mas ele não pretendia se
profissionalizar, ganhava muito bem como advogado, estava satisfeito, o teatro
era secundário em sua vida. Numa última cartada, ela pediu-lhe que estipulasse
seu salário. Para se ver livre do assédio, Autran pediu um valor absurdamente
alto, e ela pagou. Mais tarde, já consagrado, ele repetiria muitas vezes essa
história, ao recordar sua longa carreira.
Assim, ambos, Tônia e Autran,
que se tornariam 'amigos para sempre' estrearam juntos, profissionalmente, na
peça Um Deus Dormiu Lá em Casa, de Guilherme Figueiredo, sob direção de
Silveira Sampaio. Ambos receberam prêmios de revelação e a trupe ganhou fôlego.
No ano seguinte, Ziembinski foi convidado para dirigir o espetáculo Amanhã se
Não Chover, de Henrique Pongetti. E no outro ainda, o trio - Tônia, Barros e
Autran - se transfere para São Paulo para atuar na Cia. Cinematográfica Vera
Cruz e no Teatro Brasileiro de Comédia, ambos empreendimentos do italiano
Franco Zampari.
Na Vera Cruz atuou em filmes
importantes na época como Tico Tico no Fubá, sob direção de Adolfo Celi e
Apassionata, de Fernando de Barros, ambos de 1952. O cinema não foi sua
principal forma de arte, mas ainda assim até 1977 já tinha participado de 13
filmes. No TBC atuou sob a direção de Adolfo Celi - Uma Certa Cabana e Uma
Mulher de Outro Mundo, e novamente sob a batuta de Ziembinski, em Candida, peça
de Bernard Shaw, no papel título. Casou-se com Celi e um novo trio se forma
para a fundação da Cia. Tônia-Celi-Autran. O repertório eclético, iniciado com
o clássico Otelo, passando por Entre Quatro Paredes de Sartre e Seis
Personagens à Procura de um Autor, de Pirandello, permitem a atriz um
aprimoramento reconhecido pela crítica.
Tal amadurecimento não passou
despercebido pela crítica da época. "Ela foi afiando pacientemente o seu
instrumental interpretativo, revelando progressivamente uma sensibilidade, uma
intuição e uma gama de recursos que lhe permitem abordar papéis frontalmente
opostos à sua imagem padronizada", escreveu o crítico Yan Michalski.
Desfeita a companhia, cria sua própria empresa e segue atuando. Em 1968
surpreende ao despojar-se de sua beleza e elegância para encarnar a prostituta
Neusa Suely numa montagem de Navalha na Carne, de Plínio Marcos, dirigida por
Fauzi Arap, a quem ela reputava como um de seus mestres na fase da maturidade.
Atuação que lhe vale os principais prêmios do ano, entre eles o prestigiado, e
cobiçado, Molière.
Além dos já citados, ao longo
da carreira de seus 60 anos de carreira, levou ao palco autores como Tennessee
Williams (Doce Pássaro da Juventude), George Feydeau (A Dama do Maxim's),
Shakespeare (Macbeth), Ibsen (Casa de Bonecas), Marguerite Duras (A Amante
Inglesa) e Dürrenmatt (A Visita da Velha Senhora). E atuou sob a direção de
Flávio Rangel, Gianni Ratto, Domingos de Oliveira e Antunes Filho.
Em meados da década de 80
inicia uma fase de experiências mais ousadas com ao interpretar Quartett sob
direção de Gerald Thomas trabalho que lhe vale o segundo Prêmio Molière. Três
anos depois, arrisca-se numa nova linguagem, em atuação coreografada, sob
direção de Marcio Aurelio no espetáculo Esta Valsa É Minha, de William Luce.
Outros jovens diretores entrariam em sua vida a partir daí. Em 1999, Eduardo
Wotzik, na encenação de Um Equilíbrio Tão Delicado, de Edward Albee e, no ano
seguinte, Élcio Nogueira, em O Jardim das Cerejeiras, de Chekhov, montagem na
qual contracena com Renato Borghi.
Em 2005 volta a ser dirigida
por Fauzi Arap, também autor, na peça Chega de História!. na qual,
curiosamente, retoma não só a parceria bem-sucedida em Navalha na Carne, mas
também uma atitude. Como fizera para viver Neusa Suely, mais uma vez se despoja
de sua natural vaidade para encarnar a professora Dona Filó, vestida de forma
muito simples. "Ela não tem nada a ver comigo e isso foi o que me
motivou", disse em entrevista ao Estado.
A carreira no cinema foi
menos intensa, mas só em 1988 participaria de três filmes: A Bela Palomera, de
Ruy Guerra; Fogo e Paixão, de Isay Weinfeld e Marcio Kogan e Sonhos de Menina
Moça, de Tereza Trautman. O papel de Dona Alice, em Chega de Saudade, de Laís
Bodansky foi o mais recente nas telas do cinema. Já na telinha participou de 15
novelas, desde sucessos como Pigmaleão 70, Uma Rosa com Amor, Água Viva,
Sassaricando e Senhora do Destino. Título, aliás, que bem poderia defini-la.
Depois de 60 anos de
trajetória em palcos e telas, do cinema e da TV, Tônia Carrero tinha motivos
para se orgulhar da atitude corajosa e da persistência de Mariinha. Só
lamentava, em entrevistas, o inevitável envelhecimento. Saudade, só da beleza
estonteante da juventude. Nada mais compreensível.
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