Richel Collazo chegou ao Rio Grande do Sul em 2014 — Foto: Reprodução/RBS TV
Parte dos médicos cubanos do
Programa Mais Médicos já se despediu das equipes e dos pacientes e viaja para
Cuba a partir desta quinta-feira (22). Outra parte ficará no Brasil e tentará
continuar trabalhando, seja validando o diploma com o exame Revalida ou
participando de novo edital do Mais Médicos, voltado para estrangeiros e que
deve ser lançado na semana que vem.
Dos 8,3 mil cubanos que atuam
no Brasil, cerca de 1,4 mil são casados com brasileiros. Isso pode facilitar a
obtenção de visto de permanência no país. O presidente eleito Jair Bolsonaro
afirmou que concederá asilo para aqueles que desejarem ficar.
O convênio entre Cuba e os
Mais Médicos foi encerrado em 14 de novembro. Um levantamento do Conselho
Nacional de Secretários Municipais de Saúde indica que pelo menos 285 cidades
de 19 estados devem ficar sem médicos dedicados à atenção básica na rede pública
com a saída dos cubanos.
A Organização Pan Americana
da Saúde prevê que, até 12 de dezembro, voos levem os cubanos de volta para
casa. Alguns médicos manifestaram o desejo de ir embora agora e voltar ao
Brasil futuramente. O G1 procurou a representação diplomática do país em
Brasília para saber se isso é possível, conforme as leis cubanas, mas não
obteve resposta até a última atualização desta reportagem.
Quem pretende ficar
O cubano Richel Collazo,
convidado pelo prefeito de Chapada, no Rio Grande do Sul, para assumir a
Secretaria de Saúde do município, disse que vai seguir tentando atuar como
médico e, caso não seja possível, aceitará o convite do prefeito. "A ideia
principal seria isso".
O médico pretende se
inscrever, inicialmente, no edital que será lançado no dia 27 de novembro, que
contempla médicos formados fora do país.
Caso não haja mais vagas para
as cidades da região, Richel vai ocupar o cargo de secretário municipal de
Saúde de Chapada até que possa passar pelo Revalida, exame que valida a
formação no exterior. Desta forma, ele poderia ser contratado como médico fora
do programa Mais Médicos.
“Todo mundo chorou, todo
mundo ficou muito triste. O povo está na nossa frente, querendo ser atendido, e
a gente não conseguia porque, logicamente, nós vamos seguir todas as leis [de
Cuba]”, diz Yonel Cruz , médico cubano que atendia em Sorocaba (SP).
Yonel se casou com uma
brasileira e deve conseguir o direito de ficar no país. Mas desde a
quarta-feira está desempregado e não poderá exercer medicina, pelo menos
enquanto não validar o diploma no Brasil.
Ao todo, 18 profissionais
cubanos deixaram de atender em Sorocaba, e 10 Unidades Básicas de Saúde (UBS)
perderam médicos.
No Acre, a cubana Alaide
Sosa, que é casada com um brasileiro e vive regularmente no país, disse que não
irá voltar para Cuba, mesmo sem o contrato de médica. Segundo ela, que mora no
país desde 2013, o foco agora é estudar para tentar o Revalida, além de
investir no restaurante que abriu há pouco mais de um ano, que leva o nome de
“Sabor Cubano”.
No restaurante, Alaide
emprega outros quatro cubanos, que apostaram no Brasil também para melhorar de
vida. A partir de agora, além do estudo, ela irá ajudar o chef na administração
do estabelecimento.
“É estudar e tentar crescer
mais o meu negócio e ajudar o meu povo de alguma forma”, finaliza Alaide.
Quem quer trabalhar aqui
“É uma situação muito
difícil. Graças a Deus ainda temos oportunidade de irmos e voltarmos quando
quisermos, mas não quero ficar desempregada. A gente vai tentar fazer o
Revalida. É a única opção que vamos ter. Com os pacientes nunca tive problema,
amo a população daqui e nunca fui rejeitada por ninguém que eu tenha atendido”,
diz uma médica que atua em Montes Claros (MG).
A cubana, que prefere não ser
identificada, se casou no Brasil, tem um filho de 2 anos e está grávida. Ela
conta que foi muito bem recebida aqui e que deve sair temporariamente do país.
A médica lamentou o fim da
parceria e criticou falas de políticos brasileiros que, para ela, menosprezam
os serviços prestados. "Parece que estão humilhando a gente. Nós somos
médicos. Não tenho medo. Consigo provar que sou médica. O que dói é falarem
assim depois de tanto tempo de trabalho, de dedicação. Eu poderia ter matado
gente se não fosse médica de verdade, e, no entanto, não fiz isso. Somos
profissionais e não é legal que nos questionem dessa forma."
“Eu estou muito abalado,
muito triste. Imagina que eu formei uma família aqui no Brasil. Tenho minha
esposa brasileira, e a gente fica sem chão, sem emprego", diz o médico
Alexander Camue, que atuava em Petrolina, no Sertão de Pernambuco.
O cubano viajou nesta
quarta-feira (21) para Brasília e parte para Cuba na quinta (22). Mas pretende
retornar a Petrolina, fazer a prova do Revalida e recuperar o emprego. “São
muitas expectativas. Por enquanto, eu vou visitar a minha família em Cuba.
[...] Passar 30 dias e retornar com muita fé em Deus, procurando recuperar meu
emprego. A gente tem todos os documentos aqui e acredita que pode entrar no
programa novamente. Entrar no edital e, se der certo, começar a trabalhar”.
O município de Petrolina
contava com três profissionais cubanos.
Quem vai embora
Confira depoimentos de
médicos que estão se despedindo do Brasil:
“Foi algo muito repentino,
porque na verdade deveria terminar em fevereiro, março, mas assim, no momento,
todos se surpreendem, nunca pensei que seria assim. Volto para Cuba e vamos ver
o que acontece”, afirma a médica Dânia Gomes, que estava em Fernandópolis desde
2016.
Seis cubanos trabalhavam em
Fernandópolis, que prestou uma homenagem aos profissionais nesta semana. Cinco
UBSs da cidade ficaram sem médicos.
“Sabíamos que isso ia ocorrer
um dia, mas não da maneira como aconteceu. [...] Fiquei com o coração apertado
e, ao mesmo tempo, feliz por saber que vamos estar perto dos nossos familiares
antes da data certa. Se Deus quiser, teremos um novo contrato para voltarmos a
Cruzeiro do Sul. Somos gratos pelo acolhimento do governo brasileiro, mas o
nosso presidente é o nosso pai e nossa família está em Cuba”, diz o médico
cubano Erick Casa Nova, que trabalhava em Cruzeiro do Sul (AC).
O profissional disse que
ainda não foi dado um prazo o retorno à Cuba. Ele agradeceu o apoio da
população de Cruzeiro do Sul e participou nesta quarta (21) de uma festa de
despedida organizada pela Secretaria de Saúde do município. Ao todo, 12
profissionais fizeram parte do programa na cidade.
Segundo o Casa Novo, os
cubanos recebiam no Brasil dez vezes mais do que no seu país. “Quando a gente
sai de Cuba e vai trabalhar em qualquer país, assina um contrato de trabalho
com as condições. Todos têm pleno conhecimento das condições e tem a opção de
aceitar ou não. O salário de lá [Cuba] é cerca de R$ 300.
Recebemos em torno de R$ 3
mil. No contrato que assinei, esse era o valor que receberia aqui. O restante
do dinheiro que o Brasil paga, não sei para onde vai”, afirmou.
“A gente cria uma família
aqui e é difícil, parece que não, mas para um médico é difícil deixar de lado
tudo que a gente criou ao longo de 4 anos”, diz o médico cubano Yeyson
Iglesias.
Yeyson trabalha em Osasco, na
Região Metropolitana de São Paulo, onde 33 dos 73 profissionais dos Mais
Médicos são cubanos. A prefeitura espera apoio do Ministério da Saúde para
novas contratações.
“Infelizmente, a gente ficou
no meio dessa briga e a gente vai ter que ir embora”, diz Rachel Lemas Ortega,
que deixou de trabalhar em uma UBS de Paiçandu (PR).
Na cidade, sete dos oito
médicos do Programa Saúde da Família eram cubanos. Eles representavam quase
metade dos médicos que atendiam na rede pública de saúde do município. Ontem,
as UBSs amanheceram com consultórios vazios.
“Infelizmente, um programa
tão humanitário para a vida dos brasileiros se encerra. Vamos com a certeza de
que deixamos esperança para o povo. Tenham certeza de que agradeço o
acolhimento de todos vocês. O sentimento de gratidão não será manchado por
políticas ideológicas. Tenham certeza de que vai ficar um sentimento bom no
nosso coração”, afirma a médica cubana Mirtha Valera Mathesom.
Assim Mirtha se despediu da
equipe de Saúde da Família de Penedo, Sertão de Alagoas. Das 20 equipes do
programa, a cidade vai contar apenas com 13. A prefeitura de Penedo afirmou que
a saída dos médicos cubanos deixa aproximadamente 28 mil pessoas sem
assistência médica.
“A população precisa muito
deste cuidado e, para nós [cubanos], este é um serviço social. Estamos
acostumados a tratar os mais carentes, a servir nas comunidades mais distantes.
Desejo que os médicos brasileiros participem do programa e lutem pelo seu
País”, disse a cubana Teresa Gutierrez.
Em Arujá (SP), os colegas de
trabalho da médica cubana Teresa de Jesus Cossio Gutierrez, que mora no Brasil
há dois anos e meio, fizeram uma vaquinha para presenteá-la. Ela ganhou também
um certificado de agradecimento.
Tereza trabalhou na UBS do
Barreto, em Arujá, até a última semana. Arujá contava com oito médicos do
programa, sendo três cubanos. A Prefeitura já solicitou substituição.
*Com reportagem de G1 Rio
Preto e Araçatuba, G1 AL, G1 Acre, G1 Mogi das Cruzes e Suzano, RPC Maringá, G1
SP, G1 Sorocaba e Jundiaí, G1 Petrolina, G1 Grande Minas, G1 Rio Grande do Sul,
G1 AC./G1
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