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sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Quem fica e quem vai: o que dizem os cubanos sobre o fim da atuação no Mais Médicos



Richel Collazo chegou ao Rio Grande do Sul em 2014 — Foto: Reprodução/RBS TV
Richel Collazo chegou ao Rio Grande do Sul em 2014 — Foto: Reprodução/RBS TV


Parte dos médicos cubanos do Programa Mais Médicos já se despediu das equipes e dos pacientes e viaja para Cuba a partir desta quinta-feira (22). Outra parte ficará no Brasil e tentará continuar trabalhando, seja validando o diploma com o exame Revalida ou participando de novo edital do Mais Médicos, voltado para estrangeiros e que deve ser lançado na semana que vem.

Dos 8,3 mil cubanos que atuam no Brasil, cerca de 1,4 mil são casados com brasileiros. Isso pode facilitar a obtenção de visto de permanência no país. O presidente eleito Jair Bolsonaro afirmou que concederá asilo para aqueles que desejarem ficar.

O convênio entre Cuba e os Mais Médicos foi encerrado em 14 de novembro. Um levantamento do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde indica que pelo menos 285 cidades de 19 estados devem ficar sem médicos dedicados à atenção básica na rede pública com a saída dos cubanos.

A Organização Pan Americana da Saúde prevê que, até 12 de dezembro, voos levem os cubanos de volta para casa. Alguns médicos manifestaram o desejo de ir embora agora e voltar ao Brasil futuramente. O G1 procurou a representação diplomática do país em Brasília para saber se isso é possível, conforme as leis cubanas, mas não obteve resposta até a última atualização desta reportagem.

Quem pretende ficar

O cubano Richel Collazo, convidado pelo prefeito de Chapada, no Rio Grande do Sul, para assumir a Secretaria de Saúde do município, disse que vai seguir tentando atuar como médico e, caso não seja possível, aceitará o convite do prefeito. "A ideia principal seria isso".

O médico pretende se inscrever, inicialmente, no edital que será lançado no dia 27 de novembro, que contempla médicos formados fora do país.

Caso não haja mais vagas para as cidades da região, Richel vai ocupar o cargo de secretário municipal de Saúde de Chapada até que possa passar pelo Revalida, exame que valida a formação no exterior. Desta forma, ele poderia ser contratado como médico fora do programa Mais Médicos.

“Todo mundo chorou, todo mundo ficou muito triste. O povo está na nossa frente, querendo ser atendido, e a gente não conseguia porque, logicamente, nós vamos seguir todas as leis [de Cuba]”, diz Yonel Cruz , médico cubano que atendia em Sorocaba (SP).

Yonel se casou com uma brasileira e deve conseguir o direito de ficar no país. Mas desde a quarta-feira está desempregado e não poderá exercer medicina, pelo menos enquanto não validar o diploma no Brasil.

Ao todo, 18 profissionais cubanos deixaram de atender em Sorocaba, e 10 Unidades Básicas de Saúde (UBS) perderam médicos.

No Acre, a cubana Alaide Sosa, que é casada com um brasileiro e vive regularmente no país, disse que não irá voltar para Cuba, mesmo sem o contrato de médica. Segundo ela, que mora no país desde 2013, o foco agora é estudar para tentar o Revalida, além de investir no restaurante que abriu há pouco mais de um ano, que leva o nome de “Sabor Cubano”.

No restaurante, Alaide emprega outros quatro cubanos, que apostaram no Brasil também para melhorar de vida. A partir de agora, além do estudo, ela irá ajudar o chef na administração do estabelecimento.

“É estudar e tentar crescer mais o meu negócio e ajudar o meu povo de alguma forma”, finaliza Alaide.

Quem quer trabalhar aqui

“É uma situação muito difícil. Graças a Deus ainda temos oportunidade de irmos e voltarmos quando quisermos, mas não quero ficar desempregada. A gente vai tentar fazer o Revalida. É a única opção que vamos ter. Com os pacientes nunca tive problema, amo a população daqui e nunca fui rejeitada por ninguém que eu tenha atendido”, diz uma médica que atua em Montes Claros (MG).

A cubana, que prefere não ser identificada, se casou no Brasil, tem um filho de 2 anos e está grávida. Ela conta que foi muito bem recebida aqui e que deve sair temporariamente do país.

A médica lamentou o fim da parceria e criticou falas de políticos brasileiros que, para ela, menosprezam os serviços prestados. "Parece que estão humilhando a gente. Nós somos médicos. Não tenho medo. Consigo provar que sou médica. O que dói é falarem assim depois de tanto tempo de trabalho, de dedicação. Eu poderia ter matado gente se não fosse médica de verdade, e, no entanto, não fiz isso. Somos profissionais e não é legal que nos questionem dessa forma."

“Eu estou muito abalado, muito triste. Imagina que eu formei uma família aqui no Brasil. Tenho minha esposa brasileira, e a gente fica sem chão, sem emprego", diz o médico Alexander Camue, que atuava em Petrolina, no Sertão de Pernambuco.

O cubano viajou nesta quarta-feira (21) para Brasília e parte para Cuba na quinta (22). Mas pretende retornar a Petrolina, fazer a prova do Revalida e recuperar o emprego. “São muitas expectativas. Por enquanto, eu vou visitar a minha família em Cuba. [...] Passar 30 dias e retornar com muita fé em Deus, procurando recuperar meu emprego. A gente tem todos os documentos aqui e acredita que pode entrar no programa novamente. Entrar no edital e, se der certo, começar a trabalhar”.

O município de Petrolina contava com três profissionais cubanos.

Quem vai embora

Confira depoimentos de médicos que estão se despedindo do Brasil:

“Foi algo muito repentino, porque na verdade deveria terminar em fevereiro, março, mas assim, no momento, todos se surpreendem, nunca pensei que seria assim. Volto para Cuba e vamos ver o que acontece”, afirma a médica Dânia Gomes, que estava em Fernandópolis desde 2016.

Seis cubanos trabalhavam em Fernandópolis, que prestou uma homenagem aos profissionais nesta semana. Cinco UBSs da cidade ficaram sem médicos.

“Sabíamos que isso ia ocorrer um dia, mas não da maneira como aconteceu. [...] Fiquei com o coração apertado e, ao mesmo tempo, feliz por saber que vamos estar perto dos nossos familiares antes da data certa. Se Deus quiser, teremos um novo contrato para voltarmos a Cruzeiro do Sul. Somos gratos pelo acolhimento do governo brasileiro, mas o nosso presidente é o nosso pai e nossa família está em Cuba”, diz o médico cubano Erick Casa Nova, que trabalhava em Cruzeiro do Sul (AC).

O profissional disse que ainda não foi dado um prazo o retorno à Cuba. Ele agradeceu o apoio da população de Cruzeiro do Sul e participou nesta quarta (21) de uma festa de despedida organizada pela Secretaria de Saúde do município. Ao todo, 12 profissionais fizeram parte do programa na cidade.

Segundo o Casa Novo, os cubanos recebiam no Brasil dez vezes mais do que no seu país. “Quando a gente sai de Cuba e vai trabalhar em qualquer país, assina um contrato de trabalho com as condições. Todos têm pleno conhecimento das condições e tem a opção de aceitar ou não. O salário de lá [Cuba] é cerca de R$ 300.

Recebemos em torno de R$ 3 mil. No contrato que assinei, esse era o valor que receberia aqui. O restante do dinheiro que o Brasil paga, não sei para onde vai”, afirmou.

“A gente cria uma família aqui e é difícil, parece que não, mas para um médico é difícil deixar de lado tudo que a gente criou ao longo de 4 anos”, diz o médico cubano Yeyson Iglesias.

Yeyson trabalha em Osasco, na Região Metropolitana de São Paulo, onde 33 dos 73 profissionais dos Mais Médicos são cubanos. A prefeitura espera apoio do Ministério da Saúde para novas contratações.

“Infelizmente, a gente ficou no meio dessa briga e a gente vai ter que ir embora”, diz Rachel Lemas Ortega, que deixou de trabalhar em uma UBS de Paiçandu (PR).

Na cidade, sete dos oito médicos do Programa Saúde da Família eram cubanos. Eles representavam quase metade dos médicos que atendiam na rede pública de saúde do município. Ontem, as UBSs amanheceram com consultórios vazios.

“Infelizmente, um programa tão humanitário para a vida dos brasileiros se encerra. Vamos com a certeza de que deixamos esperança para o povo. Tenham certeza de que agradeço o acolhimento de todos vocês. O sentimento de gratidão não será manchado por políticas ideológicas. Tenham certeza de que vai ficar um sentimento bom no nosso coração”, afirma a médica cubana Mirtha Valera Mathesom.

Assim Mirtha se despediu da equipe de Saúde da Família de Penedo, Sertão de Alagoas. Das 20 equipes do programa, a cidade vai contar apenas com 13. A prefeitura de Penedo afirmou que a saída dos médicos cubanos deixa aproximadamente 28 mil pessoas sem assistência médica.

“A população precisa muito deste cuidado e, para nós [cubanos], este é um serviço social. Estamos acostumados a tratar os mais carentes, a servir nas comunidades mais distantes. Desejo que os médicos brasileiros participem do programa e lutem pelo seu País”, disse a cubana Teresa Gutierrez.

Em Arujá (SP), os colegas de trabalho da médica cubana Teresa de Jesus Cossio Gutierrez, que mora no Brasil há dois anos e meio, fizeram uma vaquinha para presenteá-la. Ela ganhou também um certificado de agradecimento.

Tereza trabalhou na UBS do Barreto, em Arujá, até a última semana. Arujá contava com oito médicos do programa, sendo três cubanos. A Prefeitura já solicitou substituição.


*Com reportagem de G1 Rio Preto e Araçatuba, G1 AL, G1 Acre, G1 Mogi das Cruzes e Suzano, RPC Maringá, G1 SP, G1 Sorocaba e Jundiaí, G1 Petrolina, G1 Grande Minas, G1 Rio Grande do Sul, G1 AC./G1

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