A história de dona Maria
Santiago Lima, 51 anos de idade, desempregada e moradora do bairro Monte Santo,
que poderia ficar cega de um olho, tem um enredo que se encaixa na realidade de
várias famílias de Itanhém, cidade onde o fato ocorreu e onde uma parcela muito
grande da população não tem plano de saúde e, por isso, é obrigada a se valer
das migalhas que o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece. Dona Maria pelo menos
teve sorte porque contou com a mão forte da Justiça.
A via-crúcis de dona Maria
começou no dia 13 de fevereiro desse ano, quando ela foi diagnosticada com
deslocamento de retina, com necessidade urgente de procedimento cirúrgico, em
razão do risco de perder totalmente a visão do olho direito.
A doença foi descoberta
depois de alguns exames particulares que só foram feitos graças a alguns
empréstimos que dona Maria se viu obrigada a fazer. Nesses exames se descobriu
também que o outro olho dela tem um alto grau de miopia, doença que impede a
visão nítida de objetos e situações distantes.
Dona Maria mora na cidade
onde a prefeita é conhecida como a ‘mãe da saúde’, logo, o tratamento dela
seria facilitado, ainda mais em se tratando de um caso grave que, se não
socorrido a tempo, fatalmente causaria a perda total da visão de um dos olhos.
Mas, todos aqueles que pensaram assim, inclusive dona Maria, seus familiares,
vizinhos e amigos, se enganaram completamente porque, somente depois de nove
meses de sofrimento e graças a uma decisão da Justiça, dona Maria, finalmente,
vai fazer a cirurgia, com direito à medicação e todo o tratamento necessário.
Vamos acompanhar os passos de
dona Maria até à decisão do juiz da comarca de Itanhém, Francisco Moleda de
Godoi.
O Ministério Público, através
de seu representante na comarca de Itanhém, João Batista Madeiro Neto,
ingressou, no dia 17 de agosto, com uma ação civil pública, com pedido de
tutela antecipada, contra o município, representado pela prefeita Zulma
Pinheiro e pela secretária da Saúde Eneida Carla Sampaio Arruda. O objetivo da
ação foi garantir o tratamento de dona Maria.
Antes disso, no dia 12 de
julho, dona Maria havia protocolado uma solicitação de sua cirurgia na
secretaria da Saúde e também a solicitação de um colírio que, até que se
proceda ao tratamento cirúrgico, precisa ser aplicado a cada duas horas. Na
ação só há registro de que o colírio, que custa nas farmácias de Itanhém R$ 34,
durante todo esse período, foi fornecido uma única vez.
Quem fez a entrega do colírio
à dona Maria foi Rita da Paixão Soares Lima, que trabalha como auxiliar na
secretaria da Assistência Social. Foi ela que entregou também à dona Maria a
quantia de R$ 250, que havia pegado com Leandro Soares Lima, que é o tesoureiro
da prefeitura e filho de Rita da Paixão. Esse dinheiro seria para dona Maria
pagar a passagem de ida e volta para a cidade de Vila Velha, no Espírito Santo,
para onde a prefeita Zulma Pinheiro decidiu encaminhar dona Maria.
O marido da prefeita, o
médico cardiologista Aldário Pereira Vaz foi quem assinou a guia do SUS para
encaminhar, irregularmente, uma paciente da Bahia para o Espírito Santo.
O Ministério Público concluiu
que dona Maria, embora tenha recebido a guia do SUS assinado pelo marido da
prefeita, para tratar numa cidade capixaba, nunca foi consultada pelo Dr.
Aldário. Essa guia foi entregue a dona Maria por Rita da Paixão, juntamente com
os R$ 250.
A prefeita e a secretária, em
uma das contestações que fez no processo alegam que o tratamento cirúrgico de
dona Maria é de alta complexidade e que o atendimento do SUS funciona a partir
de hierarquia e descentralização de acordo com o grau de complexidade dos
serviços e custos dos medicamentos. Mas o promotor mostrou na lei e na
jurisprudência de que o município é responsável sim pela saúde de seus
moradores.
Em sua decisão o juiz deixou
claro que a prefeitura tem condição financeira para realizar o tratamento em
questão, citando que a prefeitura promoveu as festas de São João e de
aniversário do município nos meses de junho e agosto, com a contratação de pelo
menos um cantor conhecido nacionalmente, que é Israel Novaes.
Depois disso, a prefeita
Zulma Pinheiro e a secretária da Saúde informaram à Justiça que havia marcado
consulta para dona Maria na cidade de Eunápolis até que, no dia 4 de setembro
elas foram intimadas para, no prazo de 24 horas, informar quais os
procedimentos haviam sido feitos para o tratamento de dona Maria.
Em resposta à Justiça, a
prefeita e a secretária disseram que, na consulta em Eunápolis foi solicitado
uma ultrassonografia ocular, a qual já havia sido agendada, também na cidade de
Eunápolis, para o dia 18 de setembro.
A verdade é que, a prefeita e
a secretária, que estavam protelando o tratamento desde fevereiro, mesmo se
tratando de urgência, no mês de setembro estava ainda agendando exames para
dona Maria. O Ministério Publico então, fez um novo pedido para que fosse
realizado um tratamento digno, efetivo e dentro da urgência que o caso requer.
Foi aí que o juiz da comarca
determinou o sequestro de R$ 20 mil dos cofres do município de Itanhém, para
que seja realizado o tratamento de dona Maria na rede particular. O valor já
foi bloqueado pela Justiça.
Em sua decisão o juiz
ressalta que a medida é drástica, mas que é a única adequada, necessária e
proporcional para evitar que dona Maria fique cega de um dos olhos, em razão da
omissão da prefeita Zulma Pinheiro e da secretária de Saúde Eneida Carla
Arruda.
A prefeita e a secretária, na
verdade, não cumpriram a primeira ordem judicial e, por isso, poderão responder
por crime de desobediência e pagar multa de R$ 2 mil por dia. Ainda tem a questão da guia do SUS, assinada
pelo marido da prefeita e entregue à dona Maria para fazer tratamento em outro estado.
Alguém deve responder por improbidade administrativa, que dá perda de mandato e
de função.
Guia do SUS assinada pelo marido da prefeita e relatório médico que relata risco de cegueira permanente.
FOTO/arquivo: Prefeita Zulma
Pinheiro, seu marido, o médico Aldário Pereira e a secretária da Saúde, Carla
Eneida./aguapretanews
Nenhum comentário:
Postar um comentário