Um comércio de diplomas de
mérito para vereadores, prefeitos e secretários municipais será investigado
pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul. Políticos gaúchos são suspeitos
de usarem recursos públicos para conquistar as premiações. As empresas que
fornecem os prêmios são a União Brasileira de Divulgação, ou UBD, de
Pernambuco, e o Instituto Tiradentes, de Minas Gerais. Juntas, as duas
instituições promovem até 20 premiações por ano.
Para mostrar a falta de
critérios na hora de conceder esse tipo de premiação, a reportagem conseguiu
negociar a compra de um diploma para um jumento – o jumento Precioso. Para
mostrar como a UDB vende prêmios, o repórter da RBS TV mandou uma mensagem para
o celular da empresa.
Quando começa a conversa, o
repórter se apresenta como assessor de prefeituras gaúchas. Em pouco tempo,
fecha a compra da premiação do "prefeito Precioso" por R$ 1.480. Na
véspera do evento da UBD em Recife, a reportagem entrega o dinheiro ao dono da
empresa, Fernando Vieira da Cunha, e recebe a medalha e o diploma.
O Precioso é um "gestor
nota 10", classificado na pesquisa nacional de utilidade pública entre os
“100 melhores prefeitos do Brasil”. A reportagem então apresentou o Precioso ao
Fernando:
Repórter: O senhor emitiu um
diploma em nome de um jumento, o jumento Precioso, bem na sua frente.
Fernando: Sim, sim. E o que é
que tem?
Repórter: Mas, um jumento
pode ser prefeito?
Fernando: Mas você não mandou
imprimir?
Repórter: Mas, um jumento
pode ser prefeito?
Fernando: Pode, pode.
Nos eventos, os políticos
recebem diploma de "vereador mais atuante" ou "prefeito mais
atuante". A maioria dos participantes desse tipo de evento usa dinheiro
público para pagar pelas inscrições e também gasta diárias pagas pela
prefeitura ou pela Câmara para ir nas cerimônias. Fernando admite que o
seminário usado como pretexto para entregar a premiação é apenas para
disfarçar.
Fernando: Teve cliente que me
pagou quase 5 mil, pô. Ele quis seis diárias. Aí, eu incluí na inscrição.
Repórter: Mas a prefeitura
paga?
Fernando: Paga.
Um levantamento do Tribunal
de Contas do Rio Grande do Sul mostra que só no estado o Instituto Tiradentes
faturou R$ 116 mil em 2016 e 2017, com três eventos. O Instituto até promove
seminários juntamente com a entrega dos prêmios. Mas, o Ministério Público do
Rio Grande do Sul acha que os seminários são apenas uma desculpa.
"É uma maneira de vender
melhor o encontro, de maquiar, na verdade, a falcatrua que se esconde por trás
e o conluio existente entre a empresa e o agente público. Esses eventos visam
claramente à promoção pessoal do gestor, do agente público e, de outro lado, o
lucro das empresas. Nenhuma finalidade pública", declarou o
procurador-geral de Justiça do Rio Grande do Sul, Fabiano Dallazen.
O Ministério Público já
denunciou dois políticos gaúchos pelo uso de dinheiro público para pagar a
inscrição nos eventos promovidos por uma terceira empresa. São eles Rafael
Malmann, atual prefeito de Estrela, e o ex-prefeito de Mostardas Alexandre
Galdino, ambos do MDB.
O procurador diz que não
existem critérios para escolha dos melhores gestores do Brasil. "O
critério é, sim, aqueles prefeitos que se dispuseram a custear com verba
pública o lucro da empresa que promove esse falso evento".
Falta de critério na
premiação
Um exemplo da falta de
critério é a escolha de Pedro Henrique Gross como o segundo vereador mais
atuante de Terra de Areia, no ano passado. Só que, cinco meses antes da
escolha, feita entre os dias 10 e 21 de outubro, Pedro não era mais vereador,
ele tinha se licenciado da Câmara para ser chefe de gabinete do prefeito. O
político não quis ir receber o tal prêmio. Se quisesse, teria de pagar R$ 578
de inscrição.
"Fiquei feliz, assim de
imediato, de receber, de ser citado, mas confuso porque não estava na Câmara
como vereador", declarou Gross.
O porta-voz do Tribunal de
Contas do Estado, Valtuir Nunes, relata que falta documentação. "A
empresa, pelo que vimos, atribui o prêmio em decorrência de uma pesquisa
telefônica feita aos eleitores da cidade. Que não é comprovada, não tem
documentação de que isso efetivamente aconteceu, então, isso revela
fraude".
O especialista em gestão
pública Aloísio Zimmer, examinou os indicadores sociais das gestões premiadas
pela empresa em todo Brasil e identificou problemas graves em áreas como saúde
e educação. Assim, no contexto da fraude, Zimmer entende que a verba pública
usada nesse tipo de evento não é o principal problema. O que preocupa, segundo
ele, são as “fakenews” geradas como repercussão das premiações, especialmente
em blogs e redes sociais, o que pode, inclusive, influenciar nas eleições.
"Cria-se uma narrativa e
até mesmo uma implantação de falsas memórias no cidadão que depois será
eleitor, porque o prefeito passa uma imagem de bom gestor, de protagonista das
soluções mais importantes da cidade, de que ele é alguém capaz de melhorar a
vida da população", afirma.
Em nota, o Instituto
Tiradentes diz que não comercializa medalhas e diplomas de mérito, nem
certificados de participação em seus seminários e afirmou que no caso do
vereador Pedro Henrique Gross a empresa encaminha correspondências às câmaras
municipais solicitando a atualização dos dados dos vereadores em exercício.
A reportagem entrou em
contato com o prefeito de Estrela Rafael Mallmann. O advogado dele, José
Antonio Paganella Boschi, disse que a premiação foi feita a partir dos
excelentes resultados alcançados pela administração municipal e que a acusação
é injusta.
O ex-prefeito de Mostardas,
Alexandre Galdino, negou que tenha feito a compra de um prêmio e afirmou que
apenas participou de um curso como outro qualquer./G1
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