A partir de 1º de janeiro de
2019, quando tomará posse o novo presidente da República, o país estará nas
mãos de uma nova equipe de governo, com poderes para sugerir e fazer mudanças
em leis e no modo como vivem os brasileiros.
A reportagem do UOL reuniu
aqui as principais medidas previstas no plano de governo de Jair Bolsonaro
(PSL) e as que foram divulgadas por ele e por seus assessores durante eventos
de campanha e entrevistas a veículos de comunicação.
Embora essas promessas sempre possam sofrer
alterações ao longo do processo de transição que vai se iniciar e possam também
mudar conforme o novo governo comece a formar sua equipe, essas são algumas das
propostas conhecidas do presidente eleito.
Os itens estão divididos sob os
temas trabalho, segurança pública, economia e educação. Foram ouvidos
estudiosos nessas áreas, que comentam quais efeitos essas mudanças podem trazer
para a população a partir do ano que vem.
O plano de governo de
Bolsonaro não fala em fim do benefício social, mas em "instituir uma renda
mínima para todas as famílias brasileiras acima do valor do Bolsa
Família".
"Propomos a modernização
e aprimoramento do Programa Bolsa Família e do Abono Salarial, com vantagens
para os beneficiários. Vamos deixar claro: nossa meta é garantir, a cada
brasileiro, uma renda igual ou superior ao que é atualmente pago pelo Bolsa
Família", diz o documento.
Em outubro de 2018, em
entrevista à TV Record, Bolsonaro afirmou que iria propor o pagamento de um 13º
salário aos beneficiários do programa, com recursos advindos de combate a
fraudes no próprio programa. "Ninguém pode pensar em acabar com o Bolsa
Família, seria um ato de desumanidade", disse.
"Tem que pensar de onde
é que sai o recurso, qual é o valor, isso eles vão ter que articular muito bem
e pensar muito bem como se faz", afirma a economista Juliana Inhazs,
professora do Insper, em São Paulo.
"Pelo que entendi da
leitura do programa dele, esse algo além do Bolsa Família seria uma ideia de
uma renda universal. Você dá uma renda mínima para todo mundo, e aí você olha
quem é o cara mais necessitado e, para esse, você complementaria com o Bolsa
Família. Se for isso, tem que pensar muito bem de onde é que sai o dinheiro.
Porque não é pouco."
De acordo com a proposta de
governo de Jair Bolsonaro (PSL) para a área de emprego e trabalho, deve ser
prioridade a criação da "Carteira de Trabalho verde e amarela".
Durante a campanha, integrantes de sua equipe também falaram sobre o pagamento
de 13º salário e adicional de férias.
Nova Carteira de Trabalho
O objetivo é que o
trabalhador, principalmente o mais jovem, escolha entre ser contratado por meio
da tradicional Carteira de Trabalho, de cor azul, dentro do que prevê a CLT
(Consolidação das Leis de Trabalho), ou por meio da nova carteira, com contrato
combinado diretamente com a empresa, que fica acima do que determina a CLT.
Em fevereiro de 2018, em
entrevista à rádio Jovem Pan, Bolsonaro ressaltou: "O que o empresariado
tem dito para mim, e eu concordo, é o seguinte: o trabalhador vai ter que viver
esse dia, menos direitos e [mais] emprego ou todos os direitos e desemprego.
Por que quando um brasileiro vai para os Estados Unidos, e começa a entregar
pizza, não volta mais? E, lá, não tem direito nenhum.
E ganha quatro, cinco vezes
mais do que aqui. Agora, não tem como mexer em direito trabalhista, porque está
lá no artigo sétimo da Constituição."
Bolsonaro afirmou que
pretende implementar no país "algo parecido com o que ocorre nos Estados
Unidos" --onde empresas e funcionários negociam diretamente, sem a
predominância de acordos coletivos entre patrões e sindicatos.
"Isso, por um lado, é
importante", diz a economista Juliana Inhazs. "A gente tem um
dinamismo maior quando essas negociações são feitas diretamente. Porém, em situações
de grande fragilidade social, que é o que acontece quando a faixa de desemprego
é muito alta, o trabalhador perde muito poder de barganha com esse tipo de
medida."
"Se você deixar o cara
negociar do jeito que for, quando houver casos de muito desemprego, os
trabalhadores correm o risco de trabalhar por salários extremamente baixos e
não vão ter poder para reivindicar condições melhores."
Décimo-terceiro salário
Em setembro de 2018, o vice
de Bolsonaro, general da reserva Hamilton Mourão (PRTB), fez críticas ao
pagamento de 13º salário e ao adicional de férias ao trabalhador brasileiro
durante palestra a empresários em Uruguaiana (630 km de Porto Alegre), no interior
do Rio Grande do Sul.
Ao se referir à reforma
trabalhista pretendida por Bolsonaro, Mourão chamou de "jabuticabas"
os direitos trabalhistas que acabam, em sua avaliação, onerando os patrões –
entre eles o 13º salário, instituído em lei desde 1962 e incluído na
Constituição Federal de 1988.
"Temos algumas
jabuticabas que a gente sabe que é uma mochila nas costas de todo empresário.
Jabuticabas brasileiras: 13º salário. Se a gente arrecada 12, como é que nós
pagamos 13 [salários]?", afirmou o general. "É complicado, e é o
único lugar em que a pessoa entra em férias e ganha mais, é aqui no
Brasil", continuou.
No Twitter, Bolsonaro se
manifestou sobre a fala do vice. "O 13° salário do trabalhador está
previsto no art. 7° da Constituição em capítulo das cláusulas pétreas (não
passível de ser suprimido nem sequer por proposta de emenda à Constituição).
Criticá-lo, além de uma ofensa a quem trabalha, confessa desconhecer a
Constituição", escreveu.
Para a professora Inhazs, é
uma questão de "desconhecimento" sobre as leis. "Se ele quiser
mudar isso, ele vai ter que mudar a Constituição, e provavelmente ele não terá
força para conseguir isso na estrutura que temos hoje no Congresso."
Na área de segurança pública,
ao menos três itens defendidos por Bolsonaro podem ter efeitos já a partir de
2019: a reformulação do Estatuto do Desarmamento, a redução da maioridade penal
e a concessão do benefício do excludente de ilicitude a policiais em serviço.
Reformulação do Estatuto do
Desarmamento
O plano de governo defende
uma reformulação do Estatuto do Desarmamento, "para garantir o direito do
cidadão à legítima defesa sua, de seus familiares, de sua propriedade e a de
terceiros".
Em março de 2018, Bolsonaro
afirmou que "a arma, mais que a defesa da vida, é a garantia da nossa
liberdade". Em um evento realizado em Curitiba (PR) com cerca de 2.000
participantes, vários fardados e armados, fez apologia ao uso de armamento de
fogo por civis. "Da próxima vez, quero ver 200 pessoas armadas aqui
dentro", disse.
"Todos os brasileiros
que quiserem já podem ter uma arma hoje. Identificar-se para o Estado, fazer
exames e registrar a arma são as atuais medidas de controle, e não parece que a
população concorde que precisam ser extintas.
O que de fato esse candidato
está propondo? O descontrole?", critica Valdirene Daufemback, coordenadora
do Laboratório de Gestão de Políticas Penais da UnB (Universidade de Brasília)
e ex-diretora do Depen (Departamento Penitenciário Nacional). "A segurança
é dada pelas condições de convivência, urbanidade, iluminação, ocupação dos
espaços, controle e outras medidas, e é responsabilidade das diferentes
instâncias de Estado."
Redução da maioridade penal
Em seu plano de governo, o
capitão da reserva também afirma que irá reduzir a maioridade penal de 18 anos
para 16 anos. Em outubro de 2018, em entrevista à Band, Bolsonaro mudou de
ideia e passou a defender uma redução progressiva da maioridade penal, com
idade mínima para 17 anos, posteriormente sendo reduzida a 16.
Atualmente, até
completar 18 anos, o jovem infrator é submetido a sanções previstas no ECA
(Estatuto da Criança e do Adolescente), como medidas socioeducativas decididas
por um juiz – desde uma advertência e prestação de serviços à comunidade até
internação em estabelecimento de regime fechado.
"A proposta de redução
da maioridade penal, para que jovens sejam julgados como adultos, usa do
desconhecimento da população sobre a medida socioeducativa. O Brasil já tem
mais de 25 mil adolescentes privados de sua liberdade. É necessário que não fiquem
nos mesmos espaços que os adultos", defende a pesquisadora Daufemback.
Propor a redução da
maioridade penal para 17 e, depois, para 16 anos não terá impacto positivo na
segurança. Isso vai deixá-los mais vulneráveis e vai incentivar conexões com
grupos organizados.
Excludente de ilicitude
Bolsonaro quer oferecer aos
policiais o benefício do "excludente de ilicitude". Isso quer dizer
que, em serviço, eles teriam imunidade se matarem alguém. "Policiais
precisam ter certeza que, no exercício de sua atividade profissional, serão
protegidos por uma retaguarda jurídica. Garantida pelo Estado, através do
excludente de ilicitude", diz o plano.
Bolsonaro e seu filho Eduardo
Bolsonaro (PSL-SP) são autores de um projeto de lei que prevê imunidade a
policiais militares que matam em serviço, com aplicação imediata da legítima
defesa, sem uma investigação a cargo da polícia e do Ministério Público, mesmo
quando vítimas da ação policial forem "terceiros".
"O excludente de
ilicitude também não representa ganho ou avanço para ninguém. Coloca os
policiais numa condição de desconfiança por parte da população, cuja relação já
não é boa", afirma Daufemback. "Esse tipo de medida não valoriza os
profissionais bem treinados, que agem com perícia e critério, mas sim os maus
profissionais, que não contribuem para o fortalecimento das instituições
policiais nem para as corporações."
Na área de economia,
Bolsonaro é entusiasta das privatizações, como consta em seu plano de governo.
Também tiveram destaque em sua campanha menções à criação de uma nova CPMF e a
alterações na alíquota do Imposto de Renda.
Privatizações
"Estimamos reduzir em
20% o volume da dívida por meio de privatizações, concessões, venda de
propriedades imobiliárias da União e devolução de recursos em instituições
financeiras oficiais que hoje são utilizados sem um benefício claro à população
brasileira. Algumas estatais serão extintas, outras privatizadas e, em sua
minoria, pelo caráter estratégico serão preservadas", diz o plano de
governo.
"Privatizar alguma
coisa, não é tudo, vamos preservar aqui o setor elétrico, Furnas, Banco do
Brasil e Caixa Econômica. A Petrobras, eu acho que tem que ser preservado o
miolo dela. A questão de refinaria, refino, acho que você pode partir
paulatinamente para privatizações", afirmou Bolsonaro em entrevista à TV Record
em outubro de 2018.
"É importante deixar
claro que as privatizações são importantes, porque elas reduzem um pouco do
custo do Estado, mas elas também têm que ser pensadas de uma forma muito
estratégica", afirma a economista Juliana Inhazs. "Esse dinheiro das
privatizações precisa ser utilizado para colocar a economia no eixo. Não
adianta o governo vender boa parte das empresas públicas, ter o dinheiro de
privatização, aí gastar esse dinheiro com qualquer coisa."
CPMF
O economista Paulo Guedes,
"guru econômico" de Bolsonaro e chamado por ele de "Posto
Ipiranga", já foi apontado pelo capitão reformado como seu ministro da
Fazenda. Guedes é favorável à unificação de impostos federais em um tributo
único que seria cobrado aos moldes da antiga CPMF (Contribuição Provisória
Sobre Movimentação Financeira), extinta em 2007. Em 27 anos como deputado
federal, Bolsonaro fez 25 menções em tom contrário à taxa em discursos no
plenário da Câmara.
"A ideia do imposto
único é muito interessante, porque simplifica demais o sistema tributário, mas,
ao mesmo tempo, é uma ideia um pouco difícil de ser implementada. A gente tem
hoje uma estrutura de tributação no Brasil que não é muito fácil. Você
precisaria de um grande estudo para entender como se faz um imposto único que
tente abarcar quase que todos os setores e criar uma alíquota tributária que
seja socialmente justa. Isso aparentemente não é tão fácil", afirma
Inhazs.
A gente está falando da
redução do tamanho do Estado, que não pode acontecer do dia para a noite. No
curto prazo, se a gente tem uma volta da CPMF, é porque, necessariamente, no
final das contas, o cidadão vai estar, infelizmente, pagando mais imposto, sim.
Juliana Inhazs, professora de
Economia do Insper
Em setembro de 2018, diante
da repercussão negativa, Bolsonaro negou que sua equipe de economia pretenda
recriar um imposto nos moldes da CPMF.
Imposto de Renda
Em relação ao Imposto de
Renda, Guedes afirmou publicamente que a campanha estudava diminuir o teto da
tributação para pessoas físicas para 20% para os que estão enquadrados nas
alíquotas mais altas, de 22,5 % e 27,5 %. Ao mesmo tempo, os que recebem como pessoas
jurídicas veriam esse percentual subir de 17,5% para 20%.
Para as empresas, segundo
Guedes, a ideia seria implementar um imposto sobre dividendos, também de 20%,
diminuindo, por outro lado, a alíquota de IR a 15% ante o patamar de atuais
34%.
"O grande problema da
proposta deles é que ela trata o cara que ganha um pouco mais de cinco salários
mínimos exatamente igual ao cara que ganha R$ 50 mil. Ela é relativamente
pesada para quem está na cauda da distribuição [de renda], que é provavelmente
aquela pessoa que vai precisar mais de dinheiro para as coisas básicas",
diz a economista Juliana Inhazs.
No mês seguinte, em
entrevista ao SBT, quando perguntando sobre a criação de um imposto sobre os
mais ricos, Bolsonaro disse: "Eu acho que, no Brasil, você não pode falar
em mais ricos, está todo mundo sufocado. Se você aumentar a carga tributária
dos mais ricos, como a França fez, no governo anterior, o capital foi para a
Rússia, o capital vai fugir daqui."
Na área de educação, duas
propostas ganharam destaque na campanha: a criação de colégios militares em
todas as capitais brasileiras; e a redução do número de vagas nas universidades
para estudantes negros que entram por meio de cotas raciais.
Colégios militares
No programa de governo
consta: "Teremos em dois anos um colégio militar em todas as capitais do
Estado". "Essas escolas vão servir de modelo, como as dos estados de
Amazonas e Goiás. Pretendo, já que está na minha alçada, captar os estados que
porventura não tenham um colégio militar do Exército, e vamos criar. E o maior
colégio será no Campo de Marte, em São Paulo", afirmou Bolsonaro em um
evento no interior de São Paulo, referindo-se ao aeroporto para aviões de
pequeno porte situado na zona norte da capital paulista.
"Em relação aos colégios
militares, um em cada capital, nós não vemos nenhum problema, até porque isso
será escola pública de qualidade e gratuita, e a quantidade que falta para
completar as capitais é residual, não vai alterar em nada", diz Gustavo
Balduino, secretário-executivo da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes
das Instituições Federais de Ensino Superior).
Por pressuposto, a escola é
pública e civil, e é para educadores, não é um quartel. A formação cidadã pode
ser comprometida por uma visão militar para o jovem em idade de formação de
conceitos. E aí deixa de ser uma opção da família e passa a ser uma imposição
do Estado.
Gustavo Balduino, da Andifes
Cotas raciais
A questão das cotas raciais
não consta no programa de governo. Em julho de 2018, durante participação no
programa Roda Viva, da TV Cultura, Bolsonaro afirmou que iria propor ao
Congresso Nacional a redução do percentual das cotas de vagas nas universidades
públicas reservadas a negros.
"Eu não posso falar que
vou terminar [a política de cotas] porque depende do Parlamento. Pelo menos
diminuir o percentual. Vou propor, quem sabe, a diminuição do percentual",
disse.
Bolsonaro também afirmou não
ver justiça nas cotas para negros, por entender que a ascensão às universidades
e aos concursos públicos deve ser por merecimento.
Indagado se a política de
cotas não seria uma resposta à dívida histórica do Brasil com os afrodescendentes,
derivada do tempo da escravidão, ele negou.
"Que dívida? Eu nunca
escravizei ninguém na minha vida", respondeu. "É justo a minha filha
ser cotista? O negro não é melhor do que eu, e nem eu sou melhor do que o
negro. Na Academia Militar das Agulhas Negras, vários negros se formaram
comigo. Alguns abaixo de mim, alguns acima de mim, sem problema nenhum. Por que
cotas?", perguntou.
Em suas respostas no programa
de TV, o deputado disse ainda que, "se for ver a história realmente, os
portugueses nem pisavam na África, eram os próprios negros que entregavam os
escravos".
Tem um efeito social, um
efeito psicológico e um efeito matemático. Hoje, a sociedade não questiona as
cotas, poucas pessoas questionam. Vai ser um debate que a sociedade vai ter que
travar. Quem vai se manifestar favoravelmente, ou não, é a própria sociedade e
o Parlamento. Gustavo Balduino, secretário-executivo da Andifes
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