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quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Advogado que humilhou Mariana Ferrer pode até perder direito de advogar, avalia especialista

[Advogado que humilhou Mariana Ferrer pode até perder direito de advogar, avalia especialista] 

 Após humilhar a influenciadora digital Mariana Ferrer durante uma audiência judicial, o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho pode sofrer desde sanções disciplinares brandas até perder o direito de advogar. Essa é a avaliação feita pela advogada e doutora em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), Daniela Portugal. A jurista conversou com o BNews sobre a postura do defensor no processo. 

O caso em questão veio à tona a partir de uma matéria publicada pelo portal The Intercept Brasil, nesta terça-feira (3). A reportagem traz detalhes sobre a sentença em que o empresário André Aranha, acusado de estuprar Mariana, foi absolvido sob o argumento de que cometeu “estupro culposo”. 

Além disso, um vídeo divulgado pelo site destaca um trecho em que o advogado analisa fotos da vítima - sem qualquer relação com o caso -, as define como “ginecológicas” e afirma que “jamais teria uma filha” do “nível” da jovem, entre outras ofensas. Ao ver que a mulher está chorando, ele a repreende e diz que suas emoções são dissimuladas e que ela tem "lábia de crocodilo”. 

Por essa postura, de acordo com a reportagem, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Santa Catarina oficiou Rosa Filho para que ele preste esclarecimentos sobre sua atuação na audiência do caso. Ao BNews, Portugal explicou o que pode acontecer a ele, caso seja punido. 

"No âmbito da OAB, poderíamos apurar a prática de infração ético-disciplinar", salientou Portugal na tarde desta terça-feira (3). Ela explica que a partir daí pode ser instaurado um processo disciplinar para apuração de fato. A jurista destaca que, em 2019, o Conselho Federal da Ordem aprovou uma súmula que permite, tanto o impedimento da inscrição de um bacharel que pratique violência contra a mulher, quanto a exclusão de indivíduos já inscritos que o façam. 

O texto do documento de março do ano passado diz: “Requisitos para inscrição nos quadros da OAB. Inidoneidade moral. A prática de violência contra a mulher, assim definida na Convenção Interamericana de Belém do Pará, constitui fator apto a demonstrar a ausência de idoneidade moral para a inscrição de bacharel em Direito nos quadros da OAB, independentemente da instância criminal. Assegurado ao Conselho Seccional a análise das circunstâncias de cada caso concreto”. 

A Convenção Interamericana de Belém do Pará foi promulgada em 1994 com o objetivo de prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher. O Brasil é signatário do acordo que abrange todo e qualquer ato que seja baseado em uma discriminação de gênero, que cause qualquer tipo de dano ou sofrimento a vítima - seja ele físico, psicológico ou sexual, na esfera pública ou privada. 

"Dentro do conceito da convenção, o próprio advogado teria praticado violência contra a vítima a partir do momento que ele traz elementos que não são os fatos discutidos no processo, causando aquela vítima um grave sofrimento psicológico", avaliou. 

Assim, na avaliação de Portugal, existirá a possibilidade de, caso instaurado um processo processo e definida a existência de uma infração disciplinar, haja a compreensão de que ele cometeu violência psicológica contra Mariana e que ele é uma pessoa inidônea para o exercício da advocacia. 

“Isso a depender da interpretação que será dada pelo órgão que irá apurar a prática da conduta", acrescentou. A jurista ressalta que, também pela súmula, o direito de defesa do acusado tem de ser respeitado. Defesa essa que eventualmente ocorrerá no âmbito de um processo disciplinar instaurado pela OAB. Portugal acrescenta que, a princípio, esse tipo de ação não é julgada através de sessões sigilosas. 

Para a especialista, é fundamental que os responsáveis pela condução da audiência, que também contempla o magistrado e o membro do Ministério Público, tenham suas condutas analisadas e eventualmente penalizadas, também em caso de omissão. A Corregedoria Nacional de Justiça instaurou feito para apurar a conduta do juiz Rudson Marcos, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC), na condução de audiência. Pelas imagens divulgadas, é possível ver que ele não interrompe ou repreende o advogado durante os ataques à jovem. 

De acordo com informações divulgadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o órgão nacional abriu uma reclamação disciplinar na qual requisita informações sobre uma eventual apuração a respeito do caso junto à Corregedoria-Geral do TJ-SC. 

"Estamos diante de uma audiência que materializa, evidentemente, a culpabilização da vítima, promovendo um linchamento moral da vítima. A gente não tem mais nos dias de hoje como admitir esse tipo de prática", avaliou Portugal. 

Ela também fez questão de pontuar que não existe previsão legal para o crime de "estupro culposo", e demonstrou preocupação quanto a suposta tese usada para fundamentar a absolvição do acusado produzir uma "ambiência propícia, juridicamente e institucionalmente falando, para acolher teses que legitimem a prática de violência sexual". 

"Vamos nos deparar hoje com um judiciário que é conivente com uma série de aspectos com as práticas das mais variadas formas de violência contra a mulher", lamentou. A jurista enfatiza que a maioria dos membros do Judiciário brasileiro ainda são homens, brancos, heterosexuais, detentores de poder econômico e estruturados em uma sociedade patriarcal. 

"Dolo, culpa, consentimento são categorias jurídicas abstratas que vão ganhar forma no momento em que são interpretadas por pessoas. Quem interpreta essas categorias? Quem  são esses agentes? Quais segmentos sociais eles vão estar - direto ou indiretamente - representando, ainda que não intencionalmente?", ponderou. Portugal lembra que é "absolutamente absurdo" julgar a conduta de quem sofreu a violência, uma vez que no direito penal não se fala em culpa da vítima./BNews

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