O g1 teve acesso com
exclusividade ao documento assinado pelo perito forense Eduardo LIanos,
profissional de São Paulo, com 30 anos de experiência na área. Ele atuou em
casos de grande repercussão como a morte da mãe do menino Bernardo Boldrini e
de Felipe Vieira Nunes, de 30 anos, morto pela PM durante a Operação Escudo, em
Guarujá, no litoral de São Paulo, em julho deste ano.
O perito esteve no local do
crime, acessou o inquérito policial e concluiu que uma pistola calibre 380 não
pode ter sido disparada por uma criança de 9 anos.
A advogada Janaína Panhossi,
que representa a família de Hyara Flor, revelou que o parecer técnico foi
entregue ao Ministério Público da Bahia (MP-BA) há cerca de 20 dias, e disse
que o órgão pediu novas investigações para a Polícia Civil.
O MP-BA informou para a TV
Bahia que fez alguns questionamentos para a Polícia Civil:
em qual vertebra cervical
ficou alojada a bala;
o motivo de não ter sido
apresentado o laudo anterior a trajetória da bala;
se o disparo aconteceu em um
ângulo superior ou inferior à marca do tiro na vítima;
se a arma foi disparada para
baixo;
se foi realizado algum exame
nas mãos de Hyara que comprove vestígio de pólvora.
O g1 entrou em contato para
saber se a Polícia Civil voltou a investigar o caso, a pedido do MP-BA. A
instituição contou que até o momento, não foi notificada oficialmente.
A assessoria do MP-BA informou
para o g1 que recebeu o parecer técnico da defesa, que foi juntado aos autos do
inquérito policial, solicitou diligências complementares à perícia técnica e
aguarda o retorno. O órgão adiantou que a última movimentação no processo foi
no dia 1º de setembro.
Veja abaixo algumas das
constatações do parecer técnico:
Para o perito forense, o fato
de o marido de Hyara usufruir do direito de ficar em silêncio diante do
interrogatório demonstrou uma atitude de defesa desnecessária, uma vez que uma
testemunha teria dito estar junto no momento do disparo, além do cunhado ter
confirmado ser autor do disparo que atingiu a vítima;
a testemunha teria contado
que, mesmo tendo ouvido o barulho do tiro, preferiu continuar almoçando,
enquanto o marido de Hyara Flor saiu do quarto para verificar o que aconteceu;
o marido de Hyara Flor disse
não escutou o irmão gritar que teria atirado na vítima, apenas ouviu o barulho
do disparo.
A Polícia Civil afirmou que,
segundo depoimento do cunhado de Hyara, de 9 anos, a vítima teria manipulado a
pistola e colocado nas próprias mãos para apontar na direção dela e simular um
assalto, durante uma brincadeira. Em seguida, ele teria disparado o gatilho, de
forma não intencional. A bala ficou alojada no pescoço da adolescente.
"Atitude desconexa com a
realidade pois a deflagração de uma arma precisa de uma manipulação especifica
supostamente de conhecimento da vítima ,a qual saberia as consequências do seu
acionamento", apontou o laudo.
'Zona de tatuagem'
Segundo o perito forense, o
disparo que atingiu a vítima na região do pescoço provocou uma "zona de
tatuagem", na parte de baixo da cabeça. Isto, conforme o documento,
significa que ao ser deflagrado à curta distância da vítima, o projétil
provocou a saída de gases e resíduos expelidos pelo cano da arma.
A "zona de
tatuagem" é o resultado da impregnação dos resíduos de combustão e
semicombustão da pólvora e das partículas sólidas do próprio projétil.
A diferença de altura entre
Hyara Flor e o cunhado, conforme o documento, obrigaria a criança a realizar um
disparo de baixo para cima, permitindo a presença de uma "zona de
tatuagem" em grande parte do pescoço, em torno do ferimento. No entanto,
no inquérito, o médico legista teria observado a zona de tatuagem apenas na
região abaixo da cabeça.
Para determinar a diferença
de altura entre Hyara Flor, o marido (que a família aponta como autor do crime)
e o cunhado (apontado pela polícia), foram solicitadas fotografias e também
usados depoimentos que determinam a altura aproximada de cada um. Foi constatado
que o tiro foi efetuado por uma pessoa mais alta que a vítima.
Dentro da análise de imagens
cedidas para estudo, o perito constatou que, mesmo após o corpo da vítima ser
preparado para velório e sepultamento, realizando toda uma higiene para retirar
vestígios visíveis de uma morte violenta, parte dos dedos, especialmente a
ponta do polegar esquerdo, apresentava vestígios atribuíveis a depósito de
resíduos de pólvora.
Segundo o documento, os
vestígios podem indicar que a vítima tentou segurar a arma para evitar ser
disparada ou posicionou as mãos perto do cano.
Falta de provas objetivas
O perito forense também
apontou que a falta de trabalhos periciais e investigativos com o objetivo de
produzir provas objetivas e inquestionáveis "limita toda e qualquer
tentativa de elucidar um crime".
Segundo o documento, não
foram encontrados no inquérito resultados ou perícias necessárias para obter
linhas de investigações que demonstrem a autoria do crime e a real motivação.
Veja abaixo a lista de questionamentos - algumas coincidem com as que o MP-BA
fez para a Polícia Civil:
Trajetória e trajeto
balístico;
Resposta as perícias de DNA e
digitais na arma;
Reprodução Simulada;
Perícia do aparelho
telefônico da vítima, e;
Constatação da exata vertebra
cervical onde ficou alojado o projétil.
O parecer técnico criticou a
informação passada pelo perito médico legista, que constatou que o projétil
entrou na região anterior ao pescoço de Hyara Flor e se alojou na vértebra
cervical. "Lamentavelmente o Perito Médico Legista não manifesta em qual
das 07 vertebras cervicais ficou alojado o projétil limitando tecnicamente a
elucidação do trajeto balístico", pontuou, no laudo.
Veja abaixo a reprodução da
dinâmica considerada improvável pelo perito:
Veja abaixo a reprodução da dinâmica considerada provável pelo perito:
Após o anúncio do resultado
do inquérito policial, que gerou uma reviravolta no caso, o pai da adolescente,
Hiago Alves, contestou a apuração da morte de Hyara Flor em uma rede social .
"Estou aqui indignado e
revoltado, mas já esperava esse inquérito policial", afirmou em um vídeo
publicado nesta sexta.
Caso
Hyara Flor Santos Alves, de
14 anos, foi morta em julho deste ano em uma comunidade cigana, na cidade de
Guaratinga, no sul da Bahia. O marido da adolescente, que também tem 14 anos,
era considerado o principal suspeito do crime. Ele foi apreendido no dia 26 de
julho, em Vila Velha, no Espírito Santo. Após a conclusão do inquérito, ele foi
liberado.
A investigação inicial
apontava que o crime teria sido cometido por vingança após um relacionamento
extraconjugal entre a mãe do adolescente e o tio da vítima. No entanto,
conforme a polícia, a versão não se sustentou com provas.
Para o pai de Hyara, a versão
de que a filha foi morta durante uma brincadeira não corresponde à realidade.
Em um vídeo publicado em seu perfil em uma rede social, onde acumula quase 300
mil seguidores, ele acusou o delegado da cidade de ouvir "versões manipuladas".
"Ele ouviu três pessoas
manipuladas que tiveram tempo suficiente para manipular. Eles estavam soltos
esse tempo todo, saíram correndo sem prestar socorro para a minha filha".
Durante o vídeo, Hiago diz
que "a perícia não indicou" quem foi o autor do disparo, porém o
inquérito policial emitido pela Polícia Civil afirma que quem apertou o gatilho
foi o cunhado da vítima. A conclusão tem como base depoimentos de testemunhas,
imagens de câmeras de segurança, mensagens de celular e documentos.
Brincadeira com arma de fogo
Durante a investigação, o
sogro de Hyara, Júnior Silva Alves, conhecido como "Amorim" na
comunidade cigana, afirmou que a adolescente havia sido morta de forma
acidental. Em vídeo publicado em uma rede social, ele explicou a versão que,
depois, seria confirmada pela polícia.
“Ele não tem nada a ver com
esse caso, não, gente. A perícia tem que mostrar a verdade para a Polícia
Federal. O fato que aconteceu foi JD (iniciais do nome da criança), que é meu
filho e cunhado de Hyara, brincando com a arma e teve um disparo acidental”,
contou.
De acordo com a apuração da
Polícia Civil, a criança e Hyara brincavam de encenar um assalto. Quando a
criança manuseou a arma, que estava carregada, pressionou o gatilho e baleou a
adolescente.
As investigações ainda
apontaram que o marido de Hyara estava na casa dos pais, que fica ao lado do
imóvel do casal, onde aconteceu o crime. As duas residências têm um acesso em
comum pelo fundo.
Após o disparo, uma filmagem
da câmera de segurança mostra que a criança de nove anos foi para a rua com a
mão na cabeça. Depois disso, as pessoas que estavam fora do imóvel entraram na
casa.
"A criança saiu do
imóvel e foi para rua. O momento pode ser visto nas câmeras de segurança,
quando o menino sai com a mão na cabeça e gritava: 'me matem, eu matei a
Hyara'. Aí as pessoas entraram correndo na casa", contou o coordenador da
23ª Coordenadoria Regional de Polícia do Interior /Eunápolis, Paulo Henrique de
Oliveira.
A sogra de Hyara Flor foi
indiciada por homicídio culposo e porte ilegal de arma de fogo, considerando
que a pistola utilizada no crime pertencia a ela. A Polícia Civil entendeu não
existir necessidade de pedir a prisão cautelar dela.
O inquérito ainda indiciou um
tio de Hyara Flor por disparo de arma de fogo. Os tiros teriam sido disparados
contra a residência do casal de adolescentes, após a morte da jovem.
Veja alguns pontos da
investigação revelados pela polícia em agosto:
👉Resultado do inquérito foi
baseado em relatos de testemunhas e elementos periciais;
👉A arma foi comprada pela
mãe do adolescente em Vitória da Conquista, após uma tentativa de sequestro que
o filho sofreu em Guaratinga;
👉O adolescente tem entre
1,80m e 1,85m de altura, apesar de ter apenas 14 anos. Pela posição do tiro,
foi descartado que ele fosse o autor do tiro;
👉O disparo foi de uma
distância entre 20 e 25 cm, ou seja, a uma curta distância;
👉Foi descartada a possibilidade
do crime ter sido premeditado por causa da fuga. A família do adolescente parou
em um posto de combustível, a caminho do Espírito Santo, e completou o tanque;
👉Sobre agressões físicas, o
laudo da necropsia não indicou sinais de violência doméstica internos e
externos;
👉Testemunhas ouvidas pela
polícia disseram, de forma unânime, que o casal tinha uma relação harmônica;
👉A versão da vingança por
causa da traição não se sustentou com provas./g1 Bahia.