"Ícone da música
brasileira, considerada uma das maiores artistas do mundo, a cantora eleita
como a Voz do Milênio teve uma vida apoteótica, intensa, que emocionou o mundo
com sua voz, sua força e sua determinação."
"A amada e eterna Elza
descansou, mas estará para sempre na história da música e em nossos corações e
dos milhares fãs por todo mundo. Feita a vontade de Elza Soares, ela cantou até
o fim."
O corpo da cantora será
sepultado no Jardim da Saudade Sulacap, na tarde de sexta-feira (21), depois do
velório no Theatro Municipal do Rio.
Pedro Loureiro, empresário de
Elza, disse ao g1 que a cantora estava bem e tinha gravado um DVD dois dias
antes. Ela acordou e fez fisioterapia. Estava com a respiração ofegante, mas
garantiu a todos que estava bem. Mas foi ficando mais ofegante e disse aos
familiares: "Eu acho que eu vou morrer".
A declaração acendeu o
alerta: os familiares foram checar sua pressão e oxigenação, e notaram uma
pequena alteração. Pedro e os familiares chamaram o médico de Elza, que enviou
uma ambulância para o local por precaução, mas 40 minutos depois, Elza foi
mudando o semblante, até que apagou.
"Foi uma morte
tranquila, sem traumas, sem motivo. Morreu de causas naturais. Esse, aliás, era
um grande medo dela: ter uma morte sofrida, por doença. Hoje, ela simplesmente
desligou", conta Pedro.
Do sambalanço à eletrônica
Elza Gomes da Conceição é
considerada uma das maiores cantoras da música brasileira. Filha de uma
lavadeira e de um operário, ela foi criada na favela de Água Santa, subúrbio de
Engenho de Dentro. Elza cantava, desde criança, com a voz rouca e o ritmo
sincopado dos sambistas de morro.
Casou-se obrigada aos 12
anos, virou mãe aos 13 e viúva aos 21. Foi lavadeira e operária numa fábrica de
sabão. Por volta dos 20 anos fez seu primeiro teste como cantora, na academia
do professor Joaquim Negli. Foi contratada para a Orquestra de Bailes Garan e
seguiu no Teatro João Caetano.
Ela começou a se destacar na
música como parte da cena do sambalanço com "Se Acaso Você Chegasse",
em 1959.
PERFIL: Elza foi gigante e
'cantou até o fim'
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transcendental'
Nos 34 discos lançados, ela
se aproximou do samba, do jazz, da música eletrônica, do hip hop, do funk e
dizia que a mistura era proposital. O último disco lançado foi "Planeta
Fome", em 2019.
A expressão era uma alusão ao
episódio em que foi constrangida por Ary Barroso no programa de calouros que
participou nos anos 50. "De que planeta você vem, menina?", ele
disse. E ela respondeu: "Do mesmo planeta que você, seu Ary. Eu venho do
Planeta Fome."
Retrato de Elza Soares durante entrevista na capital paulista em março de 1986 — Foto: Nem de Tal/Estadão Conteúdo/Arquivo
"Eu sempre quis fazer
coisa diferente, não suporto rótulo, não sou refrigerante", comparava
Elza. "Eu acompanho o tempo, eu não estou quadrada, não tem essa de ficar
paradinha aqui não. O negócio é caminhar. Eu caminho sempre junto com o
tempo."
Desde que lançou o álbum
"A mulher do fim do mundo", em 2015, a cantora viveu mais uma fase de
renascimento artístico. “Me deixem cantar até o fim”, pediu Elza em verso da
música que batiza o álbum.
Começo no samba
Mais voltada para o samba, a
primeira fase da cantora tem discos gravados nos anos 60 com o cantor Miltinho
(1928–2014) e o baterista Wilson das Neves (1936–2017).
Fazem parte desta era
lançamentos como "O samba é Elza Soares" (1961), "Sambossa"
(1963), "Na roda do samba" (1964) e "Um show de Elza"
(1965).
Mané Garrincha e Elza Soares no aeroporto do Aeroporto do Galeão — Foto: ARQUIVO/ESTADÃO CONTEÚDO
Outras fases vieram. Nos anos
70, escolheu cantar o samba de ritmo mais tradicional. A fase rendeu sucessos
como "Salve a Mocidade" (Luiz Reis, 1974), "Bom dia,
Portela" (David Correa e Bebeto Di São João, 1974), "Pranto
livre" (Dida e Everaldo da Viola, 1974) e "Malandro" (Jorge
Aragão e Jotabê, 1976).
A cantora amargou período de
ostracismo na década de 1980. Em 1983, sofreu com a morte do jogador Garrincha,
com quem teve um relacionamento por 17 anos.
Eles começaram a se
relacionar enquanto Garrincha era casado, o que rendeu uma forte crítica pela
sociedade e pela imprensa da época. Anos depois, os dois se casaram e a relação
foi conturbada, marcada por episódios de violência doméstica.
Empoderada, Elza se tornou
uma das maiores referências no combate à violência contra mulher ao cantar
"Maria da Vila Matilde", no álbum "Mulher do Fim do Ano",
de 2015.
A vida não foi fácil com a
cantora que carregava lata d'água na cabeça desde a infância. Ela perdeu quatro
filhos: dois foram os primeiros filhos de Elza em gestações que aconteceram
quando ainda era criança. Eles morreram recém-nascidos.
Garrinchinha, único filho que
a cantora teve com o jogador, morreu aos 9 anos em um acidente de carro em
1986, e Gilson faleceu aos 59 anos, em 2015, por complicações de uma infecção
urinária.
Devido a fase de menos
sucesso nos anos 80, ela pensou até em desistir da carreira, mas resolveu
procurar Caetano Veloso, em hotel de São Paulo, para pedir ajuda.
O auxílio veio na forma de
convite para participar da gravação do samba-rap "Língua", faixa do
álbum do cantor, "Velô" (1984).
Essa participação mostrou a
bossa negra de Elza Soares a uma nova geração e abriu caminho para que a
cantora lançasse, em 1985, um álbum menos voltado para o samba. "Somos
todos iguais" tinha música de Cazuza (1958–1990).
Em 2002, com direção
artística de José Miguel Wisnik, fez um dos álbuns mais modernos da
discografia, "Do cóccix até o pescoço". No ano seguinte, foi a vez de
"Vivo feliz", mais voltado para a eletrônica.
Elza seguia fazendo shows até
antes da pandemia da Covid-19 e cantou em lives. Ela estava produzindo um novo
álbum de estúdio que pode ter lançamento póstumo.
VÍDEOS: ELZA SOARES
Nesta semana, ela também se
apresentou em shows no Theatro Municipal de São Paulo que foram gravados para o
lançamento de um DVD./G1