Eliseu Lemos Padilha era um
exímio observador da cena política nacional. Em quatro mandatos de deputado no
Congresso Nacional, antecipava com precisão o resultado de votações
importantes, sendo considerado um oráculo pelos colegas. Tamanha capacidade de
previsão fazia dele um analista político cobiçado pelo governo de plantão e
sempre consultado pelos demais partidos, fossem aliados ou adversários.
Para exercer o dom, Padilha
montava extensas planilhas nas quais computava a intenção de voto de cada
parlamentar. A partir do mapeamento prévio, entrava em ação conversando ao pé
de ouvido com os colegas que considerava ser passíveis de mudar de posição. Foi
assim que atuou em momentos decisivos dos governos Fernando Henrique Cardoso
(1995-2002), Dilma Rousseff (2011-2016) e Michel Temer (2016-2018), nos quais
foi ministro.
Padilha nasceu em Canela, na
serra gaúcha, na antevéspera do Natal de 1945. Filho de um casal vinculado ao
trabalhismo, demorou a se interessar por política. Primeiro, se encantou pelas
artes, atuando em peças de teatro e na banda marcial do Colégio Maria
Imaculada. Se consagrou nos palcos vivendo ora Gumercindo Tavares, personagem
do monólogo As Mãos de Eurídice, de Pedro Bloch, ora tocando com rara precisão
pistom e corneta — habilidade que lhe rendeu o primeiro emprego, como afinador
em uma fábrica de acordeões.
Na mesma época, Padilha
começava a dar os primeiros passos na política, se aproximando dos grêmios
estudantis. Em seguida, passaria a acompanhar um dos mais proeminentes
políticos da região, Pedro Simon. Em 1966, ao se formar em Contabilidade,
Padilha escolheu Simon como paraninfo da turma. À época, o emedebista montava a
comissão provisória do partido em Canela, entregando ao pupilo o cargo de
secretário-executivo.
Padilha não permaneceu muito
tempo na cidade. No ano seguinte, mudou-se para Tramandaí, ingressando no ramo
da construção civil no Litoral Norte. Em parceria com o empresário Affonso
Penna Khury, se tornou um dos maiores incorporadores imobiliários da
região.
Passou todo o regime militar
atuando na iniciativa privada, mas sem jamais se desligar da política. Formado
em Direito pela Unisinos, em 1988 concorreu a prefeito de Tramandaí. Numa
disputa ferrenha, venceu o candidato do PDT por apenas 90 votos de diferença
(3.556 a 3.466). Ao final do mandato, já era um dos mais atuantes quadros do
MDB, sendo um dos principais estrategistas da exitosa campanha que elegeu
Antônio Britto governador do Estado em 1994.
Padilha se elegeu deputado
federal no mesmo ano, mas acabou seduzido pelo convite de Britto para assumir a
Secretaria Estadual do Trabalho, Cidadania e Assistência Social. O encanto
durou pouco e, ao cabo de 10 meses, assumiu a cadeira na Câmara. Não tardou a
galgar o posto de vice-líder do PMDB, atuando com destreza na aprovação da
emenda da reeleição, que permitiu um segundo mandato consecutivo para
presidente, governadores e prefeitos.
A desenvoltura logo atraiu a
atenção do líder do partido, Michel Temer, então debutando na Casa. No início
de 1997, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso precisou aumentar
sua base de sustentação no Congresso e decidiu levar o MDB ao governo, Padilha
deu o grande salto. Indicado por Temer, e chancelado por Britto e Nelson Jobim,
chegou ao Ministério dos Transportes.
Na mesma época, Temer assumia
pela primeira vez a presidência da Câmara. Logo estabeleceram amizade profunda
e leal. Com o fluminense Moreira Franco, assessor de Temer na presidência da
Casa, formaram um dos mais influentes triunviratos do MDB.
Na Esplanada, Padilha não
tardou a lapidar os atributos de articulador político. Ao mesmo tempo, se
especializou na coordenação de campanhas eleitorais, ajudando na vitória de
aliados país afora. Em compensação, enfrentou as primeiras adversidades. Sob a
suspeita de cobrança de propina para liberação de pagamentos no Departamento
Nacional de Estradas de Rodagem (DNER, atual Dnit), demitiu dois diretores e
passou incólume pelo escândalo.
Padilha se elegeu para dois
mandatos sucessivos na Câmara, em 2002 e 2006. Chegou a sonhar em concorrer ao
governo do Estado em 2006, mas abandonou a ideia após o fracasso naquele ano da
pré-candidatura presidencial do então governador Germano Rigotto, o que levou o
correligionário a disputar a reeleição.
Em 2010, tomou um susto ao
ficar de suplente de deputado, após deixar a própria eleição em segundo plano
para ajudar na montagem da aliança com o PT na chapa Dilma-Temer e na
coordenação da campanha emedebista nos Estados. Sua atuação contrariou aliados
gaúchos, já que PT e MDB são adversários históricos no Rio Grande do Sul, mas
jamais diminuiu sua influência no partido. Pensou em concorrer ao Senado em
2014, mas novamente abortou o plano em razão da dedicação à reeleição da dupla
Dilma-Temer.
Voltaria à Esplanada em 2015,
após a reeleição de Dilma. Na época, o governo sofria forte rejeição nas ruas e
no Congresso. Escalado como ministro-chefe da Secretaria de Aviação Civil, na
verdade tinha como missão ajudar na articulação do governo com sua base
parlamentar. Todavia, diante dos desacertos entre Dilma e Temer, deixou o cargo
em 11 meses e passou a ajudar o vice-presidente nas articulações políticas em
meio ao processo de impeachment.
Com Dilma fora do governo e
Temer instalado no principal gabinete do Palácio do Planalto, Padilha foi chefe
da Casa Civil e articulador do novo governo. Conduziu a aprovação da reforma
trabalhista e coordenou as votações que barraram em plenário duas denúncias
criminais que poderiam afastar Temer da Presidência.
Logo tornou-se também alvo da
Lava-Jato. Em setembro de 2017, Padilha foi um dos sete nomes denunciados pela
Procuradoria-Geral da República (PGR) por organização criminosa. Segundo a PGR,
o grupo pediria propina em troca de influência em pastas e estatais. No dia 7
de março de 2023, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) manteve a
decisão que absolveu, em 2021, os políticos acusados no caso, entre eles
Padilha.
Ao final do governo Temer, em
2018, enfrentou problemas sérios de saúde. Em janeiro de 2019, fez um
autotransplante de medula no Hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo,
para erradicar um mieloma múltiplo. O procedimento exigiu sessões de
quimioterapia que o enfraqueceram bastante. Em 18 de julho do mesmo ano, sofreu
hemorragia cerebral superficial, ficando internado no Hospital Moinhos de
Vento, em Porto Alegre.
A doença e as complicações
jurídicas fizeram Padilha submergir. Evitava aparições públicas e declarações
sobre conjuntura política, dedicando-se apenas à família e aos negócios. Em
2022, voltou a circular durante a pré-campanha de Gabriel Souza, seu afilhado
político, ao governo do Estado. Participou de articulações na formação de
alianças e ajudou Gabriel a convencer o MDB a indicá-lo vice de Eduardo Leite
na chapa ao Piratini. Esteve na festa da vitória e voltou a despachar na sede
do partido, no centro de Porto Alegre, delegando tarefas e cobrando
resultados.
Em fevereiro, Padilha soube
que o câncer já estava em fase de metástase. Foi internado para fazer
quimioterapia, mas as sessões não surtiram o efeito desejado, e o quadro se
agravou nos últimos dias.
Padilha deixa sua esposa,
Simone Camargo, seis filhos (Christiane, Aline, Robinson, Taoana, Tales e
Elena), cinco netos (Catherine, Victor, Letícia, Gabriella e Rafael) e o irmão,
João Padilha.
O velório ocorrerá na
quarta-feira (15), das 10h às 17h, no Palácio Piratini, em Porto Alegre, em
solenidade aberta ao público. Após, o corpo será leavdo ao Angelus Memorial e
Crematório para uma cerimônia restrita aos familiares./gauchazh