Ainda que o texto aprovado
pelos constituintes já tenha sofrido 143 modificações (131 delas por meio de
emendas regulares; seis por emendas aprovadas na revisão constitucional de 1994
e outras seis por força da adesão do Brasil a tratados internacionais sobre
direitos humanos), a atual Constituição já é a segunda mais longeva desde a
proclamação da República, em 1889, perdendo apenas para a segunda Carta, que
vigorou por 43 anos, de 1891 e 1934.
Por ter ampliado as
liberdades civis e os direitos individuais, estabelecendo o dever do Estado de
garanti-los a todos os cidadãos e definir o Brasil como um Estado Democrático
de Direito fundado na soberania nacional, cidadania, dignidade humana,
pluralismo político e nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o
texto passou a ser chamado de A Constituição Cidadã.
Em seu discurso na sessão de
promulgação da nova Constituição, o deputado Ulysses Guimarães, presidente da
Assembleia Nacional Constituinte, advertiu que a recém-promulgada Carta não era
“perfeita”. “Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais.
Afrontá-la, nunca”, declarou. “Traidor da Constituição é traidor da pátria. (…)
Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela
desgrace homens e nações. Principalmente na América Latina.”
Brasília - A Assembleia
Nacional Constituinte completa 30 anos de instalação. Na foto, o presidente da assembleia,
deputado Ulysses Guimarães, no dia da promulgação do texto - Arquivo/Agência
Brasil
“A Constituição de 1988 é
fruto da redemocratização e da instituição da ordem democrática do país”,
comentou a então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra RosaWeber, pouco antes de se aposentar e deixar a magistratura, no fim de setembro.
Popular
Outra razão para que, após
três décadas e meia de profundas mudanças sociais e culturais, o texto de 1988
continue sendo chamado de A Constituição Cidadã é o fato de segmentos populares
terem, de forma inédita, participado de sua elaboração.
No regimento que
regulamentava o funcionamento da Assembleia Constituinte, os parlamentares
fizeram constar, entre outras coisas, a determinação de que os constituintes
deveriam acolher e analisar as sugestões de órgãos legislativos estaduais e
municipais, bem como de entidades associativas e tribunais. E, principalmente,
apreciar emendas populares com mais de 30 mil assinaturas de eleitores e
respaldadas por três entidades.
Cento e vinte e duas emendas
populares que, juntas, receberam cerca de 13 milhões de subscrições, foram
apresentadas à Comissão de Sistematização. Oitenta e três delas cumpriram todos
os requisitos regimentais, mas apenas 19 receberam parecer favorável e chegaram
a integrar a Constituição, resultando na aprovação de importantes mecanismos
legais, como o que prevê a possibilidade da sociedade organizada propor à
Câmara dos Deputados um projeto de lei.
Brasília - A Assembleia
Nacional Constituinte completa 30 anos de instalação. A assembleia resultou na
Constituição de 1988. Na foto, o dia da promulgação do texto na assembleia
(Arquivo/Agência Brasil)
Brasília - Assembleia
Nacional Constituinte completa 30 anos de instalação. Na foto, o dia da
promulgação do texto - Arquivo/Agência Brasil
Outro canal de participação
popular foi criado pelo Senado ainda em 1986. Ou seja, meses após o então
presidente da República José Sarney propor ao Congresso Nacional a convocação
de uma Assembleia Constituinte e antes mesmo desta ser instalada, em fevereiro
de 1987. Em uma época em que o Brasil ainda não estava conectado às primeiras
redes que interligavam apenas computadores de institutos de educação e pesquisa
e em que a internet ainda parecia coisa de ficção científica, o Senado decidiu
disponibilizar, nas agências dos Correios de todo o país, formulários para que
os interessados enviassem sugestões, comentários e críticas aos 512 deputados
federais e 82 senadores encarregados de redigir a Carta Magna - incluídos os
suplentes.
“Foi um marco histórico e
acho minha atitude louvável, pois, na época, tudo era uma dificuldade.
Principalmente nas regiões mais distantes, carentes, os direitos sociais da
população eram negados”, lembrou o aposentado Afonso Marques de Sousa, autor de
uma das mais de 72 mil mensagens que cidadãos enviaram ao Congresso Nacional
durante os 20 meses de funcionamento da Assembleia Constituinte.
Na época, Afonso tinha cerca
de 27 anos de idade, o ensino médio completo e morava em Sousa, no interior da
Paraíba. Filho de um ex-dirigente partidário municipal, já compreendia um pouco
dos meandros da política, embora só após a redemocratização tenha decidido
ingressar na vida pública, elegendo-se vereador em 1989. “Até então, não
existia essa coisa de SUS [Sistema Único de Saúde], de remédio gratuito, de
atenção às gestantes e à infância. Tudo era pago, comprado. É a Constituição
que, hoje, garante isso a todo cidadão que precisa”, destacou.
Ao ser entrevistado pela
Agência Brasil, às vésperas de a Constituição completar 35 anos, Sousa não
recordava o teor da mensagem que enviou ao Congresso Nacional. Lembrado de que,
no texto, ele lamentou a morte do presidente Tancredo Neves (que foi
substituído por seu vice, Sarney, a quem coube convocar a Assembleia
Constituinte); manifestava o desejo de que o texto constitucional trouxesse
“tudo de bom e felicidade para a sociedade brasileira” e identificava o
trabalho dos constituintes como a base para que os brasileiros pudessem viver
“uma vida melhor”, o aposentado avaliou que muitas de suas expectativas foram
atingidas.
“Houve uma participação
popular e a democracia garantiu que indivíduos, grupos e associações tivessem
direito não só à representação política, mas a participar e defender seus
direitos. Muita coisa ficou [por] complementar [no texto constitucional].
Muitas brechas ficaram abertas e ainda há muito o que fazer, mas a Constituição
deu muitas oportunidades [direitos], principalmente aos mais pobres. Até a
censura acabou, para que a imprensa tivesse voz”, destacou Afonso, lembrando
que a Carta Magna veda “toda e qualquer censura de natureza política,
ideológica e artística” e qualquer mecanismo legal que “possa constituir
embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de
comunicação social”. “Os constituintes reestruturaram até o Poder Judiciário,
que ganhou mais autonomia administrativa e financeira.”
Brasília - A Assembleia
Nacional Constituinte completa 30 anos de instalação. A assembleia resultou na
Constituição de 1988. Público acompanhou no gramado do Congresso o dia da
promulgação do texto (Arquivo/Agência Brasil)
Brasília - A Assembleia
Nacional Constituinte completa 30 anos de instalação. Público acompanhou no
gramado do Congresso a promulgação do texto - Arquivo/Agência Brasil
Princípios
Mencionada por Sousa em sua
mensagem, a palavra felicidade foi citada por outros cidadãos em suas
contribuições aos constituintes - que, priorizando a objetividade, não a
incluíram no texto constitucional, optando por estabelecer que o Estado
Democrático e a ordem social buscam assegurar o bem-estar social. A preocupação
com o bem-estar aparece oito vezes na redação atualmente em vigor.
A engenheira química e
empresária Ivonice Aires Campos Dias foi uma das pessoas que destacaram a
importância da felicidade. Em sua mensagem, ela apontou a educação como
prioridade e elencou valores como liberdade, confiança, estabilidade,
eficiência e justiça como metas a serem perseguidas.
“Não me lembrava mais das
palavras, mas, hoje, eu escreveria igualzinho”, afirmou Ivonice após a
reportagem lembrá-la do teor da mensagem escrita em novembro de 1986, quando
ela, casada, mãe de três filhos e experiente profissional de dois setores até
hoje caracterizado pela pouca presença feminina (mineração e energia), decidiu
dar sua "modesta, mas generosa contribuição".
“Eu hoje presido o Conselho
da Mulher Empresária, da Associação Comercial do Distrito Federal, e temos
esses mesmos valores como princípios. É muito bom rever [a mensagem] e
verificar que isso faz parte da minha trajetória. E que muito daquilo que
desejávamos vem se realizando”, comentou a empresária que, ao longo dos anos,
ocupou importantes cargos na iniciativa privada e no setor público, incluindo a
Secretaria de Articulação e Parcerias do extinto Ministério da Cidadania.
Brasília - A Assembleia
Nacional Constituinte completa 30 anos de instalação. A assembleia resultou na
Constituição de 1988. Na foto, o dia da promulgação do texto na assembleia (Arquivo/Agência
Brasil)
Brasília - A Assembleia
Nacional Constituinte completa 30 anos de instalação. Na foto, o dia da promulgação do texto -
Arquivo/Agência Brasil
“O momento da Constituinte
foi de muita alegria, euforia e esperança. O texto aprovado não só permitiu a
condução do Brasil para o processo democrático, como contribuiu para as
melhorias em termos de qualidade de vida e segue nos orientando e inspirando até
hoje”, disse Ivonice antes de comentar as mudanças que o texto original sofreu
ao longo dos anos e o processo de regulamentação de vários artigos
constitucionais. “Há um espaço importante que integra o processo de
aperfeiçoamento e adaptação de um país. E muito o que ser feito, mas considero
que nossa população, nosso país, vem evoluindo de maneira muito bonita. E com
as oportunidades que as novas tecnologias nos oferecem, creio que estamos
prontos para evoluir ainda mais e a Constituição segue sendo um norte”,
concluiu Ivonice./Agência Brasil