O Ministério da Educação
(MEC) liberou nesta quinta-feira (6) o que pode ser um marco na educação no
Brasil. Trata-se da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Esse é o nome dado a
um conjunto de definições que mostram o que cada criança do país, desde a creche
até o fim do ensino médio, tem o direito de aprender em cada ano na escola,
independentemente da região em que more e de sua classe social. O MEC liberou
as definições para educação infantil (inclusive creche) até o 9º ano. O
documento para o ensino médio sairá em 2018.
Sala de aula no Brasil metade
dos alunos não sabe interpretar texto (Foto: LEO DRUMOND / NITRO) O MEC liberou nesta
quinta-feira (6) as definições para a educação infantil até o 9º ano (Foto: Leo
Drumond/Nitro)
Por básico que pareça, não há
consenso sobre o que deve ser ensinado em cada ano na escola. Há disparidades
em todo o país e as diferenças ocorrem mesmo entre escolas de uma mesma cidade.
Uma criança do 3º ano de uma cidade pode saber muito mais ou muito menos do que
uma criança de outra região no mesmo ano.
A falta de definição sobre
direitos de aprendizagem alimentou, ao longo dos anos, uma cruel desigualdade
de oportunidades em todo o país. O documento liberado agora permitirá que
escolas montem currículos sintonizados com os mesmos objetivos de aprendizagem
e que as redes de ensino preparem cursos de formação para os professores com
foco no que cada um deve saber para ensinar conforme a etapa em que for
trabalhar.
Por básico que pareça, até
hoje, as faculdades e os cursos de formação para professores trabalhavam sem
essa definição. A expectativa, agora, é que isso mude. Entenda o que é a Base
Nacional Comum Curricular, que impacto poderá ter nas salas de aula e os
principais desafios de implantação:
A Base não é o currículo
A Base Nacional Comum é um
documento que determina os conhecimentos que cada criança, de acordo com o ano
que estiver na escola, deve adquirir. Essencialmente, a Base não é o currículo
por dois aspectos fundamentais. Em primeiro lugar, porque a Base diz o que é
importante que a criança aprenda, mas não diz como isso será feito.
Quem define a forma de
ensinar esses conteúdos é o currículo da escola, que deve ter liberdade para
escolher a didática a ser aplicada. Uma escola construtivista ensinará as habilidades
previstas na Base Nacional Comum de uma forma e uma escola tradicional de
outra.
Cada uma usará métodos e materiais distintos para chegar àquele
resultado, em tempos diferentes também. O importante é que no fim daquele ano
escolar os alunos das duas escolas estejam aptos a entender o que foi
determinado pela Base.
>> Entre jovens de 20
países, os brasileiros são os mais desmotivados
O segundo ponto importante é
que as definições da Base compõem cerca de 60% do que será ensinado em um ano.
Os outros 40% ficam a cargo da definição da escola e da rede de ensino. Uma
escola que quer dar mais ênfase a matemática ou ciências poderá complementar a
carga horária com outras aulas sobre o tema. O mesmo ocorre com escolas que
queiram dar mais ênfase a linguagens, artes, esportes ou à cultura regional.
No fim, o currículo de cada
escola poderá ser único, sem que isso resulte em desigualdades. O que é
essencial todas as crianças aprenderão, independentemente de como o currículo
de cada escola será desenhado.
Por que ter uma Base Nacional
Comum?
Até hoje, o país nunca teve
um documento capaz de dizer claramente o que cada criança tem de aprender. Na
prática, essa definição fica a cargo de cada escola. Na rede pública, muitas
escolas selecionam o conteúdo a partir do livro didático que são levadas a
adotar. Dependendo de cada região do país, o conteúdo varia muito.
Um estudante do 3º ano de
grandes cidades pode dominar contas de multiplicação de dois dígitos, enquanto
alunos do mesmo período de outras regiões podem terminar o ano sem assimilar a
lógica da multiplicação. A alfabetização é o caso mais gritante de disparidade.
Entre as crianças de 8 anos, apenas uma em cada cinco é capaz de ler uma frase
inteira.
Quando implantada
nacionalmente, a Base será uma oportunidade de diminuir desigualdades de
aprendizagem e de oportunidade. Independentemente de haver troca de professor,
mudança de escola e de cidade, cada família sabe o que suas crianças devem
aprender e podem cobrar esse desempenho delas e da escola.
>> Sensação de
despreparo é o que mais atrapalha o desenvolvimento dos jovens, diz pesquisa
A Base para bebês e crianças pequenas
A Base Nacional Comum define
direitos de aprendizagem para crianças a partir de zero ano. O primeiro período
contemplado pela Base vai de 0 a 1,4 ano de idade, quando o bebê está lá na
creche. Para crianças pequenas, não se trata de dar aulas formais.
A Base Nacional Comum
explicita a importância de promover interações saudáveis e brincadeiras para
que a criança se desenvolva. Ela define cinco campos de experiência que ajudam
o bebê a crescer de forma saudável ao longo do tempo.
São elas: a percepção da
interação do eu e do outro; as relações com o corpo, os gestos e os movimentos;
o reconhecimento de traços, sons, cores; o incentivo à oralidade e ao
reconhecimento da escrita e o desenvolvimento da percepção de espaço, tempo,
quantidades e transformações. Todas essas experiências se dão tanto com a
brincadeira espontânea quanto com a brincadeira com intenção educativa.
Esse segundo caso ocorre
quando o professor define um tempo para as crianças terem contato com formas e
cores, quando ele promove brincadeiras que demandem interações ou quando ele
cria um ambiente envolvente ao contar uma história.
"Ao fazer a curadoria
do que a criança explora brincando em cada tempo, o professor está aplicando a
brincadeira com intencionalidade educacional sem, com isso, cercear a liberdade
dos pequenos", diz Beatriz Ferraz, educadora especializada em educação
infantil e membro do Movimento pela Base Nacional.
A Base e as emoções
Um dos avanços da Base
Nacional Comum é o reconhecimento de que o desenvolvimento integral da criança
é tão importante para sua formação quanto o aprendizado de cálculos. Nesse
ponto, desenvolvimento integral não tem relação com estudos em tempo integral.
O termo é usado para falar do amadurecimento da criança em reconhecer suas
emoções e suas habilidades sociais.
A Base traz como um dos
objetivos dos 17 anos de educação básica a criança aprender a
"conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional,
reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para
lidar com elas e com a pressão do grupo". É a primeira vez que esse
assunto aparece explicitamente como um dos deveres da escola e direito da
criança.
"É um avanço no conceito
de educação falar da importância do social e do emocional na vida da criança”
diz Mozart Ramos Neves, diretor de inovação e articulação do Instituto Ayrton
Senna, ex-Secretário de Educação de Pernambuco e ex-reitor da Universidade
Federal de Pernambuco. "O grande desafio é preparar o professor para
trabalhar esses aspectos com a criança. Esse deve ser um foco prioritário da
implantação".
A Base e os professores
Com a Base, ao ter clareza
sobre o que cada criança deve aprender em cada etapa, o professor passa a ter
segurança do que deve ser capaz de ensinar e, assim, pode se preparar melhor
para a tarefa. Da mesma forma, escolas e redes de ensino podem preparar melhor
os cursos de formação. Com clareza sobre o objetivo final, a efetividade dos
treinamentos dados aos professores aumenta exponencialmente.
O mesmo deve
ocorrer com as faculdades, que passarão a usar a Base para redesenhar o que o
aluno de pedagogia e das licenciaturas devem dominar para se tornar um bom
professor. "Sem preparar bem o
docente, a Base não sairá do papel", diz Mozart Neves Ramos, do Instituto
Ayrton Senna.
A Base e os pais
Com a Base Nacional Comum, as
famílias passam a ter clareza sobre o que suas crianças devem aprender em cada
etapa escolar. Dessa forma, podem acompanhar, cobrar e contribuir com a escola
no alcance desses objetivos. >> Ao ajustar contas, Espírito Santo reduz o
investimento em educação
Como a Base foi feita
A Base está sendo anunciada
pelo governo, mas foi formulada em conjunto com centenas de professores e a participação de milhares de
pessoas. O trabalho começou em 2014, com a reunião de 116 professores
especialistas para a formulação da primeira versão do documento, posto em
consulta pública em 2015.
Entre setembro de 2015 e março de 2016, o MEC recebeu
mais de 12 milhões de contribuições, que foram base para a elaboração da
segunda versão do documento. A partir de então, mais de 9 mil recomendações de
professores, gestores de educação e alunos foram sistematizadas para dar forma
à terceira versão, liberada hoje.
Os prazos da Base
A terceira versão, liberada
hoje, seguirá agora para o Conselho Nacional de Educação (CNA). O Conselho deve
levar cerca de seis meses para dar seu parecer. A expectativa é que o conselho
proponha alguns ajustes finos a essa versão, que já foi bastante discutida.
A
partir de então, a Base será homologada e começa o processo de implantação, que
deve levar cerca de dois anos. Na prática, a Base Nacional Comum deve chegar às
salas de aula a partir de 2020, para a educação infantil e para o Fundamental I
e II (do 1º ao 9º ano).
A Base e o Ensino Médio
Por conta das mudanças que
ocorrerão no Ensino Médio, a elaboração da Base para essa etapa recebeu um
prazo maior. O documento deverá ser liberado no segundo semestre de 2018.
E, se
os prazos de avaliação do Conselho Nacional de Educação e de homologação
seguirem o mesmo percurso, as diretrizes da Base devem chegar à sala de aula do
Ensino Médio cerca de um ano depois que estiver em uso nas demais etapas da
Educação Básica. >> Ex-alunos se mobilizam para restaurar escola pública
na Mooca, em São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário