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quinta-feira, 6 de abril de 2017

Pela primeira vez, o Brasil saberá o que cada aluno tem de aprender



Sala de aula no Brasil metade dos alunos não sabe interpretar texto (Foto: LEO DRUMOND / NITRO)

O Ministério da Educação (MEC) liberou nesta quinta-feira (6) o que pode ser um marco na educação no Brasil. Trata-se da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Esse é o nome dado a um conjunto de definições que mostram o que cada criança do país, desde a creche até o fim do ensino médio, tem o direito de aprender em cada ano na escola, independentemente da região em que more e de sua classe social. O MEC liberou as definições para educação infantil (inclusive creche) até o 9º ano. O documento para o ensino médio sairá em 2018.

Sala de aula no Brasil metade dos alunos não sabe interpretar texto (Foto: LEO DRUMOND / NITRO) O MEC liberou nesta quinta-feira (6) as definições para a educação infantil até o 9º ano (Foto: Leo Drumond/Nitro)

Por básico que pareça, não há consenso sobre o que deve ser ensinado em cada ano na escola. Há disparidades em todo o país e as diferenças ocorrem mesmo entre escolas de uma mesma cidade. Uma criança do 3º ano de uma cidade pode saber muito mais ou muito menos do que uma criança de outra região no mesmo ano.

A falta de definição sobre direitos de aprendizagem alimentou, ao longo dos anos, uma cruel desigualdade de oportunidades em todo o país. O documento liberado agora permitirá que escolas montem currículos sintonizados com os mesmos objetivos de aprendizagem e que as redes de ensino preparem cursos de formação para os professores com foco no que cada um deve saber para ensinar conforme a etapa em que for trabalhar.

Por básico que pareça, até hoje, as faculdades e os cursos de formação para professores trabalhavam sem essa definição. A expectativa, agora, é que isso mude. Entenda o que é a Base Nacional Comum Curricular, que impacto poderá ter nas salas de aula e os principais desafios de implantação:

A Base não é o currículo

A Base Nacional Comum é um documento que determina os conhecimentos que cada criança, de acordo com o ano que estiver na escola, deve adquirir. Essencialmente, a Base não é o currículo por dois aspectos fundamentais. Em primeiro lugar, porque a Base diz o que é importante que a criança aprenda, mas não diz como isso será feito.

Quem define a forma de ensinar esses conteúdos é o currículo da escola, que deve ter liberdade para escolher a didática a ser aplicada. Uma escola construtivista ensinará as habilidades previstas na Base Nacional Comum de uma forma e uma escola tradicional de outra. 

Cada uma usará métodos e materiais distintos para chegar àquele resultado, em tempos diferentes também. O importante é que no fim daquele ano escolar os alunos das duas escolas estejam aptos a entender o que foi determinado pela Base.

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O segundo ponto importante é que as definições da Base compõem cerca de 60% do que será ensinado em um ano. Os outros 40% ficam a cargo da definição da escola e da rede de ensino. Uma escola que quer dar mais ênfase a matemática ou ciências poderá complementar a carga horária com outras aulas sobre o tema. O mesmo ocorre com escolas que queiram dar mais ênfase a linguagens, artes, esportes ou à cultura regional.

No fim, o currículo de cada escola poderá ser único, sem que isso resulte em desigualdades. O que é essencial todas as crianças aprenderão, independentemente de como o currículo de cada escola será desenhado.

Por que ter uma Base Nacional Comum?

Até hoje, o país nunca teve um documento capaz de dizer claramente o que cada criança tem de aprender. Na prática, essa definição fica a cargo de cada escola. Na rede pública, muitas escolas selecionam o conteúdo a partir do livro didático que são levadas a adotar. Dependendo de cada região do país, o conteúdo varia muito.

Um estudante do 3º ano de grandes cidades pode dominar contas de multiplicação de dois dígitos, enquanto alunos do mesmo período de outras regiões podem terminar o ano sem assimilar a lógica da multiplicação. A alfabetização é o caso mais gritante de disparidade. Entre as crianças de 8 anos, apenas uma em cada cinco é capaz de ler uma frase inteira.

Quando implantada nacionalmente, a Base será uma oportunidade de diminuir desigualdades de aprendizagem e de oportunidade. Independentemente de haver troca de professor, mudança de escola e de cidade, cada família sabe o que suas crianças devem aprender e podem cobrar esse desempenho delas e da escola.

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A  Base para bebês e crianças pequenas

A Base Nacional Comum define direitos de aprendizagem para crianças a partir de zero ano. O primeiro período contemplado pela Base vai de 0 a 1,4 ano de idade, quando o bebê está lá na creche. Para crianças pequenas, não se trata de dar aulas formais.

A Base Nacional Comum explicita a importância de promover interações saudáveis e brincadeiras para que a criança se desenvolva. Ela define cinco campos de experiência que ajudam o bebê a crescer de forma saudável ao longo do tempo.

São elas: a percepção da interação do eu e do outro; as relações com o corpo, os gestos e os movimentos; o reconhecimento de traços, sons, cores; o incentivo à oralidade e ao reconhecimento da escrita e o desenvolvimento da percepção de espaço, tempo, quantidades e transformações. Todas essas experiências se dão tanto com a brincadeira espontânea quanto com a brincadeira com intenção educativa.

Esse segundo caso ocorre quando o professor define um tempo para as crianças terem contato com formas e cores, quando ele promove brincadeiras que demandem interações ou quando ele cria um ambiente envolvente ao contar uma história. 

"Ao fazer a curadoria do que a criança explora brincando em cada tempo, o professor está aplicando a brincadeira com intencionalidade educacional sem, com isso, cercear a liberdade dos pequenos", diz Beatriz Ferraz, educadora especializada em educação infantil e membro do Movimento pela Base Nacional.

A Base e as emoções

Um dos avanços da Base Nacional Comum é o reconhecimento de que o desenvolvimento integral da criança é tão importante para sua formação quanto o aprendizado de cálculos. Nesse ponto, desenvolvimento integral não tem relação com estudos em tempo integral. O termo é usado para falar do amadurecimento da criança em reconhecer suas emoções e suas habilidades sociais.

A Base traz como um dos objetivos dos 17 anos de educação básica a criança aprender a "conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas e com a pressão do grupo". É a primeira vez que esse assunto aparece explicitamente como um dos deveres da escola e direito da criança.

"É um avanço no conceito de educação falar da importância do social e do emocional na vida da criança” diz Mozart Ramos Neves, diretor de inovação e articulação do Instituto Ayrton Senna, ex-Secretário de Educação de Pernambuco e ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco. "O grande desafio é preparar o professor para trabalhar esses aspectos com a criança. Esse deve ser um foco prioritário da implantação".

A Base e os professores

Com a Base, ao ter clareza sobre o que cada criança deve aprender em cada etapa, o professor passa a ter segurança do que deve ser capaz de ensinar e, assim, pode se preparar melhor para a tarefa. Da mesma forma, escolas e redes de ensino podem preparar melhor os cursos de formação. Com clareza sobre o objetivo final, a efetividade dos treinamentos dados aos professores aumenta exponencialmente. 

O mesmo deve ocorrer com as faculdades, que passarão a usar a Base para redesenhar o que o aluno de pedagogia e das licenciaturas devem dominar para se tornar um bom professor.  "Sem preparar bem o docente, a Base não sairá do papel", diz Mozart Neves Ramos, do Instituto Ayrton Senna.

A Base e os pais

Com a Base Nacional Comum, as famílias passam a ter clareza sobre o que suas crianças devem aprender em cada etapa escolar. Dessa forma, podem acompanhar, cobrar e contribuir com a escola no alcance desses objetivos. >> Ao ajustar contas, Espírito Santo reduz o investimento em educação

Como a Base foi feita

A Base está sendo anunciada pelo governo, mas foi formulada em conjunto com centenas de  professores e a participação de milhares de pessoas. O trabalho começou em 2014, com a reunião de 116 professores especialistas para a formulação da primeira versão do documento, posto em consulta pública em 2015. 

Entre setembro de 2015 e março de 2016, o MEC recebeu mais de 12 milhões de contribuições, que foram base para a elaboração da segunda versão do documento. A partir de então, mais de 9 mil recomendações de professores, gestores de educação e alunos foram sistematizadas para dar forma à terceira versão, liberada hoje.

Os prazos da Base

A terceira versão, liberada hoje, seguirá agora para o Conselho Nacional de Educação (CNA). O Conselho deve levar cerca de seis meses para dar seu parecer. A expectativa é que o conselho proponha alguns ajustes finos a essa versão, que já foi bastante discutida. 

A partir de então, a Base será homologada e começa o processo de implantação, que deve levar cerca de dois anos. Na prática, a Base Nacional Comum deve chegar às salas de aula a partir de 2020, para a educação infantil e para o Fundamental I e II (do 1º ao 9º ano).

A Base e o Ensino Médio


Por conta das mudanças que ocorrerão no Ensino Médio, a elaboração da Base para essa etapa recebeu um prazo maior. O documento deverá ser liberado no segundo semestre de 2018. 

E, se os prazos de avaliação do Conselho Nacional de Educação e de homologação seguirem o mesmo percurso, as diretrizes da Base devem chegar à sala de aula do Ensino Médio cerca de um ano depois que estiver em uso nas demais etapas da Educação Básica. >> Ex-alunos se mobilizam para restaurar escola pública na Mooca, em São Paulo

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