A segunda turma do STF
(Supremo Tribunal Federal) mandou soltar o ex-ministro José Dirceu, condenado a
mais de 30 anos de prisão pelo juiz Sergio Moro, para que ele espere o
julgamento dos recursos em liberdade.
Em sessão nesta terça-feira,
os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli decidiram pela
soltura - Celso de Mello e o relator da operação Lava Jato na corte, Edson
Fachin, votaram pela manutenção da prisão, mas acabaram vencidos. A decisão foi
tomada no mesmo dia em que a força-tarefa em Curitiba apresentou uma nova
denúncia contra o petista.
Dirceu é o quarto preso da
Lava Jato a ser liberado pelo STF nas últimas semanas — antes, obtiveram
vitórias o ex-tesoureiro do PP João Claudio Genu e os empresários José Carlos
Bumlai e Eike Batista.
De acordo com especialistas
ouvidos pela BBC Brasil, a soltura do ex-ministro pode representar uma reversão
de tendência em decisões da corte em relação às prisões preventivas da Lava
Jato. Isso poderia indicar que as decisões de Moro de manter acusados detidos,
antes confirmadas em sua maioria pelas instâncias superiores, agora correm
risco.
"Isso pode ser uma volta
para os fundamentos mais ortodoxos da prisão preventiva", afirma o
professor Rubens Glezer, da Escola de Direito da FGV/SP (Fundação Getulio
Vargas de São Paulo).
A prisão preventiva, por
ocorrer sem que haja flagrante ou condenação de segunda instância, precisa
estar justificada em algumas situações excepcionais, como risco de o
investigado atrapalhar as investigações ou fugir do país. Advogados de alvos da
operação têm acusado a Lava Jato de afrouxar essas regras para estender as
prisões e obter delações, o que os procuradores negam.
"Eu acho que essas
justificativas um pouco mais alargadas, um pouco mais heterodoxas que a operação
Lava Jato trouxe não estariam mais sendo aceitas (por instâncias
superiores)", disse Glezer.
Isso faria, na visão do
professor, com que se exija mais esforço dos procuradores para prosseguir com
as prisões preventivas que, na sua opinião, contribuíram com as delações
premiadas, um dos motores da Lava Jato.
Caso singular?
Para Glezer, a decisão
favorável a Dirceu vai ao encontro das que determinaram a liberação dos outros
acusados - algo do qual o presidente da ANPR (Associação Nacional dos
Procuradores da República), José Robalinho Cavalcanti, discorda.
"O caso do Dirceu tem
algumas complicações. Ele continuou praticando crimes, mesmo condenado na ação
do mensalão e já iniciada a operação Lava Jato", afirmou ele. "Isso
(a soltura) pode ser uma sinalização a favor da impunidade."
Para o procurador, Dirceu
representa não só uma liderança entre quem praticou delitos investigados pela
operação, mas também é alguém que continuou praticando crimes enquanto cumpria
pena pelo mensalão - escândalo que envolveu a compra, com recursos desviados,
de apoio parlamentar ao governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em termos leigos, disse ele,
a soltura do ex-ministro da Casa Civil traz a pergunta: se Dirceu não pode ser
preso preventivamente, quem pode?
Robalinho Cavalcanti vê diferenças
entre o caso do petista e os dos outros acusados soltos recentemente: Bumlai
tem câncer terminal e Genu estava preso havia muito tempo e não teria a
capacidade de afetar as investigações, afirmou, lembrando as decisões recentes
do STF.
Roberto Podval, advogado que
representa Dirceu, tem avaliação diferente.
"Foi um julgamento
interessante, que demonstra que o posicionamento do Supremo hoje é de que as
prisões preventivas estão sendo exageradas."
'Reversão de tendência'
Glezer avalia que a
"reversão de tendência" no STF ocorre, na verdade, desde a morte, em
janeiro, do ministro e então relator da Lava Jato na corte, Teori Zavascki.
"Quando o ministro
Fachin assume a relatoria da Lava Jato, existe uma mudança na dinâmica dos
julgamentos da Segunda Turma. O ministro Teori Zavascki conseguia exercer uma
autoridade nesses julgamentos que não tem sido vista, até agora, ser exercida
do mesmo jeito pelo Fachin", explicou.
Para o professor da FGV, a
morte de Teori marcou uma transferência informal de liderança na Segunda Turma
para Gilmar, que tem se posicionado pelo afrouxamento das prisões preventivas.
Em fevereiro, após o sorteio
que definiu Fachin como novo relator da Lava Jato, Gilmar declarou:
"Acho que temos um
encontro marcado com as alongadas prisões que se determinam em Curitiba. E nós temos
que nos posicionar sobre esse tema que, em grande estilo, discorda e conflita
com a jurisprudência que desenvolvemos ao longo desses anos."
'Tendência liberal'
Já o ex-ministro do STF
Carlos Ayres Britto, que presidiu a corte durante o início do julgamento do
mensalão, afirmou não acreditar que o tribunal esteja libertando mais presos
que antes.
"Há ministros que têm
uma tendência mais liberal", disse ele, que argumentando que a corte já
tem um histórico de altas taxas de concessão liberdade a presos preventivos.
O ministro acrescentou que,
quando presidiu a Segunda Turma do STF, em 2012, fez um levantamento que já
havia demonstrado isso: o habeas corpus era concedido em cerca de 33% dos
casos, o que representaria um índice alto.
"Na época, éramos eu, o
Gilmar, o Celso de Mello, a Ellen (Gracie) e Joaquim Barbosa", disse,
sobre a Segunda Turma. Celso e Gilmar permanecem no colegiado até hoje.
Independentemente do mérito
da decisão da corte pela soltura do ex-líder petista, o promotor Roberto
Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, avalia que a soltura de
Dirceu tem um impacto ruim sobre a percepção que a sociedade tem sobre a
impunidade.
"Durante muito tempo no
país, acreditou-se que a Justiça apenas alcançava as pessoas dos extratos mais
humildes, as pessoas sem qualquer poder. Com o processo do mensalão e com a
Lava Jato, nós tivemos situações que claramente demonstram que pessoas
detentoras de parcelas importantes do poder político e econômico foram
alcançadas pela lei", disse.
"Ou seja, o princípio da
isonomia da lei sai do papel e se torna realidade concreta."
Ele afirmou que essas
solturas causam a impressão de que a Justiça está sendo benevolente com
poderosos. "Esse é um juízo leigo que naturalmente as pessoas fazem, eu
não estou entrando no mérito se está correto ou não está correto."
Nova denúncia
José Dirceu está preso desde
agosto de 2015, quando foi alvo da 17ª fase da Lava Jato, chamada de
"Pixuleco".
Desde então, foi condenado
duas vezes por Moro. A primeira sentença, de 20 anos de prisão, foi determinada
em maio do ano passado pelos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção passiva e
organização criminosa. Em março deste ano, novo julgamento resultou em outra
pena, desta vez de 11 anos, por corrupção passiva e lavagem.
Ele poderá voltar à prisão
caso tenha no mínimo uma de suas condenações confirmadas pelo Tribunal Regional
Federal da 4ª Região, corte responsável por avaliar, em segunda instância, as
decisões tomadas por Moro.
No caso do mensalão, Dirceu
havia sido condenado a 7 anos e 11 meses de prisão por corrupção ativa e ficou
354 dias preso antes de ir para prisão domiciliar. Como trabalhou e estudou,
conseguiu abater 142 dias da pena.
Ao apresentar a nova denúncia
nesta terça-feira, o procurador Deltan Dallagnol disse a jornalistas que a
acusação já estava sendo elaborada, mas a força-tarefa resolveu antecipá-la
devido à sessão que decidiria o futuro de Dirceu no STF.
No julgamento, Gilmar
criticou a medida tomada pelos procuradores.
"Há pessoas que têm
compreensão equivocada do seu papel. Não cabe a procurador da República
pressionar, como não cabe a ninguém pressionar o Supremo Tribunal Federal, seja
pela forma que quiser. É preciso respeitar as linhas básicas do Estado de
Direito. Quando quebramos isso, estamos semeando o embrião do viés
autoritário", afirmou ao apresentar seu voto.
Dallagnol reagiu à decisão da
corte em uma postagem no Facebook.
"O que mais chama a
atenção, hoje, é que a mesma maioria da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal
que hoje soltou José Dirceu - ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo
Lewandowski - votaram para manter presas pessoas em situação de menor gravidade,
nos últimos seis meses", escreveu.
"Fica um receio. Na Lava
Jato, os políticos Pedro Correa, André Vargas e Luiz Argolo estão presos desde
abril de 2015, assim como João Vaccari Neto. Marcelo Odebrecht desde junho de
2015. Os ex-diretores (da Petrobras) Renato Duque e Jorge Zelada desde março e
julho de 2015. Todos há mais tempo do que José Dirceu."
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