A trágica história de Ana Raquel Santos da Trindade, 31, teve um final inusitado em Florianópolis (SC). Na última quinta-feira (17), ela foi absolvida por unanimidade pelo assassinato, em 2014, do ex-namorado Renato Patrick Machado de Menezes. Tanto o promotor Andrey Cunha Amorim quanto os jurados entenderam que ela não tinha mais recursos diante da ineficiência do serviço de proteção à mulher. Ana já havia registrado 20 boletins de ocorrência contra o agressor, mas ele nunca foi preso.
Ana, que é gaúcha, conheceu o paranaense Renato em Florianópolis, em fevereiro de 2013, e rapidamente eles começaram a namorar. Massoterapeuta, ela foi convidada pelo novo namorado para trabalhar em seu spa, em Curitiba, e aceitou.
“Ele foi me buscar na rodoviária e, depois, sumiu por uns três dias. Quando voltou, primeiro, disse que ia fazer uma massagem em mim. Eu não imaginava que ele estava drogado e que eu seria estuprada. Fui dopada, trancada no quarto, lembro dele em cima de mim tendo relações comigo”, relatou a gaúcha no processo.
Após ser violentada, Ana tentou ir embora, mas não pôde. Renato ameaçava matar o filho de quatro anos (na época) da massoterapeuta e sua família, que continuavam em Santa Catarina. Ana descobriu que o spa de Renato era, na verdade, uma casa de prostituição. Ele ganhava dinheiro transformando massoterapeutas em “terapeutas sexuais” e fez o mesmo com a namorada, que passou a ser agredida e estuprada também por outros homens. Ela ainda era mantida acorrentada dentro do quarto e ficava sem comer por vários dias. “Eu me sentia um lixo. Pedia a Deus para morrer logo”, contou.
O caso foi denunciado à polícia paranaense, mas o prostíbulo continuou aberto. Após seis meses, ela conseguiu fugir. Voltou para sua casa em Florianópolis e reforçou a segurança com grades de ferro e cerca elétrica, mas não foi suficiente. Durante um ano e meio, Renato a perseguiu. Somente na 6ª Delegacia de Polícia de Florianópolis, especializada em violência doméstica, ela registrou 15 boletins – oito por estupro, três por tentativa de assassinato em frente ao filho e quatro por ameaças de morte. Ela também solicitou à Justiça uma medida protetiva, para impedi-lo de se aproximar, mas foi negada.
“A verdade é que a Justiça falhou com ela. Muita antes do pedido da medida, ele deveria ter sido preso pela Lei Maria da Penha”, afirmou o promotor Andrey Amorim. Na penúltima vez que Renato invadiu sua casa, cerca de dez dias antes do crime, ela resolveu comprar um revólver. No dia 16 de novembro de 2014, quando ouviu o agressor forçando o portão, correu e buscou a arma calibre 32, escondida embaixo do colchão. Atirou 12 vezes, acertou nove balas. Ele não resistiu aos ferimentos e morreu após duas semanas.
Ana foi detida e levada ao Presídio Feminino, na Agronômica, onde ficou sabendo da morte de Renato. Ficou 24 dias presa e, no dia da soltura, foi aplaudida pelas outras detentas. Durante o período que aguardou o julgamento em liberdade, cumpriu todas as exigências legais e se apresentou regularmente ao juiz. Ela não tinha nenhum antecedente criminal.
Sete testemunhas reiteraram a versão de Ana durante o julgamento. Quando questionada pelo promotor se sentia remorso, ela disse estar “aliviada”, que preferia “viver na cadeia a sofrer tanta violência”. Para o promotor outro desfecho não seria possível. “Ele fez da vida dela um inferno. Só restou o direito à legítima defesa”.
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