RIO - Os cariocas,
especialmente os religiosos praticantes, não concordam com a afirmação “bandido
bom é bandido morto”. Em contrapartida, a defesa dos direitos humanos é
incompatível com o controle da criminalidade. Essas são algumas observações da
pesquisa “Olho por olho? — O que pensam os cariocas sobre ‘bandido bom é
bandido morto’”, realizada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania
(CeSeC) da Universidade Cândido Mendes.
O estudo, feito entre março e
abril de 2016, aplicou questionários para 2.353 pessoas, amostragem
representativa da população do município do Rio de Janeiro com 16 anos ou mais.
Coordenado pelos pesquisadores Julita Lemgruber, Leonarda Musumeci e Ignacio Cano,
identificou que 60% do moradores do Rio rejeitam a ideia de justiçamento
expressa na frase “bandido bom é bandido morto”. A parcela da sociedade que
mais discorda da afirmação é a formada por religiosos praticantes, em sua
maioria evangélicos: entre eles, 73,4% rejeita a ideia.
Veja também • PM flagrado
executando homem caído deu versões diferentes sobre crime • PMs flagrados em
vídeo atirando em homens na Pavuna são presos • PMs que executaram homens em
Acari são envolvidos em 37 autos de resistência • VÍDEOPMs executam dois jovens
em frente à escola onde adolescente foi baleada Apenas 31% dos entrevistados
apoiam integralmente a ideia; 6% das pessoas ouvidas disseram concordar
parcialmente, enquanto 3% são neutros ou não responderam.
A boa nova dessa pesquisa é
que não há posições consolidadas em relação a esse tema. Embora, 37% da
população apoia o bordão, quando a gente vai a temas específicos, por exemplo,
a maioria apoio a execução extrajudicial? Não. A maioria da população acredita
na possibilidade de que um bandido pode se transformar em um cidadão de bem?
Sim. Temos uma contradição, mas fica claro que a população não aceita violações
específicas. Para ela, o importante é que a pesquisa aponta para a
possibilidade de desconstrução dessa lógica, desse bordão.
Há espaço para discussão. Há
espaço para discutir com a sociedade sobre como superar essa aparente
contradição entre direitos humanos e controle da criminalidade — afirmou
Julita. Sobre 37% dos cariocas aprovarem o bordão, numa cidade tão violenta
como o Rio de Janeiro, surpreendeu os pesquisadores. Esse número é um número
inferior ao de outras pesquisas que levantaram dados para a população
brasileira como um todo. Acho que isso também nos leva a crer que a população
no Rio de Janeiro tem preocupações em relação à polícia.
Por exemplo, 70% dos
entrevistados disseram que a polícia não pode ter carta branca para matar. Essa
violência da polícia e preocupação com o nível de violência no Rio de Janeiro
também estão claramente reveladas nesses dados da pesquisa. É uma sociedade que
não acredita na polícia e não acredita na justiça.
De acordo com a pesquisa, os
fatores que mais influenciam na resposta são renda e sexo — pessoas de renda
alta apoiam menos o enunciado, concluiu o levantamento. Não há diferença
significativa, entretanto, de opinião por faixa etária, raça, estado civil ou
moradores ou não de favelas. A defesa dos direitos humanos, no entanto, não tem
respaldo na sociedade carioca. Para 73% dos entrevistados, a defesa dos
direitos humanos é incompatível com o controle da criminalidade, sendo que 56%
pensa que os apoiadores da ideia “só estão defendendo bandidos”.
Para Julita Lemgruber, é
preciso descontrair essa ideia. Segundo ela, a pesquisa aponta caminhos para
isso e as várias contradições encontradas na pesquisa são positivas: — Quando a
gente toma casos específicos de violação de direitos, a gente vê que o apoio
não é tão grande assim. Então há brechas, há contradições e, é por aí, que os
defensores de direitos humanos, é por aí que nós que nos preocupamos com uma
segurança pública, uma política de segurança que concilie respeito aos direitos
com controle da criminalidade. É essa política de segurança pública que a gente
defende, é por aí que a gente tem que caminhar, eu acho que os dados da
pesquisa apontam caminhos nesse sentido.
A população não quer que a
polícia tenha carta branca para matar. PUBLICIDADE A pesquisadora afirma ainda
que os dados levam a crer que a população confunde essas questões: — A gente
precisa reconstruir com a população a noção de direitos humanos. Direitos
humanos não equivalem a privilégios de bandido. Enquanto todos não tiverem seus
direitos respeitados, nenhum de nós vai ter. É isso que a gente vai ter que
trabalhar com a população . De acordo com Julita, é necessário uma mudança de
abordagem para levar a compreensão sobre direitos humanos para a população.
Acho que a gente tem que
desmistificar uma série de conceitos. Essa demonização, por exemplo, que se fez
no Rio de Janeiro em relação ao tráfico, à figura do traficante, eu acho que
isso precisa ser desconstruído também. Os dados da pesquisa indicam que é a
gente tem caminhos por aí. Para o sociólogo Ignácio Cano, um dos pesquisadores
do estudo, o apoio ao discurso de que “bandido bom é bandido morto” (37%) é
muito preocupante, mas é menor do que foi encontrado em pesquisas recentes. —
Surpreende porque há inúmeras episódios no Rio de Janeiro de execuções
sumários, de abusos dos direitos humanos e figuras políticas, claramente
identificadas com esse bordão.
No Brasil, as pessoas acham
os direitos humanos no Rio de Janeiro haveria mais apoio ainda do que na média
do Brasil a esse tipo de atitude. Não foi isso que a gente encontrou. Ele disse
que a descrença nos sistema criminal, na capacidade do estado de punir os
criminosos é um dos elementos que acaba estimulando esse tipo de atitude. — Por
outro lado, nós descobrimos e isso foi uma novidade da pesquisa, que mesmo
entre quem defende que “bandido bom é bandido morto”, a maioria apoiaria uma
pena de morte legal e não uma execução sumária pela polícia ou em linchamento
pela rua.
Isso também é um elemento
positivo, na medida em que há um certo freio da legalidade perante essas
atitudes de apoio à truculência. A pesquisa também identificou que 73% dos
cariocas acreditam na ressocialização dos criminosos — entre os religiosos
praticantes, essa crença salta para 86%. Outros dados do estudo apontam que 64%
dos cariocas consideram baixa ou muito baixa a chance de um criminoso ser
punido pela justiça. Sobre a segurança pública, 69% das pessoas ouvidas
acreditam que a polícia não sabe distinguir trabalhador de bandido.
OUTROS DADOS DA PESQUISA
VITIMIZAÇÃO Nos 12 meses anteriores à pesquisa, 12% dos entrevistados haviam
sofrido assalto, havendo uma pequena diferença entre a vitimização por roubo de
moradores de favelas (10,3%) e do “asfalto” (13,3%). Mas, quando se trata da
experiência de ter tido alguém assassinado no seu círculo próximo, a distância
se torna maior: nos últimos 5 anos, 34% dos moradores de favelas tiveram algum
familiar, amigo ou colega vítima de homicídio, contra 26% dos não moradores de
favelas.
RELAÇÃO COM A POLÍCIA Dos
entrevistados, 37,6% haviam sido bem atendidos alguma vez por policiais; 18,1%
haviam sido desrespeitados; 6,6%, ameaçados; 4,6%, agredidos e 9,4%,
extorquidos. Embora o percentual de contatos positivos seja maior que o de
negativos, 55% acreditam ser provável ou muito provável tornarem - se vítimas
de violência policial e 39% temem ser confundidos com bandidos pela polícia.
Ambas as expectativas variam bastante, porém, conforme gênero, raça/cor, idade
e local de moradia. (DES)CONFIANÇA NAS INSTITUIÇÕES Os entrevistas também
pontuaram de zero a dez seus graus de confiança nas polícias e na Justiça. A
média dada à Polícia Militar foi bastante baixa (4,9) e inferior à média da
Polícia Civil (5,8). Já a pontuação da Justiça foi de 3,5 , sendo que neste
caso, a nota atribuída com mais frequência (28,2%), foi zero. Ou seja, nenhuma
confiança, e a maioria dos entrevistados (57,7%) deu notas inferiores a cinco.
Embora os diferentes métodos
e definições impeçam uma comparação direta, esse resultado é compatível com os
de outras pesquisas. PUBLICIDADE PRENDER OU MATAR A grande maioria dos
entrevistados acredita que, quando a polícia pode escolher entre prender ou
matar, deve prender, não importa o crime que a pessoa tenha cometido. Há,
porém, parcelas expressivas que defendem execução sumária, que aceitam que a
polícia mate, mesmo tendo a opção de prender, sobretudo de estupradores, mas
também de assassinos, membros de grupos de extermínio, assaltantes,
traficantes, milicianos, corruptos, policiais que agem fora da lei e agressores
de mulheres. VIOLÊNCIA POLICIAL E DIREITOS HUMANOS Não se pode dizer que a
população carioca ignore ou minimize a violência excessiva e a seletividade na
atuação policial.
Pelo contrário, quase dois
terços (62%) dos entrevistados concordam totalmente ou em parte com a afirmação
de que a polícia no Rio de Janeiro mata demais e 70% discordam da ideia de que
o problema da criminalidade se resolveria se a polícia tivesse “carta branca
para matar”. Além disso, 75% acreditam que a polícia é mais violenta na favela
do que no asfalto e 66% acham que ela é mais violenta contra os negros que
contra os brancos.
PENAS MAIORES PARA MENORES DE
IDADE O carioca rejeita, de acordo com o estudo, a execução por parte dos
policiais. Sendo possível, a polícia deve sempre prender em vez de matar, dizem
61% das pessoas ouvidas no levantamento. Para 79% dos entrevistados as penas
deveriam ser mais rigorosas para punição a crimes incluindo os menores de
idade. Entre as pessoas ouvidas no estudo, 86% acredita que os menores deveriam
ser julgados como adultos.
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