Escolas municipais de Ilhéus,
no sul da Bahia, receberam, no ano passado, carnes vencidas desde 2014 que
seriam utilizadas para merenda escolar. O alimento não chegou a ser distribuído
para as crianças porque o Ministério Público da Bahia (MP-BA) descobriu a
irregularidade. Toda a ação foi montada por uma organização criminosa que
fraudava licitações, entre 2009 e 2016, em lhéus, e foi alvo da Operação
Citrus, deflagrada em março deste ano.
Na ocasião, seis foram
levados pela Polícia Civil, e três deles continuam presos. O ex-secretário de
Desenvolvimento Social da cidade, e vereador mais votado em Ilhéus, Jamil
Chagouri Ocké, o ex-secretário da mesma pasta, Kácio Clay Silva Brandão, e o
empresário Enoch Andrade estão presos no Presídio Ariston Cardoso, em Ilhéus. De acordo com o
promotor do Ministério Público da Bahia (MP-BA), Frank Monteiro Ferrari, eles
estão envolvidos no esquema de licitações fraudulentas.
Ferrari explica que o MP
tomou conhecimento de toda a fraude em Ilhéus no âmbito da Secretaria de
Desenvolvimento Social, mas que a investigação do órgão notou que o esquema se
expandia também para outras unidades da estrutura administrativa do município,
como as secretarias de Educação, Saúde, Administração, Desenvolvimento Urbano,
Agricultura e Pesca, além do gabinete do prefeito e também para Câmara
Municipal de Vereadores.
Um colaborador do MP, que
preferiu não se identificar, revelou que quem venceu a licitação para fornecer
a carne vencida foi uma uma pessoa "laranja" do empresário Enoch
Andrade. "Essa licitação quem venceu foi a Marileide, uma laranja da
empresa de Enoch". Ele disse ainda que a empresa “Marileide” está em nome
de uma das ex-cunhadas de Enoch. “Hoje ela é funcionária da loja, mas que
pertence a ele também", concluiu.
Elisângela Almeida dos
Santos, do Conselho de Alimentação Escolar de Ilhéus, disse que as escolas da
cidade ficaram quatro anos com déficit na merenda escolar. Nesse período, as
crianças só comiam biscoito com suco. “A gente fica revoltada. Primeiro porque
eu sei que o dinheiro veio, que a alimentação foi licitada. A gente passou
quatro anos vendo essa falta de merenda na escola", disse.
Enquanto o grupo fraudava
licitações e superfaturava contratos municipais, escolas de Ilhéus permaneciam
com problemas de infraestrutura e alunos sem alimentação. É o caso da escola de
Poju, na zona rural, e que fica a cerca de 30 quilômetros de Ilhéus.
No local, as crianças estudam
em um barraco, com teto quebrado e quando chove, até o armário escolar precisa
ser coberto com um plástico. As crianças não têm nem água para beber. No local,
também não tem banheiro. As crianças vão em uma cabaninha com um buraco e
correm o risco de cair na fenda no chão.
"Eles trazem uma
garrafinha de pet [plástica], quando traz suco, quando não trazem, comem o
biscoito seco", disse a professora Edilene de Jesus Almeida.
Esquema
De acordo com o promotor
Frank Monteiro Ferrari, a fraude nas licitações rendeu contratos no montante de
aproximadamente R$ 25 milhões para o grupo. Cada integrante tinha um papel na
organização.
"Jamil armava o desvio
do dinheiro a partir da Secretaria de Desenvolvimento Social. Já Kácio era
quem, abaixo de Jamil, ficava responsável pela operacionalização do ciclo de
fraudes que se iniciava naquela secretaria. Enoch é o empresário e proprietário
de todas as empresas integrantes desse esquema criminoso", explicou
Ferrari.
A investigação começou em
dezembro de 2015, após uma licitação da Secretaria de Desenvolvimento Social,
na época, para contratar uma empresa fornecedora de frangos para distribuição
gratuita no Natal para a população carente do município. A partir de então, o
MP entrou no caso.
"O Ministério Público
foi provocado com uma representação onde se atribuía a existência de fraudes
daquele procedimento específicos. Iniciamos, então, a investigação daquele
procedimento, constatamos uma série de irregularidades naquele procedimento
licitatório ao analisar o contrato. Essas irregularidades continuaram se
confirmando e o avanço das investigações possibilitou a constatação de que não
se tratava de uma fraude isolada, mas de uma fraude no contexto de um extenso
esquema de fraudes licitatórias, que não se localizavam apenas na Secretaria de
Desenvolvimento Social, mas aparentemente se expandiu para uma série de outras
secretarias e para a Câmara de Vereadores", explicou.
Um colaborador do MP, que
preferiu não se identificar, revelou que das empresas de Enoch saía o material
superfaturado na licitação, além de objetos que não tinham nada a ver com a
administração municipal. “De lá a gente já viu sair material de papelaria, geladeira,
fogões, máquina de lavar, computador, televisores. Por mês saía sempre um
material desse que não era normal, que não era corriqueiro nos pedidos da
prefeitura", disse.
O colaborador disse ainda
que, todo mês, Enoch fazia os funcionários das empresas dele sacarem dinheiro
no banco. “Eram valores de R$ 15, R$ 20, R$ 35 mil”, disse. Supostamente para
pagar os salários dos funcionários.
Em nota, o advogado de Kácio
Klai disse que o patrimônio dele é incompatível com as acusações de
envolvimento em desvio de milhões de reais do dinheiro público do município. Já
Jamil disse em nota que o cliente dele é professor da rede de ensino de Ilhéus
e jamais praticou qualquer ato ilícito. E os advogados de Enoch disseram que
não é verdade que as empresas da família Andrade foram constituídas para
fraudar licitações públicas.
Operação Citrus
O objetivo da operação foi
desarticular um grupo criminoso que praticava fraudes e superfaturamentos em
procedimentos licitatórios realizados pela prefeitura do município. Por meio de
nota, a prefeitura de Ilhéus informou que a operação não tem relação com a
atual administração. De acordo com a gestão do município, os mandados de busca
e apreensão são referentes ao período de gestões anteriores, entre 2009 e 2016.
A Câmara dos Vereadores
também emitiu uma nota e informou que colaborou com a operação prestando todas
as informações necessárias. Disse, inclusive, que cancelou os contratos com as
empresas investigadas.
De acordo com o MP-BA, a investigação começou em 2015, mas o grupo já atuava desde 2009. Durante a operação, seis pessoas foram presas, três delas já foram soltas, após o órgão entender que, das provas recolhidas e analisadas até o momento, e que as vinculavam ao crime, não eram suficientes para a acusação. Todos continuam sendo investigado./G1
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