Após uma semana com ao menos
127 homicídios no Estado, o governo do Espírito Santo anunciou, na noite de
sexta-feira (10), um acordo com as associações de classe militares para pôr fim
à paralisação de PMs. Caso a negociação se efetive, os policiais militares
voltarão às ruas neste sábado (11).
O fim do aquartelamento,
porém, ainda depende dos familiares dos PMs, que, desde o dia 4, acampam na
frente de batalhões de todo o Estado e impedem a saída do efetivo às ruas. Uma
das mulheres que lidera os atos disse que os piquetes devem continuar.
O acordo foi anunciado por
Julio Pompeu, secretário de Direitos Humanos do Estado. Segundo ele, as
negociações foram fechadas com todas as entidades que representam os policiais.
Uma ata da reunião divulgada pelo governo após o anúncio tem assinatura de
presidentes de quatro associações.
Na noite anterior, uma
reunião com representantes dos movimentos não deu resultado.
Pelo acordo fechado na noite
de sexta (10), não há previsão de aumento salarial aos militares, que reivindicavam
47% de reajuste (juntando a perda inflacionária e o ganho salarial). A
principal diferença entre o acordo anunciado e o tentado pelo governo na
quinta-feira (9) é que agora as autoridades do Espírito Santo aceitaram
incluir, na ata de negociação, que os policiais que voltarem ao trabalho às 7h
de sábado (11) não sofrerão nenhum tipo de sanção disciplinar. A ata anterior
previa apenas que não haveria perseguições (veja a ata das duas reuniões no fim
desta reportagem).
Os 703 militares já indiciados
por crime de motim, no entanto, seguem respondendo a inquérito, cujo desfecho
só será definido ao fim das investigações.
Pelo novo acordo, o governo
se comprometeu a apresentar um cronograma para promover policiais que têm
direito à progressão na carreira por tempo de serviço e a formar uma comissão
para analisar a carga horária da corporação. Uma proposta sobre a progressão de
carreira e sobre a carga horária deve ser apresentada em 60 dias.
Participação de entidades
O movimento dos PMs e
familiares no Estado foi considerado ilegal pela Justiça na segunda-feira (6)
por caracterizar, segundo a decisão, uma tentativa de greve por parte dos
agentes, apesar de nenhuma associação da categoria estar oficialmente envolvida
nos atos, já que os militares não têm direito a greve.
Em entrevista coletiva na
noite de sexta (10), Pompeu afirmou que, embora a paralisação não tenha sido
"iniciada pelas associações", ele decidiu negociar com as entidades
para que elas "convençam os familiares" a suspender os piquetes nas
portas das companhias da PM.
Centenas de mortes
De acordo com o Sindipol
(Sindicato dos Policiais Civis do Estado do Espírito Santo), ao menos 127
pessoas foram assassinadas em uma semana. Feito com base em dados do Ciodes
(Centro Integrado Operacional de Defesa Social), o número considera as
ocorrências até as 19h de sexta-feira (10) e inclui os homicídios no interior e
na Grande Vitória.
Além disso, foram registrados
522 roubos de veículos, 154 furtos de veículos até as 10h de sexta — números
próximos da média mensal desse tipo de crime. A Fecomércio-ES estima que mais
de 300 lojas foram saqueadas ou depredadas, totalizando um prejuízo de cerca de
de R$ 25 milhões para os comerciantes capixabas.
Apoio do Exército
Também desde segunda-feira o
Estado recebe reforço de homens da Força Nacional e das Forças Armadas. De
acordo com estimativa feita antes do anúncio do acordo pelo comandante da
Força-Tarefa da Operação Capixaba, general Adilson Katibe, até o fim de semana
o número total de militares deveria chegar a 3.000. A Força-Tarefa conta hoje
com 1.783 homens, sendo 1.000 do Exército, 373 da Marinha, 110 da Força Aérea e
300 da Força Nacional de Segurança Pública.
As tropas das Forças Armadas
foram deslocadas do Rio de Janeiro, Juiz de Fora (MG), Brasília e Taubaté (SP),
além de militares do próprio Estado do Espírito Santo. Estão sendo empregados
na operação três blindados da Marinha, e devem chegar mais quatro em breve. Ao
todo, 106 viaturas, além de helicópteros, são usadas pelas forças federais.
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sobre pedra”
Falta de ônibus
Desde segunda-feira (6), a
Grande Vitória sofre também com a irregularidade ou ausência de transporte
público. Segundo Edson Bastos, presidente do Sindirodoviarios-ES, a categoria
tentou sair com os ônibus em ao menos duas ocasiões, mas os motoristas foram
ameaçados e os coletivos, recolhidos.
— A intenção é voltar quando
estabelecer a ordem no Estado, porque está terra de ninguém.
Ainda de acordo com Bastos,
quatro ônibus foram incendiados — três na Serra e um em Cariacica — e houve
assaltos e sequestro de veículo nesses dias. O efetivo da região é de cerca de
1.300 ônibus.
Negociações frustradas
Além da sensação de
insegurança — moradores estão trancados em casa, há boatos de toque de recolher
e o DML (Departamento Médico Legal) chegou a ficar superlotado por causa das
mortes violentas na Grande Vitória.
Antes do anúncio de sexta
(10), o governo capixaba e as mulheres que aderiram ao movimento que impede a
saída de PMs às ruas têm trocado acusações.
De um lado, o governo
colocava na conta do movimento as mortes e atos violentos ocorridos no Estado e
dizia que o grupo não queria negociar; de outro, as mulheres alegam que o
problema era a omissão do governo em relação aos policias e declaravam estar
sem apoio e buscar apenas o direito de seus familiares.
Na última quinta-feira (9),
uma reunião que durou mais de dez horas tentou dar um fim à ocupação dos
batalhões. O encontro terminou após a meia-noite e o grupo não chegou a um
acordo. M., 26 anos, estava na reunião e prefere não se identificar por medo de
sofrer represália. Ela, que com outras seis mulheres atuaram como mediadoras do
encontro, afirmou que o grupo foi deixado esperando por diversos momentos.
— Mantiveram a gente lá
propositalmente tentando nos cansar, mas não vamos cansar. Toda hora eles saíam
da sala e no final deram um tempo para a gente pensar e falamos que íamos levar
[a proposta] para o resto do grupo. Pedimos 15 minutos. Eles deram uma hora e
depois não apareciam. Ficaram sem falar com a gente. Não deram comida para a gente.
Só agua e café. Umas 21h30 voltaram e falamos que não aceitávamos, mas que
tínhamos uma contraproposta.
Na sexta-feira, os batalhões
amanheceram bloqueados. Em coletiva de imprensa, o comandante geral da PM,
coronel Nylton Rodrigues, informou que ao menos 703 policiais haviam sido
identificados e seriam indiciados pelo crime de revolta — evolução do crime de
motim.
Rodrigues disse que "com
certeza" o número de PMs indiciados "irá aumentar muito" e
ressaltou que a maioria dos envolvidos são policiais de início de carreira.
O
governo disse ainda que as mulheres líderes do movimento também serão responsabilizadas
pelos custos com a mobilização das Forças Armadas e da Força Nacional de
Segurança./ r7
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