Dilma Rousseff parece mais
relaxada do que quando estava na Presidência do Brasil. Brinca, repassa a
apertada lista de conferências que a aguardam na Europa e nos Estados Unidos e,
pela primeira vez, fala de seu futuro político.
Destituída em 2016 pelo
Congresso, sob a acusação de maquiar as contas públicas, a ex-presidente de
esquerda passa seus dias em Porto Alegre, onde segue obedientemente sua rotina
de exercícios físicos e passeios de bicicleta, e só parece perder a paciência
quando é consultada sobre o escândalo de corrupção da Petrobras que atingiu seu
governo.
“Eu não serei candidata a
presidente da República, se é essa a sua pergunta. Agora, atividade política,
nunca vou deixar de fazer (…) Eu não afasto a possibilidade de eu me candidatar
para esse tipo de cargo: senadora, deputada, esses cargos”, declarou em uma
entrevista exclusiva à AFP realizada na tarde de sexta-feira em Brasília.
Apesar do impeachment, Dilma
não perdeu seus direitos políticos para ocupar cargos públicos, e pode,
portanto, ser candidata a cargos eletivos.
Esta decisão, tomada pelo
Senado, surpreendeu porque o único precedente que existia apontava para o
contrário. O ex-presidente Fernando Collor de Mello renunciou em 1992 durante o
impeachment e ficou inabilitado para ocupar cargos públicos durante oito anos.
Aos 69 anos, esta
ex-guerrilheira marxista disputou apenas dois cargos eletivos em sua vida: a
Presidência, que venceu em 2011, e a reeleição de 2014, ambas pelo Partido dos
Trabalhadores (PT).
Questionada sobre como é
possível que desconhecesse a monumental rede de subornos que drenou mais de US$
2 bilhões de dólares da Petrobras para financiar campanhas políticas, Dilma
abandona o semblante afável que adotou após seu impeachment.
“Os processos são
extremamente complicados (…) Ninguém no Brasil sabe de todos os processos de
corrupção hoje”, afirmou.
Primeira mulher a chegar à
chefia de Estado do Brasil, Dilma conserva em sua conta do Twitter a frase
“presidenta eleita do Brasil”.
Como o país não concede
nenhum tipo de pensão aos seus ex-presidentes, Dilma se mantém financeiramente
com os R$ 5.300 mensais que recebe de aposentadoria por ter sido funcionária do
Estado do Rio Grande do Sul e completa sua renda com o aluguel de quatro
apartamentos familiares.
Impeachment
Afilhada política do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2002-2010), símbolo de uma esquerda
latino-americana que perdeu grande parte de seu crédito pelos escândalos de
corrupção, Dilma diz que não costuma ter problemas ao percorrer as ruas do
bairro Tristeza, onde vive em Porto Alegre, nem quando viaja ao Rio de Janeiro
para visitar sua mãe.
Mas, com as lembranças do
impeachment ainda frescas na memória do país, afirma não ter garantias, apesar
de contar com um guarda-costas.
“Nada impede que alguém me
agrida”, declara.
Entre maio e agosto de 2016,
o Brasil viveu um impeachment traumático, cujo ato final ocorreu no Senado,
onde Dilma Rousseff se defendeu por mais de 10 horas.
Sua queda foi precedida por
uma série de acusações de corrupção contra seu partido, que alimentaram grandes
protestos nas ruas.
Dilma diz repassar
“sistematicamente” os documentos do processo que a retirou do poder e que
encerrou um ciclo de mais de 13 anos do PT no governo, substituindo-a por seu
vice, o conservador Michel Temer, a quem acusou de liderar um “golpe
parlamentar”.
“As pedras de Brasília e as
emas da Alvorada sabiam que eles estavam inventando um motivo para me afastar”,
afirma, em uma referência ao tempo em que vivia no Palácio da Alvorada, cercado
de jardins intermináveis povoados por pássaros.
“Foi a chamada justiça do
inimigo: não se julga, se destrói”, acrescenta.
Lula
Uma pesquisa recente colocou
Lula à frente em todos os cenários eleitorais para 2018. Processado em vários
casos relacionados ao escândalo na Petrobras, seu futuro é uma incógnita.
“Apesar de todo o processo de
tentativa de destruição da personalidade, da história e tudo, o Lula continua
em primeiro lugar, continua sendo espontaneamente o mais votado”, afirma Dilma,
para quem há um “segundo golpe” em amadurecimento: criminalizar Lula para impedir
que ele seja candidato.
Dilma diz não guardar
rancores pessoais contra aqueles que levaram sua destituição adiante, uma
atitude que conserva de seus tempos de militância marxista, quando foi
capturada e torturada durante a ditadura militar (1964-1985).
E isso inclui o ex-presidente
da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, cérebro por trás do impeachment,
atualmente na prisão por um caso de corrupção.
“Eu não tenho em relação ao
Eduardo Cunha nenhum sentimento de vingança ou qualquer coisa que o valha. Eu não
tive em relação ao torturador. Não dou luxo para torturador de ter ódio de
torturador, nem tampouco para o Eduardo Cunha”, conclui./bocaonews
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